Um instigante artigo me chamou a atenção no Valor econômico. E me chamou a atenção, por que em Porto Alegre, onde em 2020 a esquerda elegeu uma Bancada Negra bastante significativa, isto não se repetiu agora, em 2024. No artigo não há referência específica ao Brasil, pois trabalha com dados dos EUA e da Europa. Mas vale a leitura. Por isto resolvi publicar na íntegra aqui no Blog, esperando que comentários dos leitores ajudem a compreender o que esta se passando. Leia o artigo a seguir:
Esquerda perde apelo nas minorias étnicas
Por John Burn-Murdoch no Valor Econômico
Em ambos os lados do Atlântico, um dos padrões mais antigos em demografia eleitoral começou a se desintegrar. O principal indicador de uma queda de apoio ao Partido Trabalhista nas eleições gerais do Reino Unido deste ano veio do eleitorado de origem muçulmana, enquanto os melhores resultados dos Conservadores ocorreram em áreas com grandes populações hindus. No geral, o Partido Trabalhista conquistou menos da metade dos votos de não brancos pela primeira vez na história.
Nos Estados Unidos, o vale do Rio Grande, de maioria hispânica, mudou drasticamente a favor de Donald Trump em 2020, americanos vietnamitas na Califórnia abandonaram os democratas, e bairros de maioria negra na Filadélfia ficaram significativamente menos “azuis” (menos inclinados a apoiar os democratas). Os republicanos tiveram o melhor desempenho entre eleitores não brancos em quatro décadas, desde 1960.
Sempre há o perigo de interpretar excessivamente esses acontecimentos, e vale destacar que os britânicos e americanos não brancos como um todo ainda tendem a ser de esquerda. Mas resultados contrários estão deixando, cada vez menos, de ser exceções. Mais importante ainda, esses exemplos destacam algo que sempre foi verdade, mas foi frequentemente ignorado: eleitores de minorias étnicas não formam um bloco homogêneo.
Medir a opinião pública entre grupos pequenos e de difícil acesso é desafiador. Mas esta semana um novo estudo inovador do think-tank “UK in a Changing Europe” e da empresa de pesquisas Focaldata fez exatamente isso, lançando luz sobre a ampla gama de atitudes e prioridades entre diferentes grupos minoritários na Grã-Bretanha. Ele revelou que, muitas vezes, estas estão mais próximas do espectro conservador do que do progressista.
Para dar um exemplo, 22% dos britânicos de minorias étnicas dizem que é importante para eles que o governo mantenha impostos baixos. Esse número é quase o mesmo entre eleitores conservadores brancos, e muito superior aos 14% dos eleitores trabalhistas brancos que compartilham dessa opinião.
Da mesma forma, enquanto 37% dos eleitores trabalhistas brancos com educação universitária dizem que o governo deveria adotar uma postura firme sobre questões de justiça social, apenas 25% dos eleitores de minorias concordam, caindo para 21% entre os indianos britânicos – mais próximo dos 14% dos conservadores brancos que têm a mesma opinião.
Esses padrões são consistentes com a ideia de que a política pós-materialista se tornou cada vez mais comum entre aqueles que já alcançaram uma posição confortável na sociedade, enquanto aqueles que ainda estão ascendendo – incluindo minorias étnicas – muitas vezes ainda se concentram em preocupações materiais.
A situação é semelhante nos Estados Unidos, onde a guinada à esquerda entre liberais brancos educados fez com que os democratas brancos ultrapassassem a posição das minorias em um número crescente de questões, incluindo imigração, racismo, patriotismo e meritocracia.
Os progressistas brancos americanos agora têm opiniões sobre essas questões culturais completamente desalinhadas em relação ao eleitor médio negro ou hispânico, de acordo com uma análise da empresa de pesquisas Echelon Insights.
Conservadores radicais nos EUA estão tão distantes da opinião das minorias quanto o outro extremo. A esquerda era o lar natural dos não brancos, o que agora é menos evidente. Os americanos de cor agora estão equidistantes de progressistas brancos e conservadores
Para ser claro, os conservadores radicais nos EUA estão tão distantes da opinião das minorias quanto o outro extremo. Mas, historicamente, a esquerda era o lar natural dos americanos não brancos, o que agora está se tornando menos evidente. Em termos de ideologia política autodeclarada, os americanos de cor agora estão aproximadamente equidistantes entre progressistas brancos e conservadores.
Essas mudanças são particularmente notáveis nas campanhas eleitorais em ambos os países. Nos EUA, a postura firme de Kamala Harris sobre imigração na fronteira sul não é uma traição à base diversificada dos democratas; aproxima-se mais das preferências políticas do americano não-branco típico.
No Reino Unido, a disputa pela liderança do Partido Conservador entre Kemi Badenoch e Robert Jenrick assume um novo significado quando analisada no contexto dessas descobertas. Um partido conservador focado na aspiração econômica e liderado por uma britânica nigeriana poderia muito bem ganhar terreno junto à grande população de britânicos de minorias conservadoras cujos valores e escolhas de voto de direita ainda não estão totalmente alinhados.
A eleição nos EUA no próximo mês será decidida por margens muito estreitas, enquanto antigas alianças partidárias no eleitorado britânico estão se rompendo. Nunca foi tão importante entender onde realmente está a opinião pública.
Políticos de todos os espectros fariam bem em começar a ouvir o que os diferentes eleitores de minorias étnicas realmente querem, em vez de se basearem em estereótipos cada vez mais errôneos ou de tratarem grupos altamente heterogêneos como um bloco uniforme.
Jonh Burn Murdoch é Colunista do Financial Times