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Luiz, o menino que dobrou aviõezinhos pra nós no dia em que os tucanos fugiram da Boca Maldita

2 de Agosto de 2014, 21:07 , por Tânia Mandarino - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Quando aceitei participar da brincadeira de jogar aviãozinho de papel durante o passeio do Beto e do Aécio na Rua XV, em Curitiba, eu me esqueci de um detalhe importante: nunca consegui aprender a fazer aviãozinho de papel que voasse nessa vida!

Eu estava com a cópia integral de um processo gigante do Tribunal do Júri, que usei há muito tempo, quando fiz o papel de promotora, num júri simulado da faculdade, e falei pra Meg, poah a gente não acha um menino de rua agora pra fazer uns aviõezinhos pra gente com tanta folha de papel disponível...

Nisso vem de lá um garotão de uns 17 anos, andando meio sem rumo, bermudão e camiseta e eu lhe pergunto se ele sabe fazer aviãozinho de papel.

Ele, ressabiado, diz que sim e eu coloco algumas folhas do processo na sua mão.

-“Ei, mas vai me pagar quanto?” pergunta o garotão.

-“Poah, faça um primeiro pra eu ver se voa, depois a gente conversa”.

Meio contrariado, o jovem começa a dobrar o papel, com malemolência, mas vejo que ele realmente sabe fazer o aviãozinho.

Testo. E voa!

Olha o aviãozinho!

Então combino com ele que o máximo que posso lhe dar são cinco reais.

Ele acha pouco, mas aceita e pede um adiantamento, porque não tem garantias que eu o pagarei ao final.

Eu lhe digo que também não tenho garantias que se lhe pagar, ele não irá embora, sem entregar as dobraduras prometidas e lhe dou duas moedas de um real combinando que os outros três reais serão pagos quando ele terminar os aviõezinhos naquele montinho de folhas de processo que estão com ele.

Apanho uma sacolinha de plástico numa loja próxima e combino com o Luiz (agora já sabemos seu nome) que ele vai fazendo e colocando na sacola os aviõezinhos prontos.

Aécio está atrasado. Já são quase 11 horas e nada da passeata, marcada para às 09h30, trazer o mineiro no bojo.

Chega uma garota, que depois eu soube ser a Kalley Michelle, com um pacote de açúcar na mão e esparrama seu conteúdo no chão formando duas carreirinhas de... Bem... Pra mim aquilo era a pista de Cláudio, pronto!

Brinco de estacionar um dos aviõezinhos de carreira na pista de Cláudio enquanto esperamos a caravana passar.

Luiz está ali, firme, ao nosso lado, elaborando as dobraduras e prestando atenção no nosso movimento.

Meg está transmitindo ao vivo no Canal do Charuto e isso me tranquiliza quando aparecem os tucanos nos agredindo e arrancando a sacolinha de aviões de papel das minhas mãos.

Eles são truculentos e nos arranham, mas escondem as unhas rapidinho para que ninguém perceba. A marca na minha mão direita foi pequena, mas na mão do Polaco ficou uma marca maior.

Eles começam as agressões observando que quem dobra os aviões é o Luiz e me chamando de “burra, não sabe fazer avião! Burra!”

Respondo que não sei mesmo, “eu sou menininha, ele que tá fazendo pra mim!”

Kalley Michelle dança e saracoteia sobre as carreirinhas de açúcar no chão cantando “Aecinho, vida loka!”

Quando os transeuntes olham para aquilo ela adverte “gente, é açúcar, só açúcar, não fiquem nervosos, a cocaína está no helicóptero!”

Quando nos agridem e nos tomam a sacolinha de aviõezinhos, eu mostro a Meg em cima do poste e aviso que ela está transmitindo ao vivo para todo o Brasil. Então eles fazem cara de bonzinhos e dizem que não pegaram nada, mostrando a sacola no chão.

Escuto o tradicional “fora PT” e sou chamada de “petista sem-vergonha”.

O tucano espumando ódio pela boca e dando pulos dessa altura como um bode sarnento, se aproxima de mim e começa a repetir como um demente “explica a Petrobrás! Explica a Petrobras!” – ele saliva e baba em mim enquanto fala.

“Porca, cheiradora, sai daí petista sem-vergonha”, segue o tucano raivoso na sua linha argumentativa.

Eu lhe digo que não dá pra conversar com ele porque está com muito ódio e ele se defende dizendo que não é ódio “cansei de ver meu país ser roubado” e seguem-se as palavras de ordem deles que são “Bolsa Família”, “explique a Petrobras” e "fora PT".

O Luiz segue dobrando seus aviõezinhos e observando aquela briga entre o bem e o mal.

A gente começa a se deslocar e o garoto sempre atrás de mim, dobrando aviõezinhos e colocando numa nova sacola de plástico que pedi em outra loja.

Caminhamos em direção à Boca Maldita, onde sabemos que aviões de papel cairão dos céus sobre a caravana do Aécio.

Na esquina da XV com a Barão do Rio Branco o garoto me pergunta: “Heim, os patrão de vocês não vão liberar um almoço pra nós, não?”

Então eu paro de caminhar e olho bem dentro dos olhos dele. Lembro-me de dizer muitas coisas ao Luiz, mas comecei com “Patrão??? Que patrão??? Então você achou que a gente está aqui a mando de alguém? Não senhor, Luiz! Nós estamos aqui protestando com aviõezinhos de papel, porque o Aécio Neves construiu um aeroporto com dinheiro público na fazenda do tio dele. Nós estamos aqui por que não queremos que esse cara seja presidente do Brasil! Nós estamos aqui por que somos cidadãos que não queremos que o Brasil volte a ser governado por gente como o Aécio, que é da mesma laia do atual governador do Paraná, o senhor Beto Richa, que está tentando se reeleger! Nós estamos aqui por que graças a gente como nós, hoje é possível exercer o direito de livre expressão e manifestação!

Concluí dizendo ao Luiz que eu só paguei cinco reais para ele fazer aviõezinhos de papel para mim, por que nunca na minha vida consegui aprender a fazer um avião de papel que voasse.

Luiz me olhou com os olhos cheios de luz. Pediu “perdão, eu não tenho assistido noticiários, estou sempre estudando e trabalhando e não sabia disso tudo” e arrematou: “eu não vou votar nesses caras é nunquinha nessa vida!”

Uma estrela cadente iluminou meu coração nesse momento. Segui caminhando pela Rua XV leve como uma borboleta. Apesar dos seguranças disfarçados de abajur me marcando e perseguindo, como muitos ali vieram me avisar; apesar da hostilidade dos tucanos fazendo questão de me filmar e fotografar em close a todo o momento com falas ameaçadoras, eu senti que valera a pena ter estado ali, por alguma razão muito maior do que apenas brincar de aviõezinhos de papel.

Lá na frente, quando um dos correligionários do aviador passou por nós e disse: "com vocês a gente resolve é na bala" - fazendo com a mão o gesto de engatilhar e atirar com uma arma grande, apontando para um comparsa dele e dizendo: "ele vai resolver isso!", eu tive a alegria de olhar para mim e para os meus companheiros e sentir a mais absoluta certeza de que, sim, nós estamos do lado certo!

 VEJA OS VÍDEOS:

 

 

A tradicional Boca Maldita, em Curitiba, consagrou-se hoje definitivamente como reduto socialista. A comitiva de Aécio Neves, que vinha em passeata desde a Praça Santos Andrade, simplesmente desviou da Boca, saindo estrategicamente pela direita, na Ermelino de Leão, com medo da chuva de aviõezinhos de papel que eleitores atiravam do alto de um prédio, tudo registrado nas imagens da Iris Cavalcante, que transmitiu ao vivo no Canal do Charuto:


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