Carta do EXTRA aos leitores que não viram um estupro no estupro
1 de Junho de 2016, 10:12O EXTRA foi o primeiro jornal a denunciar as violências sexuais sofridas por uma menor de 16 anos no Morro do Barão, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Desde a primeira notícia, publicada às 17h16 do dia 25 de maio, tratamos o caso como estupro. Na edição impressa, no dia seguinte, a manchete usou a expressão “estupro coletivo”. A notícia e abordagem do EXTRA geraram polêmica, e milhares de leitores criticaram o jornal nas redes sociais porque não acreditam que a jovem tenha sido vítima de violência. Ao contrário. Muitos garantem que a notícia está distorcida porque a menina, sim, teria sido a única responsável pelo que aconteceu.
Reunimos em tópicos a essência das críticas recebidas e compartilhamos nossos argumentos. Senta, que lá vem textão.
“NÃO HOUVE ESTUPRO”
Quando um repórter presencia um assalto na rua, ele não sai correndo atrás do ladrão para perguntar se ele efetivamente furtou alguém. Nem liga para a autoridade policial para confirmar o que viu. A notícia é o relato da cena que o jornalista presenciou. Podemos fazer um paralelo com este caso. A origem da notícia foi um vídeo no qual uma jovem desacordada é manipulada por homens que abrem suas pernas, filmam sua vagina, seu ânus, zombam do estado da menina, em especial de suas partes íntimas, dizendo que mais de 30 passaram por ali. Como qualquer ato libidinoso cometido contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência é estupro, o EXTRA tratou o estupro como estupro. Portanto, não foi nem o caso de "comprar a versão da vítima", ou "defendê-la", porque, na primeira vez que o caso foi noticiado, sequer sabíamos quem era a jovem.
“ELA TAMBÉM NÃO É SANTA. TEVE O QUE PROCUROU"
Não existe no Código Penal um capítulo para crimes sexuais chamado "Viu? Bem feito!". Crime é crime. E nem a lei não prevê anistia para crimes com base no conceito moral que temos de quem sofre o abuso. Ah! E não existe estupro em legítima defesa. A vítima, pode sim, não ser santa. Essa é uma decisão dela.
“FOI ORGIA, SURUBA, E NÃO ESTUPRO”
Fazer sexo em grupo não é crime. No entanto, é preciso que o ato seja consentido e com os participantes conscientes. No vídeo, a jovem aparece desacordada. Por isso o estupro está configurado naquelas imagens. É importante lembrar: a Polícia Civil apura o que aconteceu antes da gravação para descobrir se outras pessoas, que não aparecem no vídeo, também a violentaram - e não para saber se a menina de 16 anos é adepta a orgias, o que não importa a ninguém.
“ELA NÃO PRESTA, TEVE FILHO AOS 13 ANOS”
Transar com uma menina de 13 anos é estupro também. Quando engravidou, ela foi violentada por um traficante pela primeira vez.
"E ELA NÃO VAI RESPONDER POR ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO?"
Aos fatos: o EXTRA apurou que a jovem era viciada em drogas e andava com traficantes. Se ela cometeu algum ato correlato a crime no seu passado (não há notícias disso até o momento) ela também deverá responder. É a mesma lógica.
“OS ÁUDIOS MOSTRAM QUE ELA É BANDIDA”
Os áudios não têm, até o momento, a veracidade comprovada.
"ELA SÓ DENUNCIOU PORQUE O VÍDEO SE ESPALHOU NA NET"
A jovem, de fato, procurou o traficante nos dias posteriores para reclamar do sumiço do celular e foi ressarcida. Não prestou queixa de estupro na delegacia. O fato mostra como o aparato legal do estado - polícia, Defensoria, Ministério Público, Justiça, secretarias de direitos humanos - está distante de parte da população, especialmente da que vive em áreas dominadas pelo tráfico. Só para lembrar, um famoso jogador de futebol da seleção brasileira caiu num grampo em que pedia providências a um traficante da Rocinha contra assaltos em São Conrado. No Rio, a sociedade anualmente reverencia bicheiros envolvidos em todos os tipos de crimes no carnaval. A culpa desta cultura é da jovem também?
"ELA VOLTOU AO LUGAR DO CRIME... LOGO, NÃO ESTÁ ABALADA"
A maior parte das vítimas de crimes sexuais e violência doméstica também não denuncia o crime imediatamente. Algumas vítimas levam a vida inteira para fazer a queixa e isso não significa que elas sejam coniventes, cúmplices ou a transformam em responsáveis pela violência. Por isso é importante não julgar a reação da vítima após o crime.
Fonte: http://extra.globo.com/
Modelo federativo dos EUA é refletido na segurança pública
1 de Junho de 2016, 7:15A missão de recriar um novo modelo de segurança pública no Brasil obriga-nos conhecer outros sistemas policiais mundo a fora. Nesse sentido, sendo o regime policial norte-americano sabidamente um dos mais eficazes, passamos a fazer considerações sobre tal estrutura. Construir um novo modelo de polícia, lastreado, sobretudo, na defesa das garantias individuais e coletivas, certamente contribuirá para que a ainda pueril democracia brasileira alcance a sua maturidade.
O sistema policial adotado em nosso país é diferente em relação à maioria dos modelos de segurança pública. Tentamos localizar, sem sucesso, a figura do Delegado de Polícia ou do Escrivão de Polícia em outras nações. Também não encontramos países onde um policial (delegado de polícia) possui poderes similares aos de representantes do Ministério Público ou mesmo dos Juízes de Instrução onde o sistema do juizado de instrução vigora. Na maioria dos países, as polícias não exercem atividades cartorárias ou de cunho jurídico-processual, mas apenas funções investigativas ou voltadas à prevenção e à repressão delitivas.
No Brasil, o inquérito policial, apuração pré-processual cartorial, burocrática, cara e em regra morosa, possui valor probatório relativo, devendo a colheita de depoimentos, interrogatórios e diligências em geral serem repetidas no âmbito do Poder Judiciário para alcançar status de prova. Esse sistema cartorializado acaba por estorvar a atividade investigativa propriamente dita, uma vez que toma dos policiais a maior parte do tempo com medidas protocolares, repetitivas e, muitas vezes, sem qualquer serventia probatória.
Sendo o nosso país uma federação, convém buscar também o modelo de segurança pública adotado pelo mais clássico modelo de federação: os Estados Unidos. No sistema norte-americano existem organismos de natureza policial em todos os níveis de organização política, o que contribui sobremaneira para a melhoria dos resultados na segurança pública.
Nos EUA há cerca de 17 mil agências policiais com atuação em todas as esferas da federação ianque, com um contingente de 1 milhão de profissionais. A operação desse sistema importa num gasto superior a 44 bilhões de dólares anuais, investimento que nos últimos 20 anos aumentou 400%.
Para a manutenção da paz social, os EUA contam com 1,6 mil agências policiais federais, 12,3 mil departamentos de polícia municipal e 3,1 mil xerifados locais. Os xerifados são um tipo de polícia de condado ou município, que normalmente presta serviços de apoio ao judiciário local.
Prova da importância que os americanos emprestam ao seu sistema de segurança pública é a existência de 61 universidades que oferecem graduação na área de justiça criminal. Os estados de Nova Iorque e do Texas, por exemplo, contam com as instituições de ensino superior de maior prestígio na área policial, o John Jay College of Criminal Justice da City University of New York e o College of Criminal Justice da Sam Houston State University.
No Brasil, graduações voltadas à preparação para atuar em segurança pública é coisa rara. Há apenas um curso de bacharelado em Segurança Pública reconhecido pelo MEC, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), cuja primeira turma deve colar grau em meados deste ano. Cursos de formação profissional, que nada mais são do que simples treinamento fechado para aqueles que, via concurso público, foram recrutados para fazer parte de uma dada instituição policial, são tidos equivocadamente como profissionalizantes ou mesmo como graduação, quando não passam de mero adestramento em academias de polícia.
O sistema de segurança pública dos EUA está distribuído entre os três entes federados, possuindo importante papel tanto as polícias locais (municipais), como também as policiais estaduais e as agências federais.
As polícias locais dos EUA
Instituições inexistentes no Brasil, as polícias locais são muito prestigiadas nos EUA, sobretudo pelos chamados serviços de proximidade que os oficiais de polícia prestam de forma satisfatória às comunidades de todo o país. As forças locais, aí incluídas as organizações policiais municipais, de condado e os xerifados, constituem-se na verdadeira "espinha dorsal" do sistema. No entendimento dos estadunidenses, a expressão polícia está diretamente identificada com a organização policial que serve o seu município de residência, defendendo-o da delinquência, reservando à criminalidade organizada as ações das Agências Federais ou às Polícias dos Estados. Em muitos departamentos o acesso à carreira policial está limitado aos munícipes residentes naquela específica cidade, o que demonstra a preocupação com a relação de confiança de parte a parte.
As polícias estaduais dos EUA
Sendo órgãos de cunho generalista, as Polícias Estaduais prestam policiamento de manutenção da ordem pública de "ciclo completo" em toda área de atuação do Estado, supletivando sua atuação com as polícias locais, de forma complementar às atividades de segurança dos municípios e condados, sempre que os recursos locais não sejam suficientes. Prestam o patrulhamento das rodovias estaduais, executam policiamento ostensivo em pequenas localidades e funcionam como polícia judiciária de jurisdição exclusiva nos delitos tipificados na legislação penal estadual. Também executam atividades em favor das polícias locais, inclusive apoiando-as nas áreas de formação e treinamento e serviços de perícia criminal e identificação.
Algumas polícias estaduais seguem um modelo organizacional descentralizado, estando constituídas por duas divisões distintas: uma de policiamento ostensivo geral e/ou patrulhamento rodoviário e outra funcionando como "Bureau Estadual de Investigação", nos mesmos moldes do FBI. No sistema de segurança pública estadual norte-americano existem as seguintes funções: policial estadual, policial rodoviário, policial escolar (restrito às instituições de ensino superior), policial ambiental e policial de parques.
O sistema das polícias federais dos EUA
A tradição política norte-americana manda competir aos estados a prestação da maioria das atividades de policiamento. Os estados, por sua vez, transferem às comunidades locais boa parte do poder de fiscalização, o qual, em última análise, termina por ser exercido pelas polícias locais. Com o aumento da incidência de crimes tipificados em legislação federal, bem como o advento da comunicação instantânea, o governo norte-americano, através de seus 75 mil profissionais empregados nas diferentes agências policiais federais, passou a exercer maior influência operacional.
Vários departamentos do governo federal norte-americano (equivalentes aos ministérios brasileiros) possuem agências policiais federais, a saber:
a) Departamento de Justiça:
- FBI Federal Bureau of Investigation - (Agência Federal de Investigação ou Polícia Federal propriamente dita);
- DEA Drug Enforcement Administration - (Departamento Anti Drogas Norte Americano);
- USM U.S. Marshalls - (Transporte de presos e captura de procurados);
- INS Immigration and Naturalization Service - (Fiscalização das Fronteiras e Serviço de Imigração e Naturalização Norte Americano).
b) Departamento do Tesouro:
- ATF Bureau of Alcohol, Tobacco, and Fire Arms (Agência de Controle de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo);
- IRS Internal Revenue Service (Serviço de Rendas Internas);
- USCS U.S. Customs Service ( Serviço Aduaneiro Norte-Americano);
- USSS U.S. Secret Service (Serviço Secreto Norte-Americano).
c) Departamento do Interior:
- FWS Fish and Wildlife Service (Serviço de Peixes e Vida Silvestre)
- RANGERS National Park Service (Serviço Nacional de Parques)
d) Departamento de Administração:
- GSA - General Services Administration (segurança dos imóveis da União).
e) Departamento de Transportes:
- U.S. Coast Guard - Guarda Costeira dos EUA (policiamento da costa americana).
A seguir, descreveremos sucintamente as atribuições e peculiaridades de cada uma das principais agências federais existentes no EUA:
I) FBI
Por ser a agência policial de maior expressão e reconhecimento internacional, o FBI [Federal Bureau of Investigation — Agência Federal de Investigação] merece um detalhamento acerca de sua estrutura e atuação. A instituição que inspirou a criação do Departamento de Polícia Federal do Brasil é uma unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, servindo tanto como uma polícia de investigação, quanto serviço de inteligência interna, possuindo atribuição sobre as violações de mais de 200 categorias de crimes federais. Conta com 9 mil agentes especiais e 11 mil funcionários civis.
Entre as atividades de rotina do FBI estão incluídas as investigações acerca do crime organizado, corrupção, pornografia, assaltos a banco e crimes do colarinho branco, incluindo falsificações e fraudes comerciais envolvendo ativos financeiros. Afora as atividades de investigação criminal federal, o FBI dá suporte às polícias estaduais e locais.
II) USM
Os agentes do U. S. Marshall têm a missão de transportar presos federais entre as várias penitenciárias, bem como prover a segurança de instalações do judiciário federal. Há 94 distritos judiciários federais, com um “marshall” e seus vários auxiliares lotados em cada um deles. Adicionalmente, também é da esfera de competência do marshall a proteção de indivíduos que prestam testemunho em tribunais federais, prisão de fugitivos federais, cumprimento de mandados de prisão expedidos por tribunais federais e apreensão de bens e propriedades resultantes de atividades ilegais tipificadas na legislação federal.
III) DEA
A Agência Anti-Drogas Americana (Drug Enforcement Administration) é o organismo dedicado ao combate ao tráfico de entorpecentes. Fundada em 1973, possui sua sede central na Virginia, em frente ao Pentágono. Sua academia é em Quantico, Virginia e conta com 21 Divisões, 227 Escritórios e 86 Representações no estrangeiro. Possui um quadro de quase 11 mil funcionários, sendo 5.500 Agentes Especiais.
IV) INS
O Serviço de Imigração e Naturalização (Immigration and Naturalization Service) tem a missão de fazer o policiamento das fronteiras terrestres do EUA, utilizando-se da famosa Border Patrol, patrulha de fronteira que costuma ter muito trabalho na fiscalização terrestre entre os limites territoriais de EUA e México. A INS também realizar as atividades de concessão de vistos de permanência para estrangeiros e o fornecimento de cidadania norte-americana.
V) ATF
A Agência de Controle ao Álcool, Tabaco e Armas de Fogo (O Bureau of Alcohol, Tobacco, and Fire Arms) faz cumprir a legislação federal no que tange aos referidos produtos. No tocante às armas, compete ao ATF fiscalizar a observância da legislação federal com respeito ao fabrico, comércio e posse de armas de fogo e explosivos. Com respeito às bebidas alcoólicas e cigarros, cabe à ATF combater o comércio ilegal e evasão fiscal disso resultante.
VI) IRS
O Serviço de Rendas Internas dos EUA (Internal Revenue Service) é a agência responsável pela investigação de fraudes fiscais de toda sorte. Fazendo um comparativo, seria uma espécie de Receita Federal do Brasil. O IRS ajuda no combate ao tráfico de drogas e contra as ações do crime organizado, atuando especificamente no que diz respeito aos ganhos financeiros com atividades criminosas.
VII) USCS
Os funcionários do Serviço Aduaneiro dos EUA (U.S. Customs Service)atuam na coleta de impostos de importação, nos 300 portos do país. Também apreendem drogas, mercadorias falsificadas e contrabandeadas. A CUSTOMS também cumpre a missão de “depositário legal” dos veículos apreendidos com drogas nos USA.
VIII) USSS
Ao Serviço Secreto Norte-Americano (U.S. Secret Service) compete fazer a segurança pessoal do presidente da república, vice-presidente, outros membros do governo federal, dignitários estrangeiros em visita ao país, bem como ex-presidentes, presidentes eleitos ainda não empossados e respectivas famílias. Mesmo havendo várias agências com natureza secreta, apenas o USSS tem esse nome como título institucional. O Serviço Secreto tem uma "Divisão Uniformizada", a qual realiza policiamento fardado na "Casa Branca" e representações diplomáticas estrangeiras com sede na capital norte-americana. Faz a repressão aos crimes de moeda falsa, uma vez que historicamente era subordinado ao Departamento do Tesouro. Numa comparação, seria como se os crimes de moeda falsa aqui no Brasil fossem reprimidos pelo Banco Central.
IX) FWS
O Serviço de Peixes e Vida Silvestre (Fish and Wildlife Service) é a agência federal responsável pela repressão e investigação relativas ao comércio ilegal das espécies protegidas que habitam áreas de proteção ambiental pertencentes à União Federal dos Estados Unidos.
X) RANGERS
Os agentes policiais do Serviço Nacional de Parques (National Park Service) fazem todas as atividades de policiamento ostensivo fardado nos parques federais, incluindo policiamento de trânsito, controle de incêndios e operações de busca e salvamento. Os “Rangers”, como são conhecidos, cobrem uma área física total de 12 milhões de hectares, espalhada por todo o território norte-americano.
XI) GSA
Os agentes da Segurança dos Imóveis da União (General Services Administration) são os responsáveis pelo gerenciamento dos bens imóveis do governo federal e da aquisição e distribuição de suprimentos para seu funcionamento. Os Agentes Federais de Vigilância realizam o patrulhamento e policiamento dos imóveis e demais instalações do governo federal.
XII) USG
A Guarda Costeira dos EUA (United States Coast Guard) exerce o policiamento da costa americana, a fiscalização do cumprimento das leis federais relacionadas à defesa costeira e a busca e salvamento marítimo. Em tempo de paz, funciona como uma agência civil, sob as ordens do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.
Por fim, vale registrar que as disputas e rivalidades que ocorrem no Brasil entre as polícias militares e as polícias judiciárias não são comuns no sistema dos USA. Todas as polícias fazem o chamado "ciclo completo", possuem caráter civil e são estruturadas em carreira única.
Também chama a atenção o fato de inexistir relação de pertinência entre a carreira policial e a formação acadêmica em direito. A doutrina do serviço policial está baseada no referencial teórico da Justiça Criminal, com mais de 60 faculdades atuando nessa área acadêmica, como já referido.
A eficiência do capital humano nas polícias norte-americanas é uma preocupação constante, sendo o recrutamento de indivíduos com nível superior, preferencialmente portadores de titulação em justiça criminal, uma realidade em todas as instituições policiais.
Importante repisar, por derradeiro, que o modelo federativo dos EUA também é refletido na segurança pública, sendo as diversas organizações policiais solidárias entre si, bem como na relação com o Poder Judiciário, Ministério Público, advocacia e comunidade em geral.
Ubiratan Antunes Sanderson é escrivão da Polícia Federal em Porto Alegre, bacharel em Direito e pós graduado em Gestão de Segurança Pública ULBRA/RS. Presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico
Gabinete Militar se exime de violência em Ouro Preto
1 de Junho de 2016, 7:00Órgão alega não ter autoridade sobre policiais que teriam agredido deputado e lideranças na Medalha da Inconfidência.
Esta foi a segunda reunião sobre o tema e contou com a presença de alguns envolvidos no caso. Uma terceira audiência foi agendada para o dia 21 de junho - Foto: Guilherme Bergamini
O chefe do Gabinete Militar do governador do Estado, o coronel da Polícia Militar (PM) Helbert Figueiró de Lourdes, afirmou que o órgão que dirige é autônomo e desvinculado das polícias, o que significa dizer que não tem autoridade funcional sobre os comandos das forças segurança. A declaração, em tom de justificativa, foi dada nesta terça-feira (31/5/16), em mais uma audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para esclarecer os incidentes ocorridos durante a cerimônia de entrega da Medalha Tirantes em Ouro Preto (Região Central do Estado), no último dia 21 de abril.
Na ocasião, entidades de classe e o presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PDT), teriam sido recebidos com truculência, impedidos de acessar o local e até atacados com gás lacrimogênio. Por outro lado, membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) teriam tido livre acesso ao evento, na Praça Tiradentes.
A reunião desta terça (31) foi segunda sobre o tema e contou com a presença de alguns envolvidos no caso. Como alguns dos militares convocados não compareceram, Sargento Rodrigues agendou uma terceira audiência para o próximo dia 21 de junho.
Em suas explicações, o chefe do Gabinete Militar lembrou ainda que o deslocamento do efetivo policial para o evento da Medalha Tiradentes foi semelhante ao de anos anteriores, em resposta a questionamento do deputado Sargento Rodrigues. “Em 2014, foram escalados 717 militares; em 2015, um total de 617 e, em 2016, um montante de 626”, disse.
Helbert Figueiró explicou que o MST e a CUT fizeram credenciamento prévio - Foto: Guilherme Bergamini
O oficial afirmou, ainda, que o acesso à praça foi feito pelos membros do MST e CUT por meio de credenciamento prévio. Segundo ele, havia três pontos de controle de acesso e o local onde os representantes de classe foram barrados era apenas o primeiro. “Eram 1940 credenciados para o evento, sendo 364 por meio de pulseiras, como foi o caso destes movimentos sociais”, ressaltou.
O coronel confirmou que houve um contato prévio das entidades de classe barradas para que se desse o direito à livre manifestação, conforme reivindica Sargento Rodrigues. Contudo, segundo o chefe do Gabinete Militar, a competência do gabinete não é definir quem entra, mas, uma vez definido, impedir quem não está autorizado. "Entendo que tenha faltado uma construção melhor desta agenda", concluiu Helbert Figueiró.
Credenciamento não teria sido informado, segundo associações
Representantes das entidades de classe que foram barrados pela Polícia Militar no dia do evento disseram não ter sido procurados em nenhum momento pelo Governo do Estado para que fizessem o credenciamento prévio. Mais do que isso, teriam feito contato e acordado que estariam presentes para se manifestarem contra o parcelamento de salários dos servidores e, mesmo assim, foram repelidos com truculência.
O presidente da Associação dos Praças Policiais Militares e Bombeiros do Estado (Aspra), sargento Marco Antônio Bahia, relatou que eram cerca de 60 pessoas no grupo e todos sabiam da possibilidade de credenciamento, mas que não foram atendidos pelo cerimonial do Executivo.
Ele também criticou que muitos dos membros do MST e da CUT presentes no evento também não estavam identificados com credenciais. “Isso causou estranhamento. O atual governo até aquela data não havia recebido as entidades de classe e não vem pagando o salário no 5º dia útil. Queríamos apenas demonstrar nossa indignação, não queríamos enfrentar ninguém. A intenção era pacífica”, explicou.
O presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar (AOPMBM), tenente-coronel PM Aílton Cirilo da Silva, reforçou que a orientação era para que todas as entidades de classe fizessem uma manifestação pacífica, deixando claro o repúdio ao parcelamento de salários. De acordo com ele, o comando da PM sabia que eles estariam presentes, mas, ao chegar, foram informados que não teriam acesso por não ter credencial. “Se fôssemos informados, teríamos providenciado. Faltou flexibilização e bom senso”, ponderou.
O presidente do Centro Social de Cabos e Soldados, cabo Álvaro Rodrigues, ressaltou que as entidades de classe foram recebidas pelo Batalhão de Choque e tratados com intolerância, a mando do governo. Assim como os demais, reforçou que o credenciamento não foi informado previamente e que tinham o objetivo de se manifestar democraticamente.
Alexandre Rodrigues disse que conseguiu entrar no evento ao pegar emprestado um boné do MST - Foto: Guilherme Bergamini
Acesso diferenciado – O representante da Associação dos Servidores do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar (Ascobom), sargento Alexandre Rodrigues, rechaçou a justificativa do Executivo de que o acesso foi proibido devido à ausência de credenciamento. Segundo ele, ao pegar um boné do MST emprestado, teria conseguido entrar na área do evento sem ser importunado.
“Contesto a acusação de que houve agressão do nosso movimento. Fomos traídos pelo comando, com o qual tínhamos acordado a manifestação. Vou processar todos os policiais que agiram de forma arbitrária na ocasião”, afirmou.
O membro da AOPMBM, coronel Alberto Luiz, ponderou que não há intenção de culpar os soldados e oficiais que estavam cumprindo ordens superiores. O que houve, para ele, foi descumprimento de direitos e falta de sensibilidade.
Por fim, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wagner Dias Ferreira, pediu que o governo apure os fatos ocorridos. Ele alertou que é preciso sempre estar atento aos riscos de redução de direitos e violação de cláusulas constitucionais.
Parlamentares querem saber de quem foi a ordem para reprimir
Alguns deputados consideraram que as respostas dadas na reunião não foram satisfatórias - Foto: Guilherme Bergamini
O vice-presidente da Comissão de Segurança Pública, deputado João Leite (PSDB), lamentou a agressão aos membros das associações de classe e ao deputado Sargento Rodrigues, que, segundo ele, representam centenas de milhares de pessoas. Para João Leite, não foi dada pelo Estado uma resposta sobre quem ordenou que o acesso à cerimônia fosse impedido. “Pessoas que defendem uma categoria foram feridas pelos próprios representados. É preciso que o governo nos dê uma reposta adequada quanto a essa violação de direitos”, pediu.
O deputado Gustavo Corrêa (DEM) também avalia que a resposta sobre quem deu o comando para que o parlamentar e as entidades fossem barradas não foi dada. Em sua fala, discordou que o problema tenha sido só a falta de credenciamento. “O acesso foi definido por afinidade com o Governo do Estado. Ao longo da história, o espaço para manifestação sempre foi garantido no evento de 21 de abril, em Ouro Preto”, defendeu.
O deputado Cabo Júlio (PMDB) classificou a situação como "lamentável", uma vez que seriam colegas combatendo colegas. O parlamentar destacou que esse tipo de impedimento sempre aconteceu, mas que, na sua opinião, o mais grave teria sido o tratamento diferenciado dado a outras entidades de classe. “Faltou organização para dar espaço para os manifestantes. Os deputados são fiscais do Poder Executivo, portanto não podem ser barrados nunca”, disse, ao solidarizar-se com o presidente da comissão.
O deputado Sargento Rodrigues apresentou um vídeo sobre o incidente, que comprovaria que membros da CUT e do MST entraram livremente no evento, enquanto ao deputado e aos representantes de classe teria sido proibido o acesso. Para ele, houve violação do direito de ir e vir, que está na Constituição da República. Também lamentou o fato de o comando da PM saber que as entidades de classe iriam ao local e, ainda assim, terem impedido o acesso à praça. “Não tivemos os esclarecimentos devidos. Continuo sem saber de onde veio a ordem”, cobrou.
Contraponto – O líder de Governo na ALMG, deputado Durval Ângelo (PT), questionou a versão do presidente da comissão, ao alegar que o colega teria insuflado e insultado os policiais militares na ocasião. De acordo com ele, em anos anteriores, sempre teria havido orientações de segurança desta natureza e, contudo, nenhum parlamentar teria cometido agressões como esta.
“Em governos passados, a proibição de manifestantes era comum. Os membros do MST e da CUT foram credenciados para participar do evento”, alegou. Durval Ângelo acusou, ainda, o deputado Sargento Rodrigues de sensacionalismo. “Violação maior foi a da regra estabelecida, que reduz a legitimidade dos militares”, finalizou.
Requerimento - Na mesma reunião, foi aprovado requerimento, do deputado Wander Borges (PSB), para a realização de audiência pública sobre o aumento da violência na região de Campo das Vertentes.
Mulher militar pode ter tempo de serviço reduzido
1 de Junho de 2016, 6:58Com parecer favorável da Comissão de Administração Pública, matéria ainda passará pela FFO antes de ir a Plenário.
A Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou, nesta terça-feira (31/5/16), parecer de 1º turno pela aprovação, na forma original, do Projeto de Lei Complementar (PLC) 15/15. A proposição busca reduzir o tempo de efetivo serviço militar das mulheres para 15 anos, desde que comprovados 25 anos de contribuição previdenciária. Para isso, altera a Lei 5.301, de 1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado.
De autoria do deputado Sargento Rodrigues (PDT), o PLC deve seguir agora para a Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), antes de ir para o Plenário. A matéria busca adequar a legislação estadual à Lei Complementar Federal 144, de 2014.
Essa lei garante às policiais o direito de requerer sua aposentadoria ou transferência para a reserva remunerada após 25 anos de contribuição, com proventos integrais, desde que se contem, pelo menos, 15 anos de efetivo serviço militar. Já a lei estadual, em seu artigo 136, prevê a necessidade de efetivo serviço militar por 25 anos de contribuição previdenciária para a policial ter acesso à aposentadoria.
Conforme destacou o relator da matéria, deputado Cabo Júlio (PMDB), baseado no parecer emitido pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), “a realidade mostra que as condições de fato das mulheres na sociedade não são as mesmas dos homens”.
“Ainda que a Constituição afirme que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, sabe-se que as mulheres possuem condições biológicas e experiências sociais que influenciam em suas vidas de forma diversa da experimentada pelos homens”, acrescenta o parecer.
O parecer prossegue, invocando o princípio constitucional da igualdade e apontando a necessidade de corrigir essa distorção. Conclui afirmando que “a proposição é meritória e útil, porque contribui para a redução das desigualdades de gênero mediante a concessão de aposentadoria especial às mulheres militares do Estado”.
Requerimento - Na mesma reunião, foi aprovado requerimento do deputado Sargento Rodrigues (PDT) propondo que sejam convocados os diretores de Recursos Humanos da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais para prestar esclarecimentos, com fundamentação legal, em audiência pública, sobre o motivo do pagamento de diárias aos comandantes-gerais das duas corporação e o não pagamento aos policiais e bombeiros militares.
A proposição foi aprovada com a emenda nº 1, do deputado Paulo Guedes (PT), que substituiu a palavra convocação por convite.
O CRIME DE ESTUPRO NA LEGISLAÇÃO PENAL
1 de Junho de 2016, 6:45
Estupro (CP, art. 213) Redação anterior - Caput Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena Reclusão de (04) quatro a (10) dez anos.
Redação atual - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1° Revogado pela Lei 9.281/96. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. Pena Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 2° Se da conduta resulta morte: Pena Reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
1. Conduta e modalidades
Estupro (CP, art. 213) Redação anterior - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Pena Reclusão de (04) quatro a (10) dez anos.
Redação atual Caput - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1° Revogado pela Lei 9.281/96. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos. Pena Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 2° Se da conduta resulta morte: Pena Reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
1. Conduta e modalidades
Condutas: o crime de estupro constitui-se mediante a junção de duas ações – constrangimento ilegal, realizado por meio de violência ou de grave ameaça; e o ato libidinoso, que inclui a conjunção carnal (penetração da vagina pelo pênis), outras formas de conjunções (penetração peniana na boca ou no ânus) ou mesmo quaisquer outros atos realizados com a finalidade de satisfazer a libido (como o beijo lascivo e o toque nas áreas genitais).
Para a caracterização do ato como libidinoso, é indispensável o contato físico do agente com a vítima. Caso contrário, não há crime contra a liberdade sexual, mas apenas a contravenção de importunação ofensiva ao pudor (Decreto-Lei n° 3.688, de 1941), que exige, para a adequação típica, a realização da conduta em local público ou acessível ao público.
Nesse sentido, a vítima do estupro pode ser obrigada a:
a) ter conjunção carnal: pode incluir tanto o homem, obrigado a realizar a penetração, quanto a mulher, obrigada a suportar a penetração;
b) praticar outra espécie de ato libidinoso: a vítima é obrigada a agir libidinosamente com outra pessoa (por exemplo, realizando penetração anal) ou consigo mesma (por exemplo, masturbando-se);
c) permitir que com ela se pratique outra espécie de ato libidinoso: a vítima é obrigada a suportar a ação libidinosa de outra pessoa (por exemplo, submetendo-se à penetração anal).
O crime de estupro é previsto nas seguintes formas: a) simples: descrito no caput, com pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos;
b) com aumento de pena: previsto no art. 226, com acréscimo de 1/4 (um quarto) ou da 1/2 (metade) da pena;
c) qualificada: previsto nos §§ 1º e 2° do art. 213.
Tipos qualificados: os parágrafos do art. 213 preveem que o estupro pode ser qualificado em razão da vítima ou do resultado.
No primeiro caso, a pena é de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos, se a vítima é maior de 14 e menor de 18 anos. Se a vítima for menor de 14 anos, o crime é de estupro de vulnerável (art. 217-A).
O estupro é qualificado pelos seguintes resultados: a) lesão corporal de natureza grave: pena de reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos;
b) morte: pena de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A respeito desses resultados qualificadores, é preciso ressaltar que: a previsão anterior constava do art. 223, que foi revogado pela Lei n° 12.015, de 2009; eles podem ser causados dolosa ou culposamente pelo agente; a lesão corporal leve é absorvida pelo crime de estupro; finalmente, a lesão ou a morte podem ser causadas pela violência necessária à submissão da vítima à vontade do agente ou pela violência realizada durante o próprio ato sexual, quando a vítima já foi ou está sendo submetida.
Causas de aumento pena: o art. 9° da Lei de Crimes Hediondos (Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990) dispõe que “as penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal”.
Nesse sentido, a pena do crime de estupro seria acrescida da metade se a vítima estivesse em alguma das situações previstas no art. 224 do CP, isto é, se fosse menor de 14 (catorze) anos, alienada ou débil mental ou não pudesse oferecer resistência. Esse artigo, porém, foi revogado pela Lei 12.105, de 2009, extinguindo essa causa de aumento de pena. Nesse ponto, a referida lei consistiu em norma penal mais benéfica (reformatio in melius), que, nos termos do art. 1° do CP, deve retroagir, alcançando crimes praticados antes da sua entrada em vigor.
1 HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE [14] QUATORZE ANOS. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. DESCARACTERIZAÇÃO. PRESENÇA DE ELEMENTOS QUE APONTAM VIOLÊNCIA REAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 12.015/09. CONDUTA DO AGENTE QUE SE AMOLDA AO TIPO PENAL PREVISTO NO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DISPOSITIVO QUE IMPÕE SANÇÃO MENOS SEVERA. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. REVOGAÇÃO DO ART. 224 DA LEI PENAL E AFASTAMENTO DA MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. (...) 5. Com a revogação do art. 224 do CP, cai por terra a causa de aumento prevista no art. 9º da Lei nº 8.072/90 (doutrina e jurisprudência). 6. Em compasso com o postulado da retroatividade da norma mais benéfica, para os crimes cometidos antes da vigência da Lei nº 12.015/09, é possível a exclusão da majorante ventilada no art. 9º da Lei nº 8.072/90, com a imposição da reprimenda veiculada no art. 217-A do Código Penal, pois tal dispositivo traz, no ponto, reprimenda menos severa. (...) 10. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício para, excluindo da condenação a majorante prevista no art. 9º da Lei nº 8.072/90, reduzir a pena recaída sobre o paciente de 18 (dezoito) anos e 9 (nove) meses de reclusão para 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mantido o regime inicial fechado. (STJ, HC 92723 / SP, julgado em 02/08/2011)
Continuam em vigor, porém, a causas de aumento de pena previstas no art. 226 do CP, aplicáveis a todos os crimes contra a liberdade sexual e aos crimes sexuais contra vulneráveis.
2. Generalidades Sujeitos ativos: em razão da fusão típica já referida, qualquer pessoa pode ser agente do crime de estupro, inclusive a mulher, que pode executar o constrangimento ou o ato libidinoso.
O concurso de agentes é possível, seja por execução simultânea (dois ou mais agentes realizam o constrangimento e o ato libidinoso), seja por execução fracionada (um agente realiza o constrangimento – por exemplo, apontando a arma à vítima – para que o outro possa realizar o ato libidinoso).
Quando houver vários agentes praticando diversos atos libidinosos contra a mesma vítima no mesmo contexto, constitui-se apenas um crime de estupro. Podem ainda cometer estupro o marido, contra a esposa, e o cliente, contra a prostituta.
Sujeitos passivos: o crime de estupro pode ser cometido contra qualquer pessoa, uma vez que o art. 213 refere-se simplesmente a “alguém”. Com a fusão dos tipos penais do estupro e do atentado violento ao pudor, a vítima deixou de ser apenas a mulher, sendo possível incluir-se como sujeito passivo pessoa de qualquer sexo (masculino ou feminino) ou mesmo aqueles que apresentem ambiguidade sexual, como os hermafroditas e os transgêneros.
Objetos material e jurídico: o objeto material é o corpo da vítima, enquanto que o objeto jurídico é a liberdade sexual. Nos tipos qualificados, protege-se também a vida e a integridade física. O crime de estupro recebe a seguinte classificação:
a) comum: pode ser realizados por qualquer pessoa;
b) de dano: consuma-se com a lesão ao bem jurídico protegido (liberdade sexual);
c) material: a realização do ato libidinoso tem, invariavelmente, consequências de ordem psíquica, e, em boa parte dos casos, de ordem física (lesão corporal ou morte);
d) de ação livre: pode ser praticado por meio de qualquer ato libidinoso;
e) instantâneo: consuma-se em um momento determinado, aquele em que a vítima começa a praticar ou a permitir que nela se pratique ato libidinoso.
O constrangimento é apenas fase de execução do crime – se, depois, não houver o ato libidinoso, é caso de crime tentado ou de desistência voluntária;
f) de concurso eventual: pode ser realizado por um ou mais agentes;
g) comissivo: todos os verbos típicos indicam ação; excepcionalmente pode ser comissivo por omissão;
h) plurissubsistente: em regra, a conduta é integrada por vários atos;
i) crime hediondo, nos termos do art. 1°, V, da Lei n° 8.072, de 1990.
Há tempos, a jurisprudência dos tribunais superiores firmou-se nos sentido de que o estupro é crime hediondo seja na forma simples seja na forma qualificada.
2 HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIME HEDIONDO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 9º DA LEI N.º 8.072/90. INAPLICABILIDADE. BIS IN IDEM. REGIME INTEGRAL FECHADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.
Continuidade delitiva: antes de entrar em vigor a Lei n° 12.015, de 2009, a jurisprudência majoritária considerava que não era possível a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, uma vez que constituíam crimes de espécies diversas, ou seja, previstos em tipos fundamentais diversos (respectivamente, arts. 213 e 214), sendo que o art. 71 do CP determina haver crime continuado “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie”.
Com a junção dos dois tipos penais no art. 213, passou a ser possível a continuidade delitiva entre diversas condutas que envolvam, alternadamente, conjunção carnal e outros atos libidinosos. Nesse ponto, a referida lei realizou reformatio in melius, devendo, portanto, retroagir e alcançar crimes praticados antes da sua entrada em vigor.
Caso a sentença já tenha transitado em julgado, o juiz das execuções penais deve recalcular a pena, transformando o concurso material (entre estupro e atentado violento ao pudor) em crime continuado (diversos estupros cometidos nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução).
3 Exame de corpo de delito: o art. 158 do Código de Processo Penal determina que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. O exame corpo de delito direto, também chamado de exame stricto sensu ou próprio, é a perícia realizada sobre os vestígios materiais do crime. Caso não existam mais esses vestígios, deve ser feito o exame de corpo de delito indireto, também chamado de exame lato sensu ou impróprio, que consiste no depoimento de testemunhas (CPP, art. 167). A inexistência ou o desaparecimento dos vestígios materiais não impede a condenação do réu pelo crime de estupro.
1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, na esteira do julgamento proferido pela Suprema Corte no HC n.º 81.288/SC, firmou entendimento no sentido de que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor estão inseridos no rol dos crimes considerados hediondos, mesmo quando praticados nas suas formas simples. Precedentes. (...) 4. Ordem parcialmente concedida para, afastando a incidência da causa de aumento prevista no art. 9º da Lei nº 8.072/90, reduzir a pena definitiva do Paciente para 7 (sete) anos de reclusão. Habeas corpus concedido, de ofício, a fim de alterar o regime de cumprimento de pena para o inicialmente fechado.
(STJ, HC 188432 / RJ, julgado em 27/09/2011). 3 HABEAS CORPUS. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONCURSO MATERIAL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALTERAÇÃO DOS ARTS. 213 E 214 DO CÓDIGO PENAL, NOS TERMOS DA LEI 12.015/2009. REITERAÇÃO DE PEDIDO JÁ DENEGADO PELA PRIMEIRA TURMA DO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. SÚMULA 611/STF. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A decisão impugnada deu pela ocorrência de concurso material entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ e do STF. 2. Na concreta situação dos autos, o impetrante reitera o pedido de reconhecimento da continuidade entre os delitos pelos quais se acha definitivamente condenado. Pedido já rechaçado pela Primeira Turma deste STF, no julgamento do HC 93.981, também de minha relatoria. 3. Sucede que, após o julgamento, a Lei 12.015/2009, editada em 07 de agosto de 2009, alterou substancialmente a disciplina dos crimes pelos quais o acionante foi condenado (arts. 213 e 214 do Código Penal). Alteração que fez cessar o óbice ao reconhecimento da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, cometidos antes da vigência da Lei 12.015/2009. Precedentes. 4. Habeas corpus não conhecido, mas deferido de ofício para determinar ao Juiz das Execuções Penais que proceda, nos termos da Súmula 611 deste Supremo Tribunal Federal, à “aplicação de lei mais benigna”. Juízo que há de observar, pena de reformatio in pejus, os limites fixados no Agravo de Execução nº 70006882997/TJ/RS. (STF, HC 99544 / RS, julgado em 26/10/2010).
4 “Esta Corte de Justiça possui entendimento no sentido de que a ausência de exame de corpo de delito nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor não enseja nulidade do processo, se existirem nos autos outros elementos aptos a comprovar a materialidade e autoria do crime.” (STJ, HC 156822 / AL, julgado em 04/10/2011).
Fonte: Direito penal Comtenporâneo.
Jesus: modelo e guia de todos nós
31 de Maio de 2016, 8:21Bom-dia! queridos irmãos.
Jesus é o modelo. No evangelho de João, na ceia com os amigos, Jesus revela um ensinamento novo, reinterpretando o “amai-vos”. No ensinamento antigo, ama-se como a si mesmo, com toda a fragilidade da perspectiva do amor imperfeito de cada um. No ensinamento novo, a perspectiva muda radicalmente; não se trata mais da imperfeita afeição; agora o modelo, a perspectiva, a relatividade é perfectível: “amai-vos como eu vos amei”. O modelo é Jesus.
Se Jesus propõe ser possível tomá-lo por modelo, é que sua exemplificação é passível de ser imitada. De fato, ainda estamos longe de poder imitar suas curas, embora possamos, em escala diminuta, realizar algumas curas. Mas não é para isso que a maioria de nós recebeu a oportunidade da reencarnação. Nosso testemunho é essencialmente moral.
Embora Jesus, em essência, não seja um simples homem, ele se comportou como um, excetuando-se os chamados milagres. Como diz Paulo, que entreviu o Jesus “divino”, Jesus se fez homem, deixando de lado seus atributos de Espírito puro, semelhante a qualquer homem, exceto pela imperfeição.
Como modelo, Jesus segue em frente como verdadeiro mestre. De fato, em sua época, o mestre seguia pelo caminho moldando suas atitudes de forma a exemplificar seu ensinamento; um ensinamento eminentemente prático. E seus discípulos seguiam-no, ou iam após ele, buscando imitar sua exemplificação. Daí o convite de Jesus para seguirmos após ele, negando nossos desejos inferiores, responsabilizando-nos pelos nossos deveres, e suportando com paciência e resignação as provações e expiações.
Jesus não era um ególatra com desejo de ser reverenciado e adorado pelos homens; não queria habitar nos altares de ouro e pedra; não queria ser visto como rei, ou como general de legiões de anjos, ou figurar como o Filho da Trindade. Se tinha uma ambição, esta era o desejo de nos fazer pessoas que amam; simples assim. Os evangelhos mostram-nos o exemplo de Jesus em consonância com seus ensinamentos; o bom pastor apascenta seu rebanho com carinho, com caridade.
A palavra caritas tem como raiz carus, que significa: a coisa mais importante, a afeição, o carinho. Portanto, o significado de caridade é eminentemente moral. Paulo elenca todas as nuances do termo; e radicaliza sua independência em relação à beneficência, considerando que, mesmo que distribuíssemos todos os bens aos pobres, se não tivéssemos caridade, isso de nada nos adiantaria. A palavra caridade traduz o termo grego agape, que é uma das palavras que significam amor em grego; e o amor cobre uma multidão de pecados.
Muitas vezes disse Jesus: a tua fé te curou. E disse também: teus pecados estão perdoados. Numa passagem bastante conhecida, na chamada unção de Betânia, após lavar os pés de Jesus com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos, após beijar seus pés e ungi-los com perfume raro, Jesus disse que os pecados daquela mulher estavam perdoados, porque ela amou muito; e depois disse a ela: Vai em paz, a tua fé te salvou. Jesus nos diz, então, que, em certas ocasiões, amor e fé são sinônimos. Por isso Paulo afirma que a fé se realiza no amor.
A chamada boa nova era a notícia que um arauto trazia a respeito da visita iminente do Rei a esta parte. Se Jesus aceita ser identificado como rei, foi simplesmente por ser o Cristo, segundo as escrituras, uma majestade terrestre, e porque era, humildemente, o representante do Reino de Deus na Terra, segundo o imaginário judaico. O arauto da boa nova do Cristo foi João Batista que fazia um batismo de conversão, ou arrependimento, e se concretizava com frutos de conversão e de arrependimento, mostrando que é necessária a mudança radical de comportamento pela adesão ao amor do Pai.
Jesus faz do serviço o modelo da sublimação. Não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida pela redenção de muitos. Mas a salvação que vem do sacrifício, seja bem entendido, não é uma ação mecânica ou miraculosa que se basta na adesão do crente ao mistério da encarnação, ou ao reconhecimento de que Jesus é o Senhor ressuscitado da morte. Não basta crer, é preciso aderir ao projeto do evangelho, que é servir sem esperar nada em troca; servir desinteressadamente.
A fé é fundamental, mas a fé frutifica no amor. O sacrifício de Jesus produz a salvação porque engaja o discípulo a seguir seu exemplo: sacrificar os desejos egoístas e servir ao próximo. O amor, que parece tão distante de nossas imperfeições, pode manifestar-se hoje pelo ato da compreensão, da indulgência, do perdão, da benevolência, e da afeição.
Editorial-O Consolador
Penitenciárias brasileiras: “Se o judiciário trabalhasse de acordo com a lei, não teria esse grande número de encarceramentos”.
31 de Maio de 2016, 7:48Entrevista especial com Valdir João Silveira
“Embora já tenhamos alertado que esse mal se repete, o número de pessoas presas em situação de encarceramento tem aumentado cada vez mais no Brasil”, denuncia o coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Foto: Agnência Brasil / Pastoral Carcerária |
Entre os principais problemas dos presídios brasileiros hoje, destaca-se a “escassez de defensoria pública”, diz Valdir João Silveira à IHU On-Line, ao comentar a situação carcerária no país, após a visita realizada em cinco unidades penitenciárias em Alagoas. Segundo ele, a principal razão dessa situação é o judiciário brasileiro, “que não cumpre a lei em relação ao serviço de defensoria pública”.
Ele informa que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, aproximadamente 41% dos presos brasileiros estão em estado “provisório” e poderiam ser libertados caso o acesso à defensoria pública fosse maior. Em alguns estados, pontua, “esse número chega a 76% de presos provisórios, como no Piauí, no Amazonas e em Sergipe”.
“Algumas pesquisas já demonstram que dessa população que aguarda julgamento, 37%, quando julgados, são considerados inocentes ou já cumpriram todo o tempo da condenação neste período em que ficaram presos. Portanto, se o judiciário trabalhasse de acordo com a lei, não teríamos esse grande número de encarceramentos”, critica.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Silveirainforma ainda que o percentual de mulheres presas tem aumentado no país e “90% delas são mães”. De acordo com ele, atualmente, algumas iniciativas estão sendo desenvolvidas para “desacelerar a entrada de presos no sistema carcerário”. A audiência de custódia, que permite ao acusado ser ouvido por um juiz em 24 horas após a prisão em flagrante, é um instrumento que tem sido eficaz. “Essa prática, em São Paulo, desacelerou a entrada de presos no sistema carcerário. Em 2015, com a audiência de custódia, o ingresso de presos ficou em torno de 3.300 por mês – esse número era muito maior em anos anteriores”, pontua.
Na avaliação dele, o Brasil precisa revisar rapidamente suas leis para “diminuir o número de presos”, já que o país ocupa o terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem no mundo. Entre as propostas, Silveira defende adescriminalização das drogas, porque este, afirma, é um problema de saúde pública. “Com o encarceramento de usuários de drogas, o Estado não está garantindo o tratamento deles; ao contrário, está fazendo com que essas pessoas possam ter acesso à droga o tempo todo”. A alternativa, sugere, é tratar os dependentes químicos, e não encarcerá-los.
Padre Valdir João Silveira é graduado em Filosofia e Teologia e em Formação Humana e Teologia pela Universidade Católica do Paraná, é mestre em Teologia Moral pelo Instituto Alfonsianum e em Melhoria na Gestão Penitenciária para a Incorporação dos Diretos Humanos pela escola Kings College London – International Centre for Prison Studies. Atualmente é coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Confira a entrevista.
Foto: Pastoral Carcerária |
IHU On-Line – Recentemente o senhor visitou cinco unidades prisionais em Alagoas. O que elas demonstram sobre a atual situação carcerária no país?
Valdir João Silveira – Eu e Dom Otacílio Luziano da Silva, bispo de Catanduva - SP, que é assessor da Pastoral Carcerária, visitamos cinco unidades prisionais, entre elas oCadeião, que é o local para onde os presos são encaminhados enquanto aguardam julgamento. Depois, ainda vistamos o presídio feminino e outros presídios masculinos. Uma coisa que nos chamou a atenção ao conversar com os presos é a escassez de defensoria públicanos presídios.
Encontramos pessoas que estão nesses presídios há um ano e ainda não tiveram a primeira audiência com o defensor público e nem sequer tiveram contato com o juiz. Conversei e analisei a pasta de duas presas que estão no presídio há mais de seis meses. Elas são catadoras de papel e um dia encontraram um par de tênis na rua e o levaram para a sede de trabalho delas, mas acabaram sendo presas. Outro rapaz está preso há oito meses porque furtou refrigerantes e também está esperando a audiência com o defensor público para poder pedir a defesa dele.
Na Unidade do Cadeião, os presos ficam até seis meses fechados sem banho de sol, ou seja, ficam seis meses encarcerados, sem poder sair da cela. Depois dessas visitas, a Pastoral faz um relatório e o encaminha tanto para a Justiça local como para a nacional, para que tomem as providências necessárias. Embora já tenhamos alertado que esse mal se repete, o número de pessoas presas em situação de encarceramento tem aumentado cada vez mais no Brasil.
IHU On-Line - Qual é a dificuldade em garantir e ampliar a atuação da defensoria pública nos presídios?
Valdir João Silveira – Em primeiro lugar, um dos problemas é que existem pouquíssimos defensores públicos, sendo alguns até mal preparados. Mas temos de lembrar que a defensoria pública foi criada especialmente para defender a camada mais vulnerável da sociedade. Só que muitos defensores entram no Ministério Público - MP como se estivessem entrando na magistratura, sem o compromisso de atuar conforme a defensoria pública exige.
Em segundo lugar, muitos profissionais ingressam na defensoria pública para fazer carreira com o intuito de buscar um cargo em outros órgãos do judiciário e, portanto, não têm aquele compromisso através do qual foi criada a defensoria. Desse modo, não lutam nem sequer pela expansão da defensoria pública e tampouco travam uma luta com a sociedade civil para que se aumente o número de defensorias públicas.
Então, há um grande desequilíbrio entre o número de promotores que acusam os presos e aqueles que atuam na defensoria pública. Portanto, trata-se de uma questão de políticas estaduais, que priorizam os órgãos que prendem e condenam mais, e não aqueles que estão junto à população mais carente.
"Há um grande desequilíbrio entre o número de promotores que acusam os presos e aqueles que atuam na defensoria pública" |
IHU On-Line - A Pastoral carcerária tem defendido a descriminalização das drogas, alegando que a criminalização tem gerado um encarceramento em massa. Que mudanças vislumbra caso essa posição seja adotada? A maioria das pessoas presas teve envolvimento com drogas?
Valdir João Silveira – Quando discutimos a criminalização das drogas, temos que buscar as fontes dessa lei. Foi nosEstados Unidos que essa discussão começou, ainda no século passado. Como o país tinha minorias chamadas indesejáveis — os mexicanos que usavam maconha, os chineses que usavam ácido e os negros africanos que usavam cocaína —, para combatê-las diretamente, criaram-se leis de combate às drogas, a fim de colocar essas minorias pobres dentro dos presídios e tirá-las das cidades.
O Brasil, como sempre, copiou os Estados Unidos e optou pelo mesmo caminho. Atualmente, a perseguição norte-americana é contra o terrorismo. No entanto, no ano passado, quando um menino matou vários adolescentes numa escola, o presidente Obama solicitou um estudo para identificar o número de mortes em decorrência de armas de fogo e, de acordo com o resultado, há mil vezes mais mortes por armas de fogo dentro do país do que por causa do terrorismo. Mas como nos Estados Unidos as armas sustentam um comércio muito lucrativo, não existe lei que proíba o porte de armas.
No Brasil, o histórico de punição foi formulado com base no passado: era preciso combater o inimigo, que era o comunista. Depois, mudou-se o enfoque para a questão das drogas, com foco nas camadas mais pobres da sociedade. Entretanto, se a lei é de combate às drogas, vamos combater quem consome mais. Mas onde vamos encontrar essas pessoas? Certamente nos condomínios fechados, no meio universitário, nas faculdades do Brasil todo. Mas esta população pertence a uma classe econômica mais elevada, então não é alvo de punição. Os alvos são sempre os pequenos usuários das favelas e das ruas – o povo chamado “indesejado”.
Outro fator que contribui para a criminalização das drogas é o interesse da indústria farmacêutica, que produz drogas e lucra com elas. No Brasil, por exemplo, quem mais lucrou foram os bancos, mas o lucro das drogas supera o lucro de todos os bancos juntos. Portanto, além do fator político, tem o fator econômico, pois a indústria das drogas lícitas quer captar as drogas ilícitas para ter o poder do lucro em suas mãos. As drogas lícitas, no Brasil, matam tanto quanto as drogas ilícitas. Por exemplo, tomar cachaça e dirigir produz muitas mortes e acidentes no país, mas essas drogas não são tão perseguidas porque são consideradas lícitas.
Outro fator que contribui para a criminalização das drogas é o interesse da indústria farmacêutica, que produz drogas e lucra com elas. No Brasil, por exemplo, quem mais lucrou foram os bancos, mas o lucro das drogas supera o lucro de todos os bancos juntos. Portanto, além do fator político, tem o fator econômico, pois a indústria das drogas lícitas quer captar as drogas ilícitas para ter o poder do lucro em suas mãos. As drogas lícitas, no Brasil, matam tanto quanto as drogas ilícitas. Por exemplo, tomar cachaça e dirigir produz muitas mortes e acidentes no país, mas essas drogas não são tão perseguidas porque são consideradas lícitas.
Sobre o perfil dos presos e das presas, o que mais tem crescido no Brasil, sem dúvida nenhuma, é o percentual demulheres presas, sendo que 90% delas são mães. Em geral, todos têm o mesmo perfil: são pessoas que moram na periferia, pobres, com ensino fundamental incompleto e, em geral, jovens.
IHU On-Line – Apesar dos problemas que o senhor aponta, algum tipo de ação está sendo feita pelo poder público para reverter esse quadro de encarceramentos? Além de ampliar o serviço da defensoria pública e descriminalizar as drogas, o que teria um efeito mais efetivo?
Valdir João Silveira – Iniciou-se no Brasil a audiência de custódia, mas este processo ainda está na fase inicial em alguns estados. Em São Paulo, essa prática desacelerou a entrada de presos no sistema carcerário. Em 2015, com a audiência de custódia, o ingresso de presos ficou em torno de 3.300 por mês — esse número era muito maior em anos anteriores.
Mudar algumas leis é fundamental para diminuir o número de presos no país. O Brasil está em terceiro lugar entre os países que mais prendem no mundo, ultrapassando inclusive a Rússia, quem tem diminuído a sua população carcerária nos últimos anos, assim como os Estados Unidos e a China. O Brasil, ao contrário, tem aumentado enormemente o encarceramento.
Além disso, o Estado tem de dar mais apoio à infância e à juventude, possibilitando a criação de escolas com melhor qualidade de ensino, oferecendo cursos profissionalizantes nessas escolas. Isso é fundamental para reduzir a entrada de pessoas de baixa renda no sistema prisional.
O judiciário brasileiro, que não cumpre a lei em relação ao serviço de defensoria pública, deve cumpri-la, porque de toda a população carcerária existente hoje, 41% são presos provisórios, segundo dados do próprio Ministério da Justiça, levantados pelo CNJ. Em alguns estados brasileiros, esse número chega a 76% de presos provisórios, como no Piauí, no Amazonas e em Sergipe. Ou seja, os presos ficam aguardando uma audiência por um longo período. Algumas pesquisas já demonstram que dessa população que aguarda julgamento, 37%, quando julgados, são considerados inocentes ou já cumpriram todo o tempo da condenação neste período em que ficaram presos. Portanto, se o judiciário trabalhasse de acordo com a lei, não teríamos esse grande número de encarceramentos.
Outro ponto importante é que as pessoas condenadas ao regime semiaberto deveriam aguardar o julgamento em prisão domiciliar, dado que não há vagas nos presídios. Mas o judiciário não olha para isso e o STF [Supremo Tribunal Federal], que deveria julgar uma súmula vinculante há cinco anos sobre essa questão, não o faz. Então, o judiciário é o responsável pelo acúmulo de pessoas presas, inocentes, que estão aguardando julgamento.
É importante lembrar que somos absolutamente contra os presídios por conta das irregularidades que ocorrem nesses espaços. Também somos contrários à construção de mais presídios, porque quanto mais presídios forem construídos, mais presos serão encarcerados, dado que o encarceramento em massa tem servido para levantar a questão das privatizações do sistema prisional.
O estado de Minas Gerais é um exemplo de como a terceirização nos presídios ocorre, seja por ONGs, seja por empresas. Quando analisamos o encarceramento por estado, que é em média de 70%, segundo o Mapa do Encarceramento, observamos também que a média de encarceramentos em Minas Gerais é de 620%, ou seja, esse é o estado em que mais ONGs e empresas atuam nos presídios e, portanto, é o estado onde mais aumentou a reincidência dos presos.
Em seu discurso, o presidente interino, Michel Temer, mencionou a relação do Estado com a iniciativa privada, e isso indica que os presídios serão entregues às empresas, e o preso será cada vez mais moeda de troca e de lucro para osistema privado.
IHU On-Line – Quais são os maiores equívocos cometidos nos presídios brasileiros?
Valdir João Silveira – A pessoa é presa, segundo a lei, para ser reintegrada à sociedade, para se ressocializar, mas se você vai aos presídios, vê que as opções de trabalho são poucas e as condições de saúde são péssimas. Saúdesignifica bem estar físico, mental e social. Mas o presídio vai contra tudo isso: lá se dá a aniquilação da saúde mental, física e social. Então, há uma negação da saúde nos presídios, a qual poderia promover a ressocialização dos presos.
Nós, como cristãos, somos contra os presídios porque Deus é o Deus da libertação e, como princípio social, econômico e político, queremos um sistema prisional diferente, baseado na justiça restaurativa, que é a grande demanda hoje.
O Brasil está muito atrasado neste quesito. A Argentina já está avançando e a Holanda, que adotou a justiça restaurativa, fechou onze presídios em um ano. O que tem de ficar claro é que a justiça penal, nos moldes formulados no Brasil, não resolve a violência; ao contrário, cria um Estado muito mais violento, porque trata sempre com a tortura, a vingança e a punição. Por isso é necessário ter outras alternativas.
O Brasil está muito atrasado neste quesito. A Argentina já está avançando e a Holanda, que adotou a justiça restaurativa, fechou onze presídios em um ano. O que tem de ficar claro é que a justiça penal, nos moldes formulados no Brasil, não resolve a violência; ao contrário, cria um Estado muito mais violento, porque trata sempre com a tortura, a vingança e a punição. Por isso é necessário ter outras alternativas.
IHU On-Line - Como funcionaria a justiça restaurativa na prática?
Valdir João Silveira – As pessoas, ao invés de serem encaminhadas para os presídios, seriam encaminhadas para o Estado cuidar delas como um caso de saúde pública e, com isso, a criminalidade seria reduzida. Basta ver que alguns países, como Portugal, Holanda, que adotaram esse processo, reduziram a criminalidade, e o Estado passou a tomar conta daqueles que são dependentes químicos, por exemplo.
"A justiça penal, nos moldes formulados no Brasil, não resolve a violência; ao contrário, cria um Estado muito mais violento, porque trata sempre com a tortura, a vingança e a punição" |
IHU On-Line - A grande maioria dos crimes está relacionada à dependência química e pode ser tratada como um problema de saúde pública?
Padre Valdir João Silveira – A Justiça tem trabalhado com a punição do usuário de drogas. Para se ter uma ideia, no Brasil apenas 8% dos crimes de assassinato são apurados até o final. Isso mostra que não se dá atenção para esse tipo de crime, mas, ao contrário, se penaliza o usuário de drogas. Quantos crimes de assassinatos são arquivados?
A droga é um problema, é uma doença que causa dependência e danos, mas a forma de lidar com a droga tem de ser outra, e não o encarceramento. Com o encarceramento de usuários de drogas, o Estado não está garantindo o tratamento deles; ao contrário, está fazendo com que essas pessoas possam ter acesso à droga o tempo todo. Isso é uma contradição que faz com que o usuário de droga integre um grupo que comanda uma favela, por exemplo.
Além disso, temos de considerar que o presídio é caro: somente no ano passado foram gastos 12 bilhões no sistema carcerário brasileiro. E qual é o resultado que temos? Menos violência? Pelo contrário, há um aumento da criminalidade e da violência.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Padre Valdir João Silveira – A academia tem uma responsabilidade grande com a possibilidade de mudar a realidade carcerária. A academia tem de ir aos presídios, manter contato com os presos, trazer alternativas para esse tema, já que o sistema prisional está falido.
Peço que os estudantes coloquem os pés no presídio, façam pesquisas nessa área, desenvolvam trabalhos científicos, porque não sabemos exatamente qual é o percentual de reincidência dos presos, uma vez que não existem estudos sobre isso, apenas hipóteses. Os indicativos mostram que a reincidência está aumentando, mas não há nenhum estudo que mostre esses dados a longo prazo.
Por Patricia Fachin
PARA LER MAIS:
Ações pedem reconhecimento de norma do CPP que trata da presunção de inocência
31 de Maio de 2016, 7:25O Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal (STF) Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), com pedido de liminar, visando ao reconhecimento da legitimidade constitucional da nova redação do artigo 283* do Código de Processo Penal (CPP), inserida pela Lei 12.403/2011. Para as entidades, a norma visa condicionar o início do cumprimento da pena de prisão ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Na ADC 43, o PEN sustenta que o dispositivo é uma interpretação possível e razoável do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Já a OAB, na ADC 44, argumenta que a nova redação do dispositivo do CPP buscou harmonizar o direito processual penal ao ordenamento constitucional, espelhando e reforçando o princípio da presunção da inocência.
Em ambos os casos, o pedido de declaração de constitucionalidade do artigo 283 do CPP surgiu da controvérsia instaurada em razão da decisão proferida pelo STF no Habeas Corpus (HC) 126292. Naquele julgamento, por maioria, o Plenário considerou válido o cumprimento da pena de prisão antes do trânsito em julgado da condenação, retomando o entendimento jurisprudencial que prevalecia até 2009.
ADC 43
O PEN sustenta que a reformulação da jurisprudência ocorreu sem que tivesse sido examinado a constitucionalidade do novo teor do artigo 283 do CPP, introduzido em 2011, que estabeleceu a necessidade de trânsito em julgado para se iniciar o cumprimento da pena. O partido argumenta que a decisão é incompatível com a norma do CPP e, por este motivo, para fixar o parâmetro segundo o qual a condenação penal pode ser objeto de execução provisória, o STF teria que ter declarado sua inconstitucionalidade.
Em caráter cautelar, o partido pede que não sejam deflagradas novas execuções provisórias de penas de prisão e que sejam suspensas as que já estiverem em curso. O partido também pede que, até o julgamento da ADC 43, sejam libertadas as pessoas que estão encarceradas sem decisão condenatória transitada em julgado.
Subsidiariamente, caso o primeiro pedido seja indeferido, requer que seja dada interpretação conforme a Constituição ao artigo 283 do CPP para determinar, até o julgamento final da ação, a aplicação das medidas alternativas à prisão previstas no artigo 319 do CPP em substituição ao encarceramento provisório decorrente da condenação em segunda instância.
Ainda subsidiariamente, o partido pede que, se os pedidos cautelares anteriores não forem acolhidos, seja realizada interpretação conforme a Constituição do artigo 637 do CPP, restringindo, enquanto não for julgado o mérito desta ação, a não produção do efeito suspensivo aos recursos extraordinários, e condicionando a aplicação da pena à análise da causa criminal pelo STJ quando houver a interposição do recurso especial.
“Dada a incompatibilidade da decisão tomada em tal julgamento com o disposto expressamente no artigo 283 do CPP – o qual determina a necessidade de trânsito em julgado da condenação para que ocorra o início do cumprimento da pena de prisão –, fica demonstrada a relevância da controvérsia judicial suscitada na presente ação declaratória”, argumenta o PEN.
ADC 44
A OAB alega que a decisão no HC 126292 tem gerado um “caloroso debate doutrinário” e uma grande controvérsia jurisprudencial quanto à relativização do princípio constitucional da presunção de inocência, o que, conforme a entidade, pode ameaçar a segurança jurídica além de restringir a liberdade do direito de ir e vir. Observa que, apesar da decisão do Plenário não ter efeito vinculante, os tribunais de todo país passaram a adotar posicionamento idêntico, “produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”, o que viola a cláusula de reserva de plenário, expressa no artigo 97, da Constituição Federal, e na Súmula Vinculante 10, do STF.
A OAB alega que, como o STF não se pronunciou quanto ao disposto no artigo 283 do CPP, tal omissão leva à conclusão de que o dispositivo permanece válido e, portanto, deve ser aplicado pelos tribunais estaduais e federais. Por isso, pede a concessão da medida cautelar para determinar a suspensão da execução antecipada da pena de todos os casos em que os órgãos fracionários de segunda instância, com base no HC 126292, ignoraram o disposto no artigo 283 do CPP. No mérito, o conselho solicita a procedência da ação para declarar a constitucionalidade do dispositivo em questão, com eficácia erga omnes [para todos] e efeito vinculante.
O relator das ADCs 43 e 44, ministro Marco Aurélio, determinou o apensamento das ações para que o julgamento possa ser realizado em conjunto.
EC,PR/CR
*Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva
Processos relacionados
ADC 43
ADC 44
Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317545&tip=UN
O PODER PARALELO E A VALORAÇÃO DE CONDUTAS: ESTUPRO E CONFIANÇA
31 de Maio de 2016, 7:09Por Iverson Kech Ferreira
As normas dentro dos agrupamentos que se formam à parte de um Estado que tudo controla são tidas como normas apócrifas e se assemelham a um comando dado pelos detentores do poder, dentro de um grupo, que controlam as condutas e decidem quais são violadoras de uma lei moral ou amoral.
Contudo, a definição de moralidades no entendimento dos controladores do grupo sugere a vivência em uma interação simbólica arraigada nos preceitos e preconcepções que estes possuem da realidade.
Adentrar a formação de uma norma de conduta não é tipicamente convencional, uma vez que se deve entender o ser humano vivente em determinado agrupamento como condicionante dessa realização, ou seja, as pessoas ineridas necessitam estar em plena concordância para que a norma moral dentro de pequenas sociedades venha a convencionar o que deve ser caracterizado ou não como crime.
Dessa forma, as condutas se perfazem em apropriadas ou não, tendo uma força ou poder paralelo ao Estado, que não adentra os espaços dessa comunidade. Assim, os controladores dessas áreas, consideradas de risco (uma vez que nem o próprio ente estatal a adentra com intuito de efetivar os direitos coletivos e sociais promulgados na Constituição Nacional, refletidos nos direitos básicos do cidadão), estereotipado por seu local de convivência (favela) e por seu mínimo poder econômico, passam a permutar favores com a população em troca da proteção não cedida pelo Estado.
Entre esses favores prementes há uma virtude que é destacada pela confiança. A moralidade começa quando há uma intimidade no trato do que é comum e naquilo que pertence apenas aos detentores de um poder paralelo ao Estado. O tráfico de drogas diz respeito apenas aos traficantes e aos seus “soldados” escolhidos dentro das comunidades para elevar a comercialização. Todavia, para os demais moradores, ele é apenas conhecido como um conto que todos conhecem, todavia, por questões culturais/medo e de confiança, ninguém ouviu falar ou testemunhou tal opção tida como criminosa pelos controladores do poder. Ainda assim, o tráfico é comum a todos os viventes em tal comunidade, uma vez que todos entendem que o detentor do poder e força dentro das favelas os auxilia monetariamente em troca dessa fidelidade, de uma confiança enraizada.
Na falta de um Estado o poder paralelo se fundiu em meio às cidades que crescem com seu ritmo alucinado e transborda aqueles que não pertencem ao seu desenfreado consumismo para fora de seus círculos. Nesse interim, inúmeras vidas passam a se reconhecer apenas quando em conjunto com os seus, dentro de suas já conhecidas perspectivas, criando e engendrando seus próprios caminhos e sua sorte, paralelo ao Leviatã.
Ao determinar a identidade e aceitá-la frente aos seus, de uma forma precisa, não há necessidade de convivência com o outro, com o morador das cidades e grandes centros. Por um lado, manter o diferente e o bestializado dentro de seu “morro” ou de seu círculo de confiança soa melhor, uma vez que não há interação nem convívio. Por outro lado, perde-se o poder de conhecimento e tolerância, empatia e solidariedade que somente a convivência pode oferecer. Em muitas praias do Rio de Janeiro, um grupo de jovens caminhando lado a lado é significado de arrastão e assaltos, sem nenhuma ressalva ou ressentimento.
Da mesma forma, em alguns shoppings center em Curitiba, jovens de classe baixa reunidos em frente ao estabelecimento ou em seu interior, significa, (hodiernamente!) o terrorismo de uma classe inferior contra o civilizado, contra o que é cultuado, sendo esses os bárbaros que se devem lutar contra antes que destruam nosso modo de vida, assim como intencionado por Roma antiga, contrária a quem não era cidadão romano.
Nesse convívio dentro de sua “horda”, o agrupamento possui seus líderes e são esses que definem, de acordo com sua moral que é tida pelo que conhecem do mundo como construtivo, as normas de condutas e as sanções que não partem do Estado, mas sim, do poder paralelo que controla e domina, sempre prezando os seus interesses, o local.
É nítido que os interesses de cada grupo eleva as questões. Nas favelas o interesse em manter sempre o Estado longe e seu poder muito bem controlado parte do grande traficante aos seus “súditos”, que como em um pequeno burgo seguem a risca as solicitações do grão mestre.
Nos grupos de moradores de rua pode-se notar que a concentração de pessoas em determinado lugar é o que importa, para manter e cultuar o seu local de convivência. Todavia entre elas o essencial é a confiança que se deve ter e que essa virtude, dentro dos padrões morais estipulados pela convivência, seja respeitada. Assim, é imperativo que não haja violação entre as pessoas daquilo que cada um tem como domínio próprio, os itens de uso pessoal bem como, o próprio local que se dorme debaixo da marquise ou em baixo do viaduto. Para que essa convivência seja saudável, condutas inapropriadas são advertidas, muitas vezes de forma violenta, como a exclusão do grupo ou a própria morte.
O estupro ou o roubo e furto enquanto reunidos em grupo é passível das mais duras penas.
Assim também o é dentro das maiores comunidades, como favelas, guetos, bairros tradicionais ou grupos de convivência. Dentro de seus muros físicos ou não, a norma é a conduta tida como aceitável naquilo que os controladores do grupo entendem por moral, sempre dentro de seus próprios interesses.
O estupro dentro das favelas, roubo, furto ou brigas são banidos de forma contundentes e marcantes. É pretensão do controlador do grupo, o grande traficante, marcar como gado aqueles que agiram de forma contrária aos mandamentos do congregado, e, nos casos mais ousados, a morte emblemática vem dentro dos pneus colocados em pilha em cima do morro e depois queimados com a vítima dentro, onde todos possam ver.
O intuito inicial aqui não é a moralidade do traficante quando defende não haver estupro na favela, mas sim, proteger o seu negócio, uma vez que estupro chama a atenção da mídia, das autoridades e por fim, denota a falta de respeito para com o dirigente maior, o traficante. O ato de estuprar nos limites do agrupamento afronta o poder desse controle, que não pode ser tolerado de forma alguma.
Em todos esses grupos que estão à margem do Estado, ou que não recebem os raios emanados pelo ente maior, se faz a presença de um poder paralelo, identificado pelos seus moradores, conhecidos por todos no interior dessas comunidades.
De fato, esse poder transforma a convivência local reiterando não haver empatia entre os dois agrupamentos maiores: os estabelecidos (a sociedade em si defendida pelo Estado) e os Outsiders, por sua vez, os grupos menores como as favelas e guetos, entre outros. Essa afirmação parte do principio de troca onde o dominador cede segurança e outros bens essenciais à vida em comunidade, por um preço banal, e, além dessa contribuição, pela confiança.
Assim, nada emana do Estado e sim do poder paralelo, que controla por baixo dos lençóis toda a comunidade, incentivando os afazeres, habituando o tráfico, auxiliando as famílias carentes e bestializadas, comprando silêncio. O respeito pelo medo é absorvido pelas sanções realizadas naqueles que não cumprem o estabelecido por leis de condutas morais, como o estupro. Sua consequência é a morte, entre todas, a mais dolorosa e emblemática morte, com o intuito de servir de exemplo a todos aqueles conviventes e “seguidores” do mesmo poder.
O poder paralelo é legitimado pela falta do Estado, mas é de fato aceito consuetudinariamente, com o passar dos tempos, a princípio obtendo um efeito de resignação e depois, a aceitação é consequência.
A negação a esse poder somente pode ser efetivada por aqueles que não fazem parte, de nenhuma forma, de suas regalias ou de sua proteção. Ao negar a força do terceiro poder alguém dentro de sua malha, nega também o principio que conceitua as bases de sua formação: a virtude da confiança. Não há mais intimidade ou convicção, então para os controladores do grupo, essa pessoa deve ser também eliminada.
De toda forma, a sobrevivência somente depende da resignação/aceitação e futuramente, da convivência com as pessoas que controlam com todas suas forças o local. Não há liberdades que não sejam carimbadas ou consentidas pelos controladores. Não há regras que possam ser quebradas sem a aquiescência destes “senhores” que dominam as favelas, que possuem a intenção do lucro com o trafico de drogas.
Qualquer atitude tida como desviante dentro desse grupo é punível, dependendo da atitude a morte é a punição certeira, como o crime de estupro.
Analisando as formações de poder e como as normas de condutas se fincam e enraízam sua interpretação na comunhão da população, pode-se notar que o homem é moldado em prol de uma convivência com os seus iguais, quaisquer que sejam eles. A dura realidade da vida em meio ao caos do tráfico, próximo aos traficantes armados e à violência ainda é melhor suportada quando perto de seus iguais, quando em encontro com a sua identidade.
Fonte: http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/o-poder-paralelo-e-a-valoracao-de-condutas-estupro-e-confianca/?
Advogado é acusado de fazer apologia ao crime por citar "juiz maconheiro"
21 de Maio de 2016, 20:33DEFESA DE CLIENTES
Por argumentar em sustentação oral durante um julgamento que o uso de maconha é feito até mesmo por pessoas bem sucedidas, o criminalista Marcelo Feller tornou-se alvo de representação à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo sob acusação de fazer apologia ao crime. Ele defendia dois jovens acusados de tráfico, que, alegando serem apenas usuários de drogas, buscavam um Habeas Corpus na 9ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Desembargador pediu investigação após ouvir menção de uso de droga por juizPara ilustrar sua fala, o criminalista usou nomes fictícios para descrever situações reais, como de um juiz, chamado de Thiago, que fuma maconha em rodas de amigos — e se fosse fotografado passando um baseado para um conhecido, seria tido como traficante. Falou também sobre um professor de Direito, chamado de Roberto, que compra grandes quantidades de maconha para evitar ir à boca de fumo ou transportar a droga muitas vezes. E citou ainda um jornalista, chamado de Denis, que consome diversos tipos de droga e, por isso, tem uma quantidade grande em sua casa.
O desembargador José Orestes de Souza Nery, relator do caso, não gostou das histórias que ouviu. Ele votou por conceder o HC (ficou vencido), mas determinou que a PGJ apure se a argumentação de Feller é apologia ao crime, prevista no artigo 287 do Código Penal, e ordenou também a “identificação e eventual persecução penal das pessoas parcialmente nomeadas, Denis, Roberto e Thiago”. O relator determinou ainda que a Corregedoria Geral de Justiça seja oficiada e tome providências para a “identificação do juiz maconheiro, Thiago, e eventual aplicação das sanções adequadas”.
Usuário x traficante
Trata-se de um caso de dois rapazes que foram encontrados com dois tijolos de maconha, somando quase dois quilos. Quando foram abordados pela polícia, eles disseram que fumam maconha e compram em grande quantidade para evitar idas constantes às bocas de fumo. O próprio Ministério Público do estado, em memorial, afirma que após ouvir as testemunhas e os acusados, não era possível comprovar que a droga era para venda, e pediu a desclassificação do crime de tráfico.
Os desembargadores da 9ª Câmara, no entanto, por dois votos contra um,negaram o Habeas Corpus e mantiveram os réus em prisão preventiva. Segundo o acórdão, a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva estava bem fundamentada e o fato de os pacientes não terem sido encontrados em situação que demonstrasse a prática do tráfico de drogas “não tem o condão de excluir, de plano, a imputação”. O único a votar pela concessão do HC foi o relator do caso, Souza Nery, justamente o que mandou investigar o advogado e os personagens que ele citou em sua sustentação oral.
Tentativa de conciliação
Feller ensaiou um mea culpa em embargos de declaração, mas a estratégia não funcionou. Na peça em que pedia que o voto vencido do desembargador Souza Nery fosse acrescentado ao acórdão da decisão, o criminalista pede desculpas: “é bem verdade que este subscritor acredita que, nem de longe, praticou qualquer crime. Mas ao perceber que pode assim ter sido interpretado e, mais, que foi inconveniente, não há nada a fazer que não pedir sinceras escusas”.
Apontando que buscou simplesmente fazer a defesa de seu cliente, usando nomes fictícios, e que sua fala não foi pública, mas feita da tribuna do advogado na 9ª Câmara, o criminalista faz um apelo para que o exercício de sua profissão não seja criminalizado: “O subscritor é advogado ainda no início da carreira, jovem. Espera-se, ainda tenha muitos anos de profissão pela frente. Que não sejam anos em que atuará, sempre, com a espada sobre seu pescoço, receoso de ser processado por suas defesas”.
A tentativa de conciliação não surtiu efeito. Souza Nery deu razão ao pedidono que diz respeito a acrescentar seu voto no acórdão, mas, quanto à ordem para investigar o advogado e os personagens por ele citados, foi direto: “Os demais argumentos inseridos nos embargos de declaração não têm nenhuma ligação com o propósito de aclaramento que caracteriza o recurso, nem a mim se devem destinar, eis que já esgotada minha jurisdição. Sobre eles, pois, nada mais devo dizer”.
Liberdade de expressão
Procurador pela ConJur, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, encaminhou o caso para a Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas para analisar o possível desrespeito às prerrogativas do advogado. Se ficar constatado que houve desrespeito, a OAB poderá atuar junto ao TJ-SP.
Para o vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Fábio Tofic Simantob, houve claramente um cerceamento da defesa e da própria liberdade de e pensamento. Ressalvando que tem respeito e admiração pelo desembargador Souza Nery, o criminalista é direto: “O advogado, na defesa do seu cliente, não pode ter seu discurso amputado por teias ideológicas. Nenhum tipo de mordaça pode ser colocada na boca do advogado a não ser aquela estabelecida na lei: caso de calúnia”.
Tofic Simantob lembra que a descriminalização das drogas é um dos temas mais importantes da atualidade na Justiça criminal, assim, acusar o advogado que aborda isso de apologia ao crime é impedir o debate sobre o tema.
O próprio Supremo Tribunal Federal já descartou a possibilidade de a discussão sobre a descriminalização da maconha ser apologia, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187, que pedia o reconhecimento da legitimidade das manifestações a favor da descriminalização das drogas.
O ministro Celso de Mello, relator do caso, afirma em seu voto que a defesa pública da legalização é lícita e não implica em uma permissão do uso de drogas. “As ideias podem ser fecundas, libertadoras, subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais”, disse o decano do STF, para quem “o pensamento há de ser livre, sempre livre, permanentemente livre, essencialmente livre”.
Clique aqui para ler o voto de Souza Nery.
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Clique aqui para ler os memoriais do MP.
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Clique aqui para ler a decisão sobre os embargos de declaração.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico
O princípio da adequação social e as minorias
21 de Maio de 2016, 19:51Por Iverson Kech Ferreira
Muito solicitado em concursos e em provas do exame da ordem, o principio da adequação social ganha cada vez mais espaço numa sociedade que se emoldura conforme a passagem dos dias e dos novos personagens que dela fazem parte.
Segundo Welzel, o direito penal deve tipificar apenas condutas que tenham certa relevância social, caso contrário estas condutas não podem ser definidas como delituosas.
Dessa forma, construir uma adequação de algumas praticas socialmente aceitas para que não se constituam em delito, ainda que tipificadas como delituosas em si, é aceitar que existem determinados casos onde o direito entende afrouxar o mecanismo penal que poderia, por lei, agir contrario a esses atos. Aqui a intervenção mínima do direito das penas e de sua força é requisitada, uma vez que certas atitudes são aceitas pelas pessoas que convivem no trato social, em virtude da cultura que atravessa os séculos e se amolda no cotidiano de todos.
Conforme o crescimento populacional e a crescente globalização, o estabelecimento de novas ordens e culturas, mesmo que minorias em uma sociedade, como exemplo, retirantes e imigrantes, pessoas antes viventes em outras paragens agora próximas e construindo seu futuro dentro de uma nova sociedade para elas, trazem consigo a pluralidade de formas de encarar situações ou vivenciar a vida, diferente daqueles que vivem há muito mais tempo nessa mesma sociedade.
Noutro sentido, os novos direitos que se amoldam ás praticas antes tidas como desviantes de certas culturas ou minorias estão cada vez mais inseridos nas práxis da maioria, que os aceitam por intermédio da resignação, a princípio.
Justamente motivado pela evolução social enquanto paradigma de uma mudança refletida lentamente no direito, certos atos passaram a ser considerados atípicos, pois não há que se falar em crime. Ao assistir uma luta de boxe insignificante é a relevância para o direito penal o ato lesivo de um lutador contra seu oponente, da mesma forma, furar a orelha da filha para o uso dos brincos é algo comum, mas ainda assim tipificado no Código Penal, com pena disposta e um processo capaz de interferir, todavia, é aceitável plenamente.
Em outras culturas, inúmeros são os exemplos de fatos aceitos plenamente mas que para outros tantos são abomináveis. Essa diversidade quando se encontra geralmente é pautada pelo choque e pelo receio do estranho, num sentimento de negação. Mulheres que utilizam a burca podem vir a ser estigmatizadas por seu aparato cultural que, ainda que crime nenhum ocorra, a sentença social contraria advêm das origens dessas mulheres. Com o tempo, essa diferença tende a ser minimizada pela convivência e resignação, se amoldando de certo modo á cultura dominante. Quer dizer, em síntese, que a versatilidade pode ser aceita como forma de remodelação da ordem dominante, a longo prazo.
Isto posto, condutas que não interferem no âmbito social mínimo são condicionadas e entendidas pelo sistema penal como insignificantes e ambiguamente, adequadas.
Uma conduta insignificante realizada por alguém do grupo dominante é tida como adequada socialmente enquanto no interior de seu convívio com a maioria. Todavia, muitas vezes, práticas dos estrangeiros em nova terra, mesmo que aceitas tanto em sua cultura quanto da sua nova sociedade, podem ser consideradas como inadequadas, puníveis e culpáveis.
O uso da burca, por exemplo, até que entre no marasmo da convivência e aceitação/resignação, tende a ser vista como comportamento antissocial e até mesmo criminoso, considerando a raiz do costume e a infeliz estigmatização do povo muçulmano nos últimos tempos.
Também, haitianos sentados num banco de uma praça após seu serviço, (geralmente nas novas culturas passam a aceitar trabalhos braçais quais geralmente nunca tiveram contato em seu país de origem, mas que por questão de sobrevivência aqui é necessário que as aceitem) podem estar realizando atividades licitas, aceitas e não tipificadas, mas que dependendo da maneira e da vontade com a qual enxergam os estabelecidos, é típica, ilícita e culpável, como o crime de vadiagem, previsto ainda em nosso ordenamento. ( Art. 59, Lei de Contravenções Penais)
Com o passar dos tempos há a possibilidade de culturalmente atitudes similares passem a ser notadas como normais, todavia até lá, a adequação social em fatos como o descrito pode ser inexistente.
As transformações da sociedade são necessárias e consequência da convivência mútua, sempre em ação e nunca estática. O exemplo do adultério é emblemático quando se enxerga as mudanças sociais de hábitos, quando em outra cultura essa pratica é extremamente aceitável e ainda, solidificador de status e garantia de posição social.
O principio da insignificância enxerga de quatro formas a ação proferida: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ao tratar o grau mínimo de reprovação do comportamento, tal entendimento se apodera de uma pratica comportamental que é desenhada através dos séculos até nossa atualidade, moldando assim o que é correto em coletividade e o que não é. Aqui se trata a liberdade e o seu quinhão que no contrato social cada individuo cede uma quantia, estabelecendo o Estado como o real organizador das soberanias individuais. O aspecto fica claro quando há o choque de duas culturas, num país continente como o Brasil, onde a pratica de um não coincide nem um pouco com a de outrem.
Alie-se isso com o medo do estranho e com a indignação crescente da sociedade com as mazelas do dia a dia, tem-se a dinamite prestes a explodir contra os negligenciados e estereotipados diferentes, de outras culturas, de outras paragens. Assim, as praticas diferentes desses não são aceitas, consideradas então pelo Direito Penal e seus poderes sancionadores e seletivos como os entes a serem combatidos, por exclusão.
Mais uma vez, com o passar dos tempos pode ser que culturalmente exista ainda a resignação, na pior das hipóteses do outro, porem ainda o principio da insignificância, nesses casos, também inexiste.
Ao monopolizar soluções dos dilemas jurídicos, como os expostos novos direitos e minorias, o Estado consiste em formar, de maneira neutra e consciente, uma nova estrutura de aceitação implícita, que se perfaz somente na legitimação e consensualidade das discussões que devem ocorrer em espaços públicos, cedendo total apoio a essas forças emergentes e que clamam por tais direitos. Nesse sentido, é preciso pensar os conceitos de construção democrática e de cidadania na perspectiva de qual sociedade queremos de fato para nós.
A ampla cidadania e soberania das culturas que não ferem a ordem constitucional delimitada devem ser regidas como proteção, para que princípios como os estudados acima venham a ser utilizados em prol dessas minorias, de fato, para a pratica de uma sociedade mais justa e solidária.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 15. Ed. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2010.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Portal jurídico de notícias e artigos voltados à esfera criminal: www.canalcienciascriminais.com.br
STF declara o trânsito em julgado da pena de morte aplicada à Constituição brasileira
21 de Maio de 2016, 9:28A decisão do STF procura colocar a “culpa” na falta de celeridade da Justiça nos advogados que simplesmente usam dos recursos disponíveis na legislação. Ora, o advogado recorre, o Judiciário não julga em tempo, o Ministério Público não cumpre prazos e a culpa é do advogado e do réu?
Em recente decisão (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavaski), o Supremo Tribunal Federal, suposto “Guardião da Constituição”, alterou entendimento daquela própria corte superior sobre a questão do trânsito em julgado de decisões condenatórias criminais sobre as quais pendem recursos na via extraordinária (recursos extraordinário ou especial).
O entendimento anterior, em acordo com a Constituição Federal no que tange ao Devido Processo Legal e seus princípios constituintes, tais como o da Presunção de Inocência, Duplo Grau de Jurisdição, Regra da Liberdade Provisória etc., era o de que, pendente recurso na via extraordinária, não se poderia falar em trânsito em julgado e, portanto, o réu somente ficaria preso, aguardando esses julgamentos, nos casos em que se justificasse a Prisão Preventiva (artigo 312, CPP).
Eis que a Corte Suprema dá uma guinada total no entendimento e passa a afirmar que o Duplo Grau de jurisdição deve ser interpretado ao pé da letra, que a Presunção de Inocência somente tem validade até o julgamento do primeiro recurso na via ordinária e que o trânsito em julgado já ocorre no momento em que essa decisão de segunda instância é proferida.
Como bem afirma Sannini Neto, trata-se de uma decisão “política” (no pior sentido da palavra) do STF, visando posar bem perante a chamada “opinião pública”, [1]esse ente abstrato e amorfo. Deformar a Presunção de Inocência não vai resolver a mora no julgamento dos recursos, não vai agilizar a justiça e, muito menos, vai ensejar uma prestação jurisdicional melhor.
Decisão transitada em julgado, por obviedade, não pode jamais ser aquela sobre a qual ainda pende recurso, mesmo que seja em via extraordinária. Não adianta fazer contorcionismos jurídicos e expor erudição. Isso é só uma capa de falsa legitimação para um decisório que perverte todo o sistema de garantias, tão somente para aderir a uma atividade judicante simbólica e demagógica. Muitas vezes ocorre o que Aires afirma: “o que a ciência nos traz é sabermos errar com método” ou “legitimar o erro”. [2]
A decisão do STF procura colocar a “culpa” na falta de celeridade da Justiça brasileira nos advogados que simplesmente usam dos recursos disponíveis na legislação. Ora, o advogado recorre, o Judiciário não julga em tempo, o Ministério Público não cumpre prazos à risca e a culpa é do advogado e do indivíduo submetido à jurisdição? Qual a lógica disso, a não ser uma lógica pervertida, uma lógica do bode expiatório eleito arbitrariamente para desviar o foco dos verdadeiros problemas?
Tratando das famigeradas propostas do Ministério Público Federal para suposto combate “eficaz” (sic) à corrupção (propostas estas também meramente simbólicas e midiáticas), assim se manifesta Dotti a respeito da prescrição, com plena aplicabilidade ao que ocorre com o “decisum” atabalhoado do STF sob comento:
“Fica muito claro, na própria definição do instituto, que a causa determinante da prescrição é o imobilismo do Estado e não a atuação da defesa na interposição de recursos cabíveis, cuja demora para julgá-los não pode ser atribuída ao cidadão, mas deve ser debitada ao Judiciário. Em outras palavras: a responsabilidade é de natureza pública. E ainda quando a chicana vencer os limites éticos impostos ao advogado para alcançar o benefício da prescrição, valendo-se da omissão do juiz tardinheiro ou prevaricador, a teoria do domínio do fato deve ser utilizada por analogia, porque ao magistrado incumbe prover à regularidade do processo (CPP, art. 251). Ele tem o poder de controlar a continuidade ou a paralisação da ação tipicamente ilícita (violação de normas éticas legalmente estabelecidas). Com efeito, o partícipe, ou seja, o advogado da parte, não domina, por si só, a reprovável estratégia cujo bom êxito depende da nociva contribuição causal por omissão ou ação do Ministério Público e/ou do Juiz” (grifos nossos). [3]
A responsabilidade estatal não pode ser jogada nas costas dos advogados e muito menos na dos cidadãos. A celeridade do processo é obrigação do Estado que não pode simplesmente se desincumbir nomeando um bode expiatório e adotando uma postura populista, desprovida de qualquer rigor científico, jurídico e mesmo ético.
A verdade é que o Judiciário e o Ministério Público vão se alinhando a uma postura altamente reprovável de adesão irresponsável “ao mais rasteiro populismo penal”. Nesse quadro:
“Os direitos fundamentais, antes entendidos como trunfos civilizatórios contra maiorias de ocasião e limites intransponíveis às perversões inquisitoriais, passaram a ser percebidos pela população em geral, e pelos atores jurídicos em particular, como obstáculos à eficiência repressiva do Estado”. [4]
Não é possível fazer justiça somente com o desejo de aparentar estar fazendo justiça. A Justiça não é uma aparência, uma formalidade, uma bravata, ela tem de ser substancial, concreta e real. “Não pode haver justiça quando esta se exercita por algum fim que não seja por ela só; nem pode ser justo nunca quem tem por objeto principal a glória de o parecer”. [5] Parecer justo não é ser justo. Querer aparecer como justo perante a chamada “opinião pública”, na “mídia” fluida das redes, das conversas, das opiniões descompromissadas, é algo, inclusive, que se pode classificar de leviano. Ademais, trata-se de aderir a uma guerra estúpida, aquela denominada por Delmas – Marty de “guerra aos direitos humanos”. [6]
Realmente é lamentável que o STF tenha se submetido a uma perversão tamanha a ponto de deixar seu posto de “Guardião da Constituição” para se tornar seu carrasco e coveiro. E tudo em nome de uma posição confortável, de uma acomodação e blindagem a críticas de setores que sequer têm a menor noção do que sejam as garantias individuais e sua importância.
REFERÊNCIAS
AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala, 2005.
CASSARA, Rubens R. R. A ampliação das hipóteses de prisão preventiva: uma corrupção das conquistas civilizatórias. Boletim IBCCrim. n. 277, p. 21 – 23, dez., 2015.
DELMAS – MARTY, Meirelle. The paradigma of the war on crime. Legitimating inhuman treatment? Journal of International Criminal Justice. Vol. 5, p. 584 – 598, jul., 2007.
DOTTI, René Ariel. Prescrição e impunidade: responsabilidade pública. Boletim IBCCrim. n. 277, p. 14 – 16, dez., 2015.
SANNINI NETO, Francisco. STF e o Novo Paradigma da Presunção de Inocência. Disponível em www.jusbrasil.com.br , acesso em 09.03.2016.
NOTAS
[1] SANNINI NETO, Francisco. STF e o Novo Paradigma da Presunção de Inocência. Disponível em www.jusbrasil.com.br , acesso em 09.03.2016.
[2] AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala, 2005, p. 106 e 115.
[3] DOTTI, René Ariel. Prescrição e impunidade: responsabilidade pública. Boletim IBCCrim. n. 277, dez., 2015, p. 15.
[4] CASSARA, Rubens R. R. A ampliação das hipóteses de prisão preventiva: uma corrupção das conquistas civilizatórias. Boletim IBCCrim. n. 277, dez., 2015, p. 21.
[5] AIRES, Mathias. Op. Cit., p. 124.
[6] DELMAS – MARTY, Meirelle. The paradigma of the war on crime. Legitimating inhuman treatment? Journal of International Criminal Justice. Vol. 5, jul., 2007, p. 585.
Governo Temer. A prioridade econômica é o ajuste fiscal. Será com ou sem sobrevalorização da taxa de câmbio? Eis a questão.
21 de Maio de 2016, 9:09Entrevista especial com José Luis Oreiro
“Se eles conseguirem fazer o ajuste fiscal sem sobrevalorizar o câmbio, serão bem sucedidos", mas se houver uma forte valorização da taxa de câmbio, como Henrique Meirellles fez anteriormente, aí a política econômica será um desastre, adverte o economista.
Foto: www.tvjurere.com |
O perfil da nova equipe econômica, conduzida porHenrique Meirelles no Ministério da Fazenda, demonstra “claramente” que o presidente interino,Michel Temer, “colocou a questão do ajuste fiscalcomo prioritária, até porque o Brasil já está no terceiro ano de desajuste fiscal crônico da economia brasileira”, diz José Luis Oreiro à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone na quarta-feira, 18-05-2016.
Segundo a análise do economista, possivelmente no segundo semestre de 2016, após a segunda reunião do Comitê de Política Monetária - Copom, a taxa Selic vai começar a baixar e passar dos atuais 14,15% para algum valor “abaixo de 10% no primeiro trimestre de 2017”.
Para Oreiro, a “saída da recessão” “envolve necessariamente uma redução bastante forte da taxa de juros”, a qual permitirá não somente estimular o nível da atividade econômica, mas “aumentará o crédito, ajudará a manter o câmbio mais desvalorizado”, e é com medidas como essas que “o governo conseguirá estimular o nível de atividade econômica”. A recuperação da indústria, por sua vez, depende de “manter a taxa de câmbio em um nível em torno de R$ 3,50 ou R$ 3,60”.
Na entrevista a seguir, Oreiro comenta as possíveis mudanças na condução da política econômica e a provável mudança de rota no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que “terá seu papel reduzido na economia brasileira”. Na interpretação do economista, a nova gestão do BNDES tende a abandonar a política de subsídio e privilégio “dos campeões nacionais”, que foi “tecnicamente questionável”, como ocorreu com o incentivo dado à JBS e à Friboi, e “voltar para o seu ‘core business’ do investimento de infraestrutura, onde obviamente o retorno social é superior ao retorno privado, ou seja, é a típica operação de crédito que precisa de subsídio”.
A equipe econômica que está assumindo, pontua, “é muito mais ortodoxa na condução da política econômica, o que era de se esperar, dado o fracasso da política heterodoxa adotada no governo Dilma Rousseff”.
Na avaliação de Oreiro, “queiramos ou não, a heterodoxia sai do governo Dilma queimada” e “fracassada”, dado o quadro de recessão há dois anos, a queda do PIB e o déficit das contas públicas. Daqui para frente, frisa, “a heterodoxia terá que digerir isso durante algum tempo”.
Autointitulado um heterodoxo e adepto das teorias econômicas keynesianas, Oreiro ressalta que “o fracasso daspolíticas macroeconômicas foi o fracasso de uma vertente específica da heterodoxia”, o que significa que ainda “existe espaço para a condução de uma política keynesiana, desde que a política monetária seja flexibilizada”.
José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Atualmente é professor adjunto do departamento de Economia da Universidade de Brasília (FACE/UNB).
O economista acaba de lançar o livro Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana (São Paulo: Editora LTC, 2016).
Confira a entrevista.
Foto: Unb |
IHU On-Line - Como avalia os primeiros dias do governo interino de Michel Temer na economia e a composição da nova equipe econômica?
José Luis Oreiro – O perfil dos nomes da equipe econômica mostra, claramente, que o Presidente Michel Temer colocou a questão doajuste fiscal como prioritária, até porque o Brasil já está no terceiro ano de desajuste fiscal crônico da economia brasileira: em 2014 o déficit nominal foi 6% do PIB, em 2015 foi 10% do PIB e, ao que tudo indica, em 2016 o déficit nominal será de 10% do PIB, o que, somando, em três anos são 26% do PIB, que colocam a dívida pública em uma trajetória claramente insustentável. Então, o perfil que ele escolheu, colocando Henrique Meirelles como Ministro da Fazenda, e a equipe que Meirelles montou, mostra claramente a preocupação com o lado fiscal, ou seja, de que é necessário dar um equacionamento para a questão do déficit, de maneira a reverter a trajetória explosiva darelação dívida pública/PIB.
Do lado da política monetária, Temer escolheu Ilan Goldfajn como Presidente do Banco Central e, entre os nomes que foram cogitados, como o de Mário Mesquita e Afonso Bevilaqua, Ilan Goldfajn é aquele que tem um perfil menos duro para a condução da política monetária. Por isso acredito que já há uma sinalização de que teremos, no segundo semestre de 2016, um processo de flexibilização da política monetária, ou seja, redução da taxa de juros.
Portanto, a combinação Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central dá claros sinais de que mudaremos a composição da política econômica com respeito ao governo Dilma, pelo menos no que se refere à última parte do governo Dilma em 2014 e início de 2015. A partir de agora teremos uma política fiscal dura e uma política monetária mais flexível. Esse é um bom sinal no sentido de que teremos uma trajetória da redução da taxa de juros, tanto em termos nominais como em termos reais, bastante interessante para os próximos meses.
IHU On-Line - A presidente Dilma também estava insistindo na necessidade de fazer um ajuste fiscal. Então, o que muda especificamente com esta nova equipe econômica em relação à anterior?
José Luis Oreiro – Há mudanças de concepção e mudanças operacionais. Vamos começar com as mudanças operacionais. Se comparar a equipe de Henrique Meirelles com a equipe de Joaquim Levy, a primeira coisa que chama a atenção é que os nomes da equipe econômica de Meirelles são muito mais reconhecidos pelo mercado pela sua competência na área fiscal.
Os nomes da equipe de Joaquim Levy eram, em grande medida – tirando uma ou outra exceção –, ilustres desconhecidos. O nível técnico da equipe de Meirelles é superior ao da equipe do Levy. Não avaliarei aqui a equipe de Nelson Barbosa, porque ela foi formada por alguns nomes que sobraram da equipe do Levy, então, trata-se de basicamente fazer uma comparação entre a equipe do Levy e a do Meirelles.
A equipe de Henrique Meirelles tem uma concepção muito clara de que é preciso enfrentar o problema estrutural de aumento da despesa primária com proporção do PIB. Desde 1999 a despesa primária – aquela que exclui o pagamento de juros da dívida pública por proporção do PIB – vem aumentando, e isso foi factível de ser financiado durante muitos anos, durante os governos de Fernando Henrique, Lula e até o início do governo Dilma, porque a receita tributária como proporção do PIB também vinha aumentando, mas esse processo aparentemente se esgotou. Então não é mais possível continuar com uma trajetória de aumento da despesa primária como proporção do PIB, porque simplesmente a sociedade brasileira já deu vários sinais de que não está disposta a pagar mais impostos. Logo, é preciso limitar o crescimento das despesas primárias com proporção do PIB.
Como se fará isso? As indicações que Meirelles deu para a equipe econômica apontam um caminho, isto é, certamente o governo encaminhará uma Reforma da Previdência Social cujo objetivo não deve ser o de tirar direitos, mas tornar a Previdência Social sustentável no longo prazo. Isso envolverá, obviamente, aumento da idade mínima para a aposentadoria e, provavelmente, a equalização de regras de aposentadoria para homens e mulheres - acredito que isso será fundamental para a Reforma da Previdência.
Por outro lado, Mansueto Almeida, que assumiu a Secretaria de Acompanhamento Econômico, fará um “pente-fino” nos diversos programas que o governo realiza, mesmo nos programas sociais. O objetivo deste “pente-fino” não é o de tirar direitos, mas de ver quais são os programas que realmente são eficientes e eficazes, no sentido de produzir uma melhora na distribuição de renda e reduzir o nível de pobreza, e aqueles que não são. Então, aqueles que não atenderem ao critério de eficiência e eficácia serão desativados e os outros programas serão mantidos.
Acredito que o foco de Mansueto Almeida na Secretaria de Acompanhamento Econômico será o de aumentar a eficiência do gasto público, isto é, fazer mais com menos. Portanto, acredito que é isso que está se consolidando em termos de ajuste fiscal.
IHU On-Line – O senhor está convicto de que não haverá cortes de direitos?
José Luis Oreiro - Não haverá cortes de direitos, até porque politicamente é inviável e esse é um governo frágil do ponto de vista de votos. Portanto não se trata de cortar direitos, mas, sim, de ver quais são os programas que funcionam e quais são os que não funcionam. Eventualmente será preciso coibir alguns abusos; por exemplo, Marcelo Caetanofez um estudo sobre as pensões por morte, quando estava no IPEA, no qual mostrou que as pensões por morte no Brasil consomem 3% do PIB, que é um número muito acima do que se observa na média internacional. Portanto, trata-se de ajustar as regras de pensões por morte.
"Certamente o governo encaminhará uma Reforma da Previdência Social" |
IHU On-Line - O novo governo fala em um déficit das contas públicas de aproximadamente 150 bilhões. As medidas propostas pela nova equipe econômica resolverão esse problema em quanto tempo?
José Luis Oreiro – O déficit tem sido um alvo móvel, porque como a economia está em queda livre, ou seja, o nível das atividades está caindo, as receitas acabam sendo menores do que o esperado, e como o espaço para cortar despesas é muito pequeno, o déficit acaba sendo maior do que o esperado. Estamos em meados do ano e, ao que parece, o nível de atividade econômica está começando a dar alguns sinais de que vai parar de cair, então acredito que a nova equipe econômica já tenha condições de ter uma avaliação materialista das contas do governo.
É provável que este número de 150 bilhões de reais esteja mais ou menos correto. Veja bem, esse déficit primário – não é nem o déficit nominal – não será eliminado do dia para a noite, isto é, a redução significativa do déficit primário e a sua transformação em superávit primário requer, obrigatoriamente, a retomada do nível de atividade; enquanto não retomarmos o nível de atividade, não existe como eliminar esse déficit primário. Então, acredito que o governo vai combinar medidas no sentido de conter o ritmo de crescimento das despesas públicas, junto com medidas do Banco Central do Brasil, com a redução dos juros, que estimularão o nível de atividade - tem que fazer essas duas coisas.
IHU On-Line – Meirelles já declarou que não descarta a possibilidade de aumentar impostos novamente. Como vê essa possibilidade?
José Luis Oreiro – Não parece que haja muito espaço para aumento de imposto. A Federação das Indústrias de São Paulo - Fiesp é contra a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF, muitos deputados da base aliada do presidente Michel Temer e que votaram no impeachment da presidente Dilma também são contra a introdução da CPMF. Então não vejo muito espaço para aumento de imposto, e a recriação da CPMF é praticamente impossível. Pode haver algum espaço para aumento da CIDE [Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico], que é a contribuição sobre os combustíveis, mas que também não gerará muita arrecadação; poderá gerar mais uns 10 bilhões por ano, mas não muito mais do que isso.
Dessa maneira, a estratégia do governo será a de tomar medidas fiscais de longo prazo, ou seja, que conterão o ritmo de crescimento das despesas do governo, e medidas que estimulem o nível de atividade econômica para que se possa recuperar as receitas do Estado. Essa é a maneira pela qual se conseguirá transformar esse déficit de 150 bilhões de reais em um superávit primário mínimo - que é preciso para estabilizar a dívida - de algo como 80 ou 90 bilhões de reais. Então, é preciso fazer uma virada fiscal de mais ou menos 250 bilhões de reais e essa virada será feita em dois ou três anos, porque não tem como fazer isso no curto prazo.
As medidas fiscais não têm impacto imediato, e a Reforma da Previdência e outras terão um impacto de médio e longo prazo no sentido de conter o ritmo de crescimento das despesas, mas o ajuste fiscal mesmo será feito pelo lado da receita, com a recuperação do nível de atividade econômica.
IHU On-Line – O governo propõe algo para conter a recessão, a inflação e revitalizar a indústria no curto prazo? Como essas questões que afetam o dia a dia das pessoas serão enfrentadas?
José Luis Oreiro – No que se refere especificamente à indústria, o necessário é manter a taxa de câmbio em um nível em torno de R$ 3,50 ou R$ 3,60. Se a taxa de câmbio ficar nesse nível, terá, como já está tendo, uma recuperação dasexportações de produtos manufaturados, isso ganhará força ao longo do tempo e a indústria poderá voltar a se recuperar. No que diz respeito à saída da recessão, ela envolve necessariamente uma redução bastante forte da taxa de juros. Parece - eu posso estar enganado - que a indicação do Ilan Goldfajn para Presidente do Banco Central é uma sinalização clara de flexibilização da política monetária a partir de agosto de 2016. Por que estou dizendo a partir de agosto? Porque, tecnicamente, Ilan Goldfajn presidiria a primeira reunião como presidente do Banco Centralem julho, então é pouco provável que vá tomar alguma medida na sua primeira reunião do Comitê de Política Monetária - Copom. Essa medida ficaria postergada para a segunda reunião na presidência do Copom, que será em agosto de 2016.
Por conta, disso acredito que a partir de agosto se inicie um ciclo de redução da taxa de juros, o que estimulará o nível de atividade econômica, aumentará o crédito, ajudará a manter o câmbio mais desvalorizado etc. É por aí que o governo conseguirá estimular o nível de atividade econômica. Já existem sinais de que a economia está parando de cair, as exportações de manufaturados estão se expandindo, o nível de confiança dos empresários está aumentando, assim, já existem sinais de que a economia vai parar de cair em algum momento entre o primeiro e o segundo semestre de 2016.
IHU On-Line - Qual seria a taxa de juro ideal para o Brasil neste momento? Teremos condições de atingir essa taxa em quanto tempo?
José Luis Oreiro – Para uma economia que está em recessão, como a brasileira, e com a inflação desacelerando, uma Selic nominal abaixo de 10% seria o adequado, ou seja, se supor um juro nominal de 10% com uma inflação de 7%, será mais ou menos um juro real de 3%, que é metade do que temos hoje. Portanto, esse ajuste da taxa de câmbio seria o ideal para se obter em um prazo de seis meses. Contando que começará a reduzir os juros a partir de agosto, então poderia ter uma Selic abaixo de 10% no primeiro trimestre de 2017.
IHU On-Line - O governo interino de Temer está recebendo algumas críticas por insistir na Reforma da Previdência, porque estaria propondo o mesmo que já havia sido proposto pelo governo Dilma. Como o senhor vê a discussão sobre a Reforma da Previdência neste momento?
José Luis Oreiro – A Reforma da Previdência é fundamental no sentido de influenciar as expectativas de futuro. Se as regras atuais da Previdência Social forem mantidas, haverá um aumento do gasto previdenciário por proporção do PIB, nos próximos anos, que será muito grande. Então, a reforma é fundamental para estabilizar as expectativas a respeito da evolução da despesa primária com proporção do PIB e, portanto, para estabilizar as próprias expectativas sobre a trajetória da dívida pública com proporção do PIB. Ou seja, mesmo que não tenham impactos de curto prazo, as reformas influenciam a trajetória dos gastos públicos no médio e longo prazo e, portanto, afetam as expectativas sobre a dívida pública, e isso tem impacto hoje, porque terá impacto na curva dos juros.
Embora o Banco Central fixe o juro básico da economia, se tem a curva de juros do setor privado, que toma a Seliccomo base, mas que é uma curva que é construída em cima dos juros básicos e que reflete as expectativas que o mercado tem a respeito da evolução futura da dívida pública. Fazendo essa reforma, se consegue estabilizar essas expectativas e, com isso, reduzir o juro privado de longo prazo, o que é fundamental também para a retomada do investimento e do consumo de bens duráveis.
IHU On-Line – Como vê a nomeação de Maria Bastos Marques para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES? O que deve mudar na atuação do Banco?
José Luis Oreiro – A nomeação dela significa que o BNDES terá seu papel reduzido na economia brasileira. ComLuciano Coutinho, principalmente depois da crise financeira internacional de 2008, o BNDES passou a conceder empréstimos a juros subsidiados, por razões tecnicamente questionáveis, ou seja, o banco passou a atender setores que provavelmente não precisavam dos recursos subsidiados, dado que o banco começou a privilegiar a “política dos campeões nacionais”, que muitos têm criticado.
Acredito que o banco vai se voltar para o seu “core business” do investimento de infraestrutura, onde obviamente o retorno social é superior ao retorno privado, ou seja, é a típica operação de crédito que precisa de subsídio. O que não precisa de subsídio – como aconteceu com o BNDES - é o financiamento da constituição de um oligopólio, como aconteceu no setor de carne, com o caso da JBS e da Friboi. É provável que a nova presidente encerre essa política de privilégios e de indução dos “campeões nacionais”, que havia sido adotada por Luciano Coutinho.
IHU On-Line – Será uma vantagem, então?
José Luis Oreiro – Creio que sim, porque as operações do BNDES custam muito caro. Como o setor público toma dinheiro emprestado pela Selic e concede dinheiro via BNDES a uma taxa de juros abaixo da Selic, isso tem um custo para o setor público, ou seja, para o Estado. E, portanto, na medida em que se limita esse tipo de operação, se reduz o custo fiscal das operações do BNDES.
"As políticas heterodoxas fracassaram e a heterodoxia terá que digerir isso durante algum tempo" |
IHU On-Line – Quais são as teorias econômicas que influenciam a nova equipe econômica? Percebe distinções em relação às influências teóricas da política anterior?
José Luis Oreiro – A equipe que está assumindo é muito mais ortodoxa na condução da política econômica, o que era de se esperar dado o fracasso da política heterodoxa adotada no governoDilma Rousseff. Queiramos ou não, a heterodoxia sai do governo Dilma queimada, embora economistas heterodoxos como eu ou como o professor Bresser-Pereira tenhamos sido duros críticos da chamada nova matriz macroeconômica. O fato é que essa política passou para a opinião pública como sendo uma política fundamentalmente heterodoxa ou de cunhosocial-desenvolvimentista – ou o adjetivo que você queira aplicar.
Então, uma vez que essas políticas fracassaram, e é óbvio que fracassaram, porque o país está em recessão há quase dois anos e terá uma queda acumulada do PIB, entre 2015 e 2016, em torno de 8% em termos reais – é a maior queda do PIB desde a Segunda Guerra Mundial -, e tem uma situação absolutamente terrível nas contas públicas no sentido de que está caminhando para o segundo ano consecutivo de déficit nominal em torno de 10% do PIB – algo que não se vê desde o Plano Real. Então podemos dizer, obviamente, que as políticas heterodoxas fracassaram e a heterodoxia terá que digerir isso durante algum tempo.
O fracasso de uma vertente da heterodoxia
Em grande medida o fracasso das políticas macroeconômicas foi o fracasso de uma vertente específica da heterodoxia, que podemos chamar de social-desenvolvimentismo, que está muito ligada ao Instituto de Economia daUnicamp. Mas o fato é que fracassaram e isso foi colocado na conta da heterodoxia, então nada mais natural do que observarmos o que está sendo feito agora, que é a ascensão de nomes ortodoxos - se você quiser chamar liberais – nacondução da política macroeconômica.
O desafio dessa nova equipe, além de resolver o imbróglio fiscal, será o de não ceder à tentação de sobrevalorizar o câmbio novamente. Se eles conseguirem fazer o ajuste fiscal sem sobrevalorizar o câmbio, serão bem sucedidos. Agora, se voltarmos ao que ocorreu na década passada, com Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, que foi um processo de forte valorização da taxa de câmbio, aí realmente essa política econômica será um desastre. Talvez até se consiga tirar o país da recessão, mas não se conseguirá entregar uma economia próspera; teremos aí uma economia que, no melhor cenário, poderemos chamar de “paz no cemitério”, ou seja, não terá nenhum grande desequilíbrio, mas também não crescerá muita coisa.
IHU On-Line – Então acredita que ainda há espaço para uma política econômica heterodoxa, já que o senhor também acaba de lançar um livro sobre a política keynesiana, intitulado Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana?
José Luis Oreiro - Existe espaço para a condução de uma política keynesiana, desde que a política monetária seja flexibilizada. A reação natural a um país que está em recessão e com uma inflação em queda é uma expansão monetária, ou seja, uma redução dos juros, e isso é uma política keynesiana.
Também não acredito que o governo Temer será um governo em que o Estado simplesmente desaparecerá da condução da atividade econômica: ele diminuirá com respeito ao papel que o Estado teve durante o primeiro mandato da presidente Dilma. E, por fim, é fundamental a questão da administração da taxa de câmbio. Se o governo Temer e a equipe econômica não atentarem para isso, ou seja, se permitirem um processo de forte valorização da taxa de câmbio, aí realmente a política deles não funcionará no médio e longo prazo.
Por Patricia Fachin
Além de cinegrafista da Globo, policiais agridem fotojornalistas em cobertura de protesto
21 de Maio de 2016, 9:08- Escrito por Redação Comunique-se
A Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos no Estado de São Paulo (ARFOC-SP) denunciou por meio de seu perfil no Facebook que jornalistas de imagem foram agredidos pela PM durante a cobertura de protesto dos estudantes na noite de quarta-feira, 18. Ao falar sobre o tema, a entidade considerou a situação "total ataque à liberdade de expressão". Na manhã desta quinta-feira, 19, a Globo divulgou que um profissional da equipe também foi agredido por policiais.
(Imagem: Arfoc / Reprodução Facebook)
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O ato feito pelos estudantes era em manfestação ao corte de verbas na educação e a entrada da polícia nas escolas técnicas sem mandado judicial. O relato dos profissionais agredidos aponta que a polícia teria batido "em todo mundo". Fotógrafa do Estadão, Gabriela Biló contou à associação que precisou impedir que o policial levasse seu equipamento. A atitude dela resultou em jato de spray de pimenta no rosto.
"Corri para fotografar e, quando me aproximei o cordão se dispersou para afastar os manifestantes. A polícia bateu em todo mundo que estava em volta. Fiquei encurralada em uma esquina. Foi quando um policial gritou 'vaza, vaza', e tentou agarrar minha câmera. Continuei fotografando e ele disse 'conheço você' e espirrou o spray diretamente no meu rosto", relatou ela.
O profissional freelance André Lucas Almeida teve o notebook quebrado e foi agredido com spray de pimenta no rosto e vários golpes de cassetete. "Os policiais começaram a agredir todo mundo a esmo, incluindo a imprensa. Jogaram spray de pimenta no meu rosto e eu corri. O mesmo PM que lançou o spray correu atrás de mim e bateu com o cassetete na mochila, trincando a tela do meu notebook. Muitos estudantes foram espancados". O profissional falou à entidade que mostrou o computador quebrado ao comandante da operação e teria ouvido que "estava na hora errada e no lugar errado".
A Arfoc se posicionou diante da situação e manifestou "total repúdio à agressão sofrida por jornalistas de imagem durante o exercício de sua profissão".
Ministro nega liminar em HC de condenado por lavagem de dinheiro
21 de Maio de 2016, 9:06O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu pedido de liminar em Habeas Corpus (HC 134190), impetrado pela defesa de Antônio Oliveira Claramunt, conhecido como Toninho da Barcelona. No HC, a defesa pretende obter a revisão da sentença, tanto pela readequação da pena base, quanto pela aplicação de atenuante diante da confissão espontânea de prática do crime de lavagem de dinheiro.
O HC pede, no mérito, a suspensão do trâmite da ação penal, “para que seja redimensionada a reprimenda imposta em 1º grau, pondo-se fim à alegada coação ilegal da liberdade de ir e vir do paciente”. Sustenta a urgência do pedido, diante da iminência do cumprimento da pena, uma vez que já houve trânsito em julgado de recurso especial interposto pela defesa.
Decisão
O ministro Gilmar Mendes disse preliminarmente não ter encontrado a excepcionalidade necessária para a concessão da liminar pleiteada pela defesa e que a questão será melhor analisada quando do julgamento definitivo, uma vez que “a motivação que dá suporte ao pleito de urgência confunde-se com o próprio mérito”.
O relator destacou o recente julgamento do HC 126292 em que o Plenário do STF firmou entendimento no sentido de ser possível o início da execução da pena na pendência de julgamento de recurso extraordinário ou especial, uma vez que, segundo o artigo 637 do Código de Processo Penal (CPP), os recursos extraordinários não têm efeito suspensivo. Explicou que decisão condenatória de segunda instância poderia ser executada na pendência do recurso e afirmou não vislumbrar de imediato “eventual constrangimento ilegal na dosimetria da pena fixada” para a concessão da liminar.
O caso
Toninho da Barcelona foi condenado em fevereiro de 2005 no Juízo da Sexta Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores de São Paulo. A ele foi imposta pena de 10 anos, 2 meses e 22 dias de reclusão e pagamento de 53 dias-multa, no valor unitário de 200 salários mínimos, a ser cumprida em regime inicial fechado pela prática de associação criminosa, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e crimes de lavagem de bens, direitos e valores.
A defesa apelou da condenação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O TRF-3 negou provimento ao recurso, mas de ofício julgou extinta a punibilidade em relação ao crime de associação criminosa e reduziu o valor unitário do dia-multa para 50 salários mínimos. A defesa seguiu recorrendo e interpôs recurso extraordinário pendente de julgamento pelo STF.
Paralelamente, interpôs recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 5ª Turma daquela Corte conheceu parcialmente do recurso, mas nessa parte negou-lhe provimento. Declarou de ofício, entretanto, prescritos os crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira e operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país, previstos respectivamente nos artigos 4º e 22 da Lei 7.492/1986.
Com isso, reduziu a pena para 5 anos e 25 dias de reclusão em relação ao crime de lavagem de dinheiro. Foram opostos embargos de declaração e negados, levando ao trânsito em julgado em setembro de 2014. Por fim, a defesa impetrou o presente habeas corpus no STF.
AR/CR
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