Por Laura Carvalho*, em Brasil Debate
Desde a explosão da dívida pública que se seguiu à crise de 2008 em diversos países avançados, muitos economistas se concentraram em medir o efeito de um ajuste fiscal – realizado a partir de cortes de gastos ou de aumentos de impostos – sobre o crescimento econômico.
Vários desses trabalhos indicaram que os ajustes, por terem efeito negativo sobre o próprio crescimento (especialmente se implementados durante uma recessão), podem levar a uma espiral em que a queda no nível de atividade prejudica a arrecadação tributária subsequente, elevando ainda mais o déficit e a dívida pública em relação ao PIB.
Uma espiral desse tipo já é velha conhecida dos gregos, que desde o início da crise, apesar dos esforços de ajuste, viram sua dívida subir de cerca de 100 para 175% do PIB nos últimos sete anos.
Nesse contexto, muitos autores defendem que uma expansão fiscal seria a melhor forma de levar uma economia estagnada de volta a uma trajetória de crescimento e de sustentabilidade da dívida pública. Não por acaso, tais evidências e argumentos vêm sendo trazidos para o debate atual brasileiro.
Destaco aqui quatro objeções, que considero mais convincentes, à adoção da estratégia expansionista no Brasil hoje. Em primeiro lugar, pode-se considerar que essa foi justamente a opção do governo em 2013 e 2014, e que a expansão fiscal –note-se, pela via das desonerações – não funcionou.
Em segundo lugar, estudos empíricos indicam que aqui a arrecadação de impostos responde menos ao ciclo econômico, devido a características da nossa estrutura tributária, o que poderia adiar uma eventual elevação do superávit primário pela via do crescimento do PIB e das receitas.
Em terceiro lugar, a dívida brasileira estaria especialmente sujeita à pressão dos rebaixamentos – muitas vezes arbitrários – das agências de risco e à elevação das taxas de juros para patamares que tornariam muito caro o serviço da dívida e insustentável a sua dinâmica. Por fim, os obstáculos políticos fariam do ajuste a única opção viável.
Embora caibam ressalvas a todas essas objeções, vou supor que tais restrições tornem justificável a elevação do superávit primário prometida pela equipe econômica, para então perguntar: que tipo de ajuste seria menos nocivo a uma eventual retomada do crescimento e da arrecadação tributária? Embora muito tenha se falado sobre a velocidade correta do ajuste, pouco se falou sobre a sua composição ideal no que se refere ao seu impacto sobre o crescimento e o bolso do trabalhador.
Para responder a essa pergunta, vou recorrer a uma fórmula bastante antiga na macroeconomia keynesiana, desenvolvida por Haavelmo em 1945 (Haavelmo, T. 1945. Multiplier effects of a balanced budget, Econometrica, 13, 4, 311–18 ), qual seja, a de que a manutenção do mesmo déficit fiscal a partir de um aumento equilibrado em gastos e receitas governamentais pode ter efeito positivo sobre o PIB se a elevação dos impostos atingir sobretudo os mais ricos e o aumento nos gastos se direcionar para a classe média e os pobres.
Em outras palavras, como a propensão a gastar dos ricos é menor do que a dos beneficiados pela política, o efeito líquido de se elevar gastos e impostos dessa forma seria expansivo para o consumo e o PIB, sem gerar nenhuma deterioração nas contas públicas. O multiplicador de Haavelmo poderia até levar à redução do déficit fiscal após alguns trimestres, a partir do efeito do maior crescimento do PIB sobre a arrecadação.
Por esse critério, entre as medidas já anunciadas pelo governo, a julgar pelo pouco (ou nenhum) impacto positivo que as desonerações tiveram sobre a economia em 2013 e 2014, sua eliminação pouco preocupa, e é muito preferível, por exemplo, a alguns ajustes já anunciados pelo lado dos gastos. Mas, seguindo os ensinamentos de Haavelmo, para minimizar, ou quem sabe até eliminar seu efeito recessivo, o ajuste deve ser daqueles que, pelo lado da receita, aumentam substancialmente a progressividade da estrutura tributária.
É nesse contexto que deve ser entendida (e muito estimulada!) a discussão por membros da equipe econômica sobre a criação de um imposto sobre grandes fortunas e/ou sobre o aumento e a federalização do imposto sobre heranças.
Além de tais impostos ajudarem a reverter um processo de perpetuação das desigualdades de renda tal qual apontado por Thomas Piketty em seu best-seller “O Capital no Século XXI”, estes têm o potencial de gerar um efeito multiplicador à la Haavelmo, já que, a depender da composição dos gastos, permitem uma redistribuição da renda dos que gastam pouco para os que gastam muito.
Comparando os dois impostos, é importante destacar que além de não depender da passagem de uma geração para a outra, o imposto sobre grandes fortunas tem impacto redistributivo e multiplicador muito maior do que o imposto sobre heranças, por ser direcionado apenas para o topo da distribuição, sem qualquer ônus à classe média.
Uma terceira possibilidade de tributação progressiva, que embora não tenha qualquer efeito sobre o estoque de riqueza já acumulado, é de implementação muito mais fácil, é a introdução de uma faixa adicional de imposto de renda, com alíquota maior para os que estão no topo da distribuição. É importante lembrar que a nossa alíquota máxima de imposto de renda, de 27,5%, é muito menor do que a verificada nos países avançados (e.g. 39.6% nos EUA, 45% na Inglaterra, 57% na Suécia) e nos coloca em 55o no ranking mundial feito pela KPMG, atrás também de países como a África do Sul e o Chile (ambos com 40%).
Por fim, pelo lado dos gastos, além da manutenção dos programas de transferência de renda, estes já progressivos e com alto efeito multiplicador, a elevação dos tributos deveria abrir algum espaço para a expansão dos investimentos públicos. É quase consenso na literatura que os investimentos públicos em infraestrutura têm efeitos multiplicadores de curto e de longo prazo mais altos do que outros componentes do gasto público, já que além de gerar mais empregos, elevam a produtividade e ajudam a puxar investimentos privados. No entanto, estes são os primeiros a sofrerem cortes em períodos de ajuste fiscal.
Se não for realizado com tais cuidados, um ajuste que deveria ser “rápido”, como defendido recentemente pelo ministro da Fazenda, pode se tornar quixotesco, enquanto a contração do PIB e das receitas exigirem cortes de gasto cada vez maiores para o cumprimento da meta de superávit primário, impedindo também a retomada.
Um ajuste mais nocivo teria o problema adicional de agravar os obstáculos políticos que hoje enfrenta o governo, já que sua impopularidade junto aos trabalhadores inevitavelmente traz prejuízo aos índices de aprovação da presidente.
*É doutora em economia pela New School for Social Research em Nova York e professora doutora do Departamento de Economia da FEA-USP
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