Negro, gay e migrante para o Rio de Janeiro, o candidato fugiu da tendência majoritária na legenda do PSOL de abordar essas identidades e preferiu se declarar em quase todos os vídeos “um trabalhador explorado no balcão”.
A esquerda em geral e o PT em especial, tem dedicado bastante esforço em pensar estratégias eleitorais, o que talvez tenha sido motivo para secundarizar as estratégias para a Luta de Classes, que segue.
Mas o fato é que com a Revolução tecnológica, mudou a Classe Trabalhadora e também as formas de exploração dos trabalhadores, que muitas vezes nem trabalhadores mais se julgam.
Os métodos e as bandeiras de Rick Azevedo merecem ser levadas em consideração por todos aqueles que pretendem ver o PT e as esquerdas retomarem suas Bandeiras históricas e fundamentais, como tem preconizado José Dirceu e outras lideranças da esquerda.
Rick Azevedo é criador do movimento VAT que, com milhares de pessoas em grupos de Telegram, quer o fim da escala 6×1. (No comércio hoje, o trabalhador labuta 6 dias para folgar 1, de acordo com os interesses do empresário). É uma pauta corporativa diriam alguns. Sim. Mas se conduzida como esta sendo pelo Movimento VAT, ela pode ser instrumento de construção da consciência de Classe que tanta falta faz hoje aos super explorados trabalhadores das velhas e novas categorias profissionais surgidas com a revolução tecnológica.
Pra reflexão, publico a seguir o fio de tuites do Rodrigo Luis Veloso (@rodrigoluisvelo)
Em vez de “meu look é político”, candidato adotou a pauta principal contra Escala 6×1 no setor de comércio e serviços, e estourou nas urnas, ultrapassando todos os concorrentes.
Rick Azevedo não era conhecido de muitos militantes do PSOL quando apresentou sua candidatura. Ele também ficou em uma das últimas faixas de distribuição de recursos do Fundo Eleitoral, inclusive bem atrás dos 6 vereadores que tentavam a reeleição
No entanto, o ex-trabalhador balconista de uma farmácia já havia viralizado no Tik Tok e no Instagram falando sobre a sua jornada de trabalho exaustiva e exploratória, com baixa remuneração.
Os conteúdos postados por Rick tiveram uma repercussão incendiária junto a outros trabalhadores deste setor de comércio e serviços, que é o que mais emprega no país, e proporcionalmente ainda mais no Rio de Janeiro.
A linguagem simples, porém impactante, com que Rick falou sobre a rotina a qual estava submetido proporcionou identificação imediata entre outros que estavam na mesma categoria profissional que ele, nas lojas, nos shoppings.
Negro, gay e migrante para o Rio de Janeiro, o candidato fugiu da tendência majoritária na legenda de abordar essas identidades em busca da identificação dos eleitores, e preferiu se declarar em quase todos os vídeos “um trabalhador explorado no balcão”.
O sucesso de audiência conduziu à criação de grupos de zap que receberam o nome de movimento “Vida Além do Trabalho (VAT)”. Que posteriormente ganhou o apoio de milhares de pessoas, entre elas várias que já tinham também muitos seguidores e o ajudaram.
Durante a campanha, Rick priorizou locais de concentração de comércios, com muitos trabalhadores em lojas, como o Saara e Madureira – enquanto várias candidaturas do PSOL disputavam o público boêmio do chopinho de Botafogo e do samba da Glória.
Ele não fez nenhuma “Trend” no Instagram e abriu mão de danças constrangedoras, piadas, esquetes de humor, ensaios fotográficos e clipes de jingle que seus concorrentes à esquerda quase todos fizeram, com o dinheiro público.
Seriedade, compartilhamento de histórias de colegas, e discursos incisivos contra a exploração dele e dos demais trabalhadores neste segmento deram o tom da sua comunicação que atingiu 220 mil seguidores no Instagram.
Nas urnas, Rick teve 30 mil votos, com menos de 20% dos recursos de qualquer outro vereador de esquerda eleito na cidade. Ele também é o vereador eleito que teve a campanha mais barata entre todos. E ele foi mais votado que todos vereadores do PSOL que concorreram à reeleição.
Sua vitória nestes termos, superando obstáculos de uma distribuição desigual de recursos e sendo o mais votado, demonstrou por onde a esquerda pode avançar para recuperar terreno junto aos trabalhadores mais pobres.
1 – Apresentando a candidatura de trabalhadores de profissões normalmente pouco mencionadas, como é o caso dos trabalhadores de balcão, de shopping, de supermercado, copeiros etc – em vez de apenas profissionais com diploma, como advogados, médicos, jornalistas, professores etc
2 – Viabilizando (estrutura para) candidaturas competitivas de candidatos das categorias profissionais que mais empregam, pois Rick também conseguiu alcançar tantos trabalhadores graças a uma hábil equipe de comunicação que outros candidatos precisariam dispor, da mesma maneira.
3 – Explorando locais para sua campanha e públicos-alvo que a esquerda havia ignorado para se enraizar na representação dos clientes da boemia. Isto é, preferindo dialogar com trabalhadores dos comércios, e não só com seus clientes “descolados”.
4 – Adotando uma linguagem sóbria, sem exageros, sem bordões sectários da militância (com diploma), inclusive abrindo mão de demarcar suas identidades de gênero e raça para buscar a identificação com todos os trabalhadores do seu segmento – um público maior.
5 – Apostando em uma causa principal objetiva, material, com claro impacto direto na rotina dos eleitores, em vez de propostas genéricas ou vanguardistas demais.
6 – Dando mostra de empenho e compromisso, seriedade e trabalho duro, que são linguagens que falam com o trabalhador mais pobre, que vivencia essa rotina. O excesso de acenos à boemia [de olho no público pequeno-burgês] afasta a identificação com trabalhador mais explorado.
Rick Azevedo teve votos muito concentrados nas pontas do subúrbio do Rio e em favelas, onde mora o povo mais trabalhador e precarizado. Eu nunca vi uma candidatura pelo PSOL com esse tipo de eleitorado aqui na cidade. Foi totalmente sem precedente.
[OBS 1] Escala 6×1 é aquela onde o trabalhador tem direito a um dia de folga para cada 6 trabalhados. Muito usada em lojas, ela significa que muitos trabalhadores só tem descanso uma vez na semana, frequentemente em dias de movimento mais fraco, como segunda, terça e quarta.
[OBS 2] Os votos de Rick se concentraram em regiões de favela, principalmente nas zonas oeste e norte da cidade. Com muitos votos em Campo Grande e Bangu, mas dentro desses bairros nas partes mais pobres. Nas regiões mais ricas na Orla e ao redor da Tijuca, teve poucos votos.