Marcílio Godoi
Cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. Marcilio Godoi, em quarentena, traça em seus novos versos a necessidade de aprender a ser só, a necessidade de aprender a só ser.
Iso-lamento
Em conversa muito íntima
com botões quarentenados
asceta, vi o futuro
a que estamos nós fadados.
Pareceu-me distopia
lembrar as ruas sem gente
e caminhões de cadáveres
sem uma guerra aparente.
Se essa febre não nos mata
talvez nos faça mais fortes,
teremos tempo de sobra
para encararmos a morte.
Podíamos ver o céu
refletir um mar de estrelas,
mas, a pino, o sol lá fora
não nos consentia vê-las.
E esse excesso de luz
que a nós nos impedia
saber dos corpos celestes
roubou-nos tal primazia.
Mas nessa noite viral
certo as estrelas virão,
e verrugas ganharemos
contando-as do colchão.
Veremos estrelas-paz
e de solidariedade,
as nebulosa da dor
no céu da nossa cidade?
Talvez nos brilhe um afeto
invisível ao contato,
não mais brilhará a luz
dos antigos acetatos?
Cometas de gratidão
satélites solidários,
a humildade possível
a um planeta temporário?
E nesse escuro ouviremos
gemidos vindos dos túmulos,
ao longo de nossa história
acumulada de acúmulos?
Da janela, ver-se-ão
abaixo, o asfalto chamando;
ou acima, a lua nova
solidão nos irmanando?
A saber, o exato tanto
dessa vida em pouca escala,
o que seremos no mundo
à medida que encontrá-la?
E nesse profundo instante
muito brilhante afinal,
pousará em nossos olhos
a estrela mais brutal?
Por alguns, será lembrada
na Terra, o resto dos tempos,
em outros, a estrelamor
surgirá do isolamento.
O post Iso-lamento apareceu primeiro em Nocaute.