Por Igor Felippe, para o Escrevinhador
A crise política do governo Dilma é mais um episódio do recrudescimento da disputa entre frações da grande burguesia no processo de consolidação no neoliberalismo no Brasil. Depois da eleição do presidente Lula, particularmente na crise do “Mensalão”, emergiram contradições que dividiram o grande capital entre a grande burguesia bancária-financeira e a grande burguesia interna, ligada à construção civil, ao agronegócio e a vários setores da indústria, interessada em realizar reformas no capitalismo neoliberal.
Com a crise do capitalismo internacional, esses conflitos se aprofundaram e se expressaram no começo do primeiro governo Dilma, que aplicou medidas para fortalecer a burguesia interna, contrariando os interesses do rentismo. Diante disse, as forças neoliberais iniciaram uma ofensiva, que articula instrumentos de luta ideológica com a expressão de massa de segmentos mais conservadores da classe média.
“O trabalho ideológico realizado pela mídia em prol do ‘neoliberalismo ortodoxo’, as manifestações organizadas por setores da direita radical contra o governo, a vitória apertada de Dilma sobre Aécio nas eleições de 2014 e a eleição de representantes mais conservadores no Congresso Nacional podem ser tratados como indícios dessa ofensiva do campo político rentista”, avalia o professor do curso de Ciências Sociais do campus de Chapecó da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Danilo Enrico Martuscelli.
“Já a nomeação de um representante dos banqueiros para o Ministério da Fazenda, os ataques do governo aos direitos trabalhistas desde o final de 2014 e a sua adesão à política do ajuste fiscal parecem ser evidências da rendição do governo à ofensiva rentista”, complementa.
O estudioso está lançando o livro “Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil”, que analisa a crise do governo Collor (1992) e a crise do “Mensalão” (2005), a partir das contradições de classe engendradas pelo processo de implementação da política econômica.
Segundo ele, casos de corrupção se transformam em escândalos e ganham contornos de crise no Brasil quando forças sociais operam para mudar a política implementada pelos governos. “Em todas as principais crises políticas brasileiras (1930, 1954, 1964, 1992, 2005 e agora), as denúncias de corrupção foram utilizadas como um expediente tático ‘seletivo’ para atingir o objetivo principal: mudar a política de governo”.
Martuscelli acredita que a Operação Lava Jato se configura como uma tentativa do campo político rentista de derrotar os traços de ingerência estatal na economia e colocar a soberania nacional em risco, enfraquecendo a imagem da Petrobras como operadora de uma política de desenvolvimento.
“O caso Lava Jato visa a enfraquecer politicamente o segmento da grande burguesia interna que mais tem ganhado com as reformas do capitalismo neoliberal e que é também um dos principais investidores das campanhas eleitorais do PT: o segmento da construção civil”, avalia.
Abaixo, leia trechos da entrevista completa.
Crise política nacional
A atual crise vincula-se, de certo modo, aos conflitos e contradições que emergiram no contexto da crise do Mensalão, dividindo o grande capital em duas frações principais: a grande burguesia interna, ligada à construção civil, ao agronegócio e a vários setores da indústria e interessada em realizar reformas no capitalismo neoliberal, e a grande burguesia bancária-financeira, inclinada a resistir a tais reformas. Não se tratava de uma grande polarização entre essas duas frações de classe, mas que havia contradições entre elas, havia, e isso produziu efeitos sobre o processo político. Desde 2005, a grande burguesia interna – que possui uma posição ambivalente de contradição e dependência em relação ao capital imperialista – vem se fortalecendo politicamente, sem com isso conseguir deslocar a grande burguesia bancária-financeira do lugar de fração hegemônica do bloco no poder. A política dos governos Lula e Dilma permitiu à grande burguesia interna ter uma posição mais confortável no bloco no poder, quando comparada a que tinha nos anos 1990, acomodando, assim, seus interesses nas zonas de menor tensão com a hegemonia política da grande burguesia bancária-financeira – que se caracteriza como uma “burguesia tampão”, ou seja, como uma burguesia associada ao capital imperialista.
Colapso internacional
A crise do neoliberalismo sob hegemonia dos EUA abriu brechas para a grande burguesia interna se fortalecer ainda mais politicamente, a partir de 2008, pois colocou em evidência a fragilidade de uma doutrina que pregava a defesa do livre jogo das forças do mercado como força geradora de desenvolvimento. Essa crise instaurada no coração do capitalismo possibilitou ao governo Dilma a adoção de uma política mais ousada de reformas do capitalismo neoliberal, quando comparada à executada pelos governos Lula.
Banqueiros contrariados
Ao longo dos primeiros anos de mandato (2011-2013), o governo Dilma adotou uma série de medidas que contrariavam mais diretamente os interesses dos banqueiros: a) aplicou sucessivamente a redução da taxa de juros Selic, chegando a aplicar a menor taxa de juros da política recente (7,25%), entre outubro de 2012 e março de 2013, quando os banqueiros e a mídia associada aos interesses rentistas lançaram a campanha do preço do tomate contra a inflação e pressionaram o governo pelo aumento da taxa de juros; b) desvalorizou a taxa de câmbio brasileira, com o objetivo de ampliar a competividade dos produtos nacionais no exterior; c) promoveu uma redução dos spreads bancários dos bancos públicos (Banco Brasil e Caixa Econômica Federal), chegando até mesmo a fazer pronunciamento em rede nacional, durante as comemorações do dia do trabalhador em 2012, exigindo que os bancos privados seguissem a mesma política de redução dos juros cobrados pelos bancos públicos nos empréstimos, cartões, cheque especial e crédito consignado, com vistas a garantir a implementação do que ela chamou de uma política de “desenvolvimento do país” e de “desenvolvimento das pessoas” (ver pronunciamento aqui). Tal episódio gerou grande insatisfação entre os banqueiros que passaram a repudiar os aspectos excessivamente intervencionistas da política governamental; d) o governo Dilma ainda procurou elevar a taxa de retorno sobre as licitações públicas de rodovias, portos, aeroportos e ferrovias, reduzir o preço da energia elétrica e desonerar a folha de pagamento das empresas, demonstrando clara inclinação a apoiar os interesses da grande burguesia interna.
Contra-ofensiva dos bancos
Contra essas iniciativas emerge a ofensiva do campo político rentista – que é dirigido pela grande burguesia bancária-financeira, tem o apoio de segmentos da classe média e conta com um grande trunfo na luta de ideias e na disputa ideológica: a grande mídia defensora do rentismo. Não se pode ignorar aqui as investidas deste campo político, especialmente aquelas oriundas de setores das classes médias, contra as políticas e programas sociais implementados pelo governo, tais como o Bolsa Família, a política de cotas, a regulamentação do trabalho das empregadas domésticas, etc. São essas resistências às tentativas do governo Dilma de concretizar reformas do capitalismo neoliberal que explicam a natureza da crise política que presenciamos no Brasil. Portanto, trata-se de uma nova ofensiva do campo político rentista contra as medidas mais avançadas de tentar reformar o neoliberalismo.
Rendição do governo
O trabalho ideológico realizado pela mídia em prol do “neoliberalismo ortodoxo”, as manifestações organizadas por setores da direita radical contra o governo, a vitória apertada de Dilma sobre Aécio nas eleições de 2014 e a eleição de representantes mais conservadores no Congresso Nacional podem ser tratados como indícios dessa ofensiva do campo político rentista. Já a nomeação de um representante dos banqueiros para o Ministério da Fazenda, os ataques do governo aos direitos trabalhistas desde o final de 2014 e a sua adesão à política do ajuste fiscal parecem ser evidências da rendição do governo à ofensiva rentista.
Luta ideológica
Em linhas gerais, observamos os interesses mais alinhados ao rentismo inclinados a disputar a dominação ideológica exercida pela grande burguesia interna e a resistir às tentativas mais ousadas de reformas do capitalismo neoliberal. Por que querem disputar a dominação ideológica da grande burguesia interna? Porque, no terreno dos partidos e dos grupos de interesses, ao longo dos anos 2000, ascenderam forças políticas que questionavam o “neoliberalismo ortodoxo” da era FHC e que passaram a defender uma ideologia que não encarava mais o Estado como um vilão. Passaram a tratar o Estado como um parceiro dos capitais privados nacionais na construção de um “capitalismo sem muitos riscos”, no qual ao Estado compete todo o ônus e aos capitalistas privados todo o bônus. A ideia de “Estado empreendedor”, a apologia às parcerias público-privadas, a ênfase nas políticas compensatórias em detrimento da ampliação de direitos sociais e trabalhistas são importantes indicadores dessa mudança ideológica. Nesse sentido, é possível dizer que, sob os governos Lula e Dilma, criou-se uma cisão entre a fração de classe que exerce a hegemonia política (a grande burguesia bancário-financeira) e a fração de classe que exerce a dominação ideológica (a grande burguesia interna). Isso tem gerado instabilidades no país, tendo em vista que o predomínio ideológico da grande burguesia interna na cena política possibilitou a ela exigir mais espaço na política econômica e social dos governos brasileiros nos anos 2000.
Disputa em torno das reformas do neoliberalismo
A cisão entre hegemonia política e dominação ideológica é a expressão do processo de reformas do capitalismo neoliberal, que sintetiza, na prática efetiva do governo, a adoção de uma política social-liberal. O que caracteriza a crise atual é justamente a crise da política social-liberal dos governos Lula e Dilma. É o movimento em prol de reformas do neoliberalismo que está em crise. A ofensiva do campo político rentista não visa a trazer de volta o neoliberalismo, como acreditam alguns, pois não se trata da “volta dos que não foram”, mas fundamentalmente tem o objetivo de resistir mais claramente às reformas do capitalismo neoliberal colocadas em prática desde 2005.
Fragilidade do campo social-liberal
Estarmos inseridos no próprio processo da crise, não temos condições de avaliar de maneira rigorosa a forma com a qual ela se expressará. O que podemos adiantar em termos explicativos é que a ofensiva do campo político rentista somada à forte ampliação das greves e dos protestos de rua nos últimos anos e ao surgimento de uma situação de crise econômica, comprometeram a unidade já frágil do campo político social-liberal. Assistimos hoje a um processo no qual setores da grande burguesia interna aderem à política do ajuste fiscal necessário, como um “remédio amargo” ou um “freio de arrumação”, aproximando-se da política defendida pelo campo político rentista. É verdade que a grande burguesia interna tem tentado impor algumas resistências seletivas ao ajuste fiscal, defendendo: a regularização dos pagamentos do PAC e do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), a implementação da terceira fase do MCMV, a não redução da desoneração da folha de pagamentos, a redução dos impostos e dos juros, além de comemorar a implantação da nova etapa do Programa de Investimentos em Logística.
Investida contra direitos trabalhistas
A grande burguesia interna vem buscando encontrar outras alternativas para se livrar da crise e tem investido pesado contra os interesses dos trabalhadores. Prova disto é a campanha que tem feito em prol da aprovação da legislação que permite a terceirização de atividades-fim. A Fiesp, por exemplo, está fazendo essa disputa publicando vídeos e cartilhas de convencimento sobre a importância da terceirização para o desenvolvimento do país (ver aqui). Resta saber, para quem esse desenvolvimento vai servir… Recentemente, o governo editou a MP chamada de Programa de Proteção ao Emprego, com o aval da CUT e da Força Sindical, visando atender os reclamos do empresariado para enfrentar a crise. Com a MP, empresários e trabalhadores estão autorizados a realizar acordos coletivos para implementar a política de redução da jornada de trabalho com redução de salários com vistas a evitar demissões. Esse programa bem que poderia se chamar Programa de Proteção aos Lucros. Essa iniciativa coloca em evidência o caráter socialmente conservador da política adotada pelo governo Dilma para enfrentar a crise. Por acaso, os aluguéis, o transporte, a cesta básica etc. terão também seus preços reduzidos? No tocante à grande burguesia interna, é possível observar claramente nesta conjuntura sua indisposição para garantir a manutenção de certos direitos trabalhistas e sua inclinação para concebê-los como encargos que dificultam a competitividade e o espírito empreendedor. Nos tempos de bonança, podem até fazer algumas concessões mínimas. Nos tempos de crise, aplicam o tacão de ferro nos trabalhadores.
Denuncismo como tática
No Brasil, escândalos de corrupção sempre vêm à tona quando algumas forças políticas desejam mudar aspectos da política que vem sendo implementada por determinados governos. Em todas as principais crises políticas brasileiras (1930, 1954, 1964, 1992, 2005 e agora), as denúncias de corrupção foram utilizadas como um expediente tático “seletivo” para atingir o objetivo principal: mudar a política de governo. É possível observar que, em cada uma dessas conjunturas, as denúncias de corrupção associaram-se à defesa de políticas que oscilavam entre uma perspectiva progressista, quando se somaram à crítica dos efeitos sociais deletérios da política estatal (crítica aos carcomidos da República Velha, em 1930, ou o Fora Collor, em 1992) ou conservadora, quando se alinharam mais claramente aos interesses imperialistas (crítica udenista ao mar de lama do Catete e contra a política populista, em 1954, ou a reedição da crítica udenista contra as reformas de base, o comunismo e a democracia, em 1964, ou ainda a resistência contra as reformas do neoliberalismo, em 2005 e 2015). Nas duas crises mais recentes (2005 e a atual), tais denúncias se manifestam como um meio de debelar as tentativas de reformar ou mesmo superar o neoliberalismo no Brasil.
A operação Lava Jato
No caso da operação Lava Jato, é perceptível a tentativa do campo político rentista de derrotar os traços de ingerência estatal na economia e, de sobra, colocar a soberania nacional em risco. Para os rentistas, é preciso desmontar a imagem da Petrobras como operadora de uma política de desenvolvimento de caráter mais distributivista e sustentar uma política de mudança do regime de partilha que vise a dar primazia aos lucros de importantes capitais privados nacionais e internacionais, como indica o projeto apresentado pelo senador José Serra. O caso Lava Jato visa a enfraquecer politicamente o segmento da grande burguesia interna que mais tem ganhado com as reformas do capitalismo neoliberal e que é também um dos principais investidores das campanhas eleitorais do PT: o segmento da construção civil.
Financiamento de campanhas
No Brasil, o financiamento empresarial de campanha tem se manifestado muito mais como um investimento. Quem investe nas candidaturas quer obter uma alta taxa de retorno sobre aplicação inicialmente feita. Embora a Lava Jato tenha demonstrado indícios de envolvimento de políticos de vários partidos nos esquemas de corrupção, tais como o PMDB, o PSDB, o PP, o SD e o PTB, o alvo central dos ataques da mídia tem sido o PT. O vínculo político criado entre o PT e as empreiteiras nos últimos anos facilita a difusão desse tipo de ataque, pois como diz o velho ditado popular: diga-me com quem andas, que eu te direi quem és. Portanto, a grande mídia vem trabalhando firme para responsabilizar o governo Dilma pela operação Lava Jato. O problema é que quanto mais as investigações avançam, mais se descobre que há algo de podre no reino da Dinamarca, ou seja, a operação Lava Jato abarca uma gama muito grande de empresas, políticos e laranjas. A denúncia de um possível envolvimento do Eduardo Cunha no esquema da Lava Jato é mais um elemento que demonstra a lógica nefasta do financiamento empresarial de campanha sobre o processo político nacional, em especial sobre a nossa limitada democracia.
Lições do Mensalão
Durante a crise do mensalão, o governo Lula operou nas seguintes frentes para sair da crise: negociou com seis entidades patronais e outros grandes empresários uma agenda para governabilidade que tinha forte conexão com a perspectiva de reformar o neoliberalismo (ver agenda aqui); deu início um pouco antes da crise a um processo de elevação do salário mínimo e de ampliação das políticas compensatórias de transferência de renda; a partir de agosto de 2005, promoveu seguidas reduções da taxa de juros; em meio à crise, nomeou o presidente da CUT, Luiz Marinho, para Ministro do Trabalho e cedeu mais ministérios para o PMDB, que, no final de 2004, havia discutido a saída do governo por um movimento organizado curiosamente pelo Michel Temer; conseguiu o armistício do PSDB com as denúncias do mensalão tucano, envolvendo o presidente do partido, Eduardo Azeredo; blindou a figura do Lula: não se ouvia falar de impeachment; e trocou o ministro da Fazenda Antonio Palocci por Guido Mantega, fato comemorado pela Fiesp e outras entidades representativas da grande burguesia interna.
Reação à Lava Jato
Na conjuntura atual, Dilma aplica o ajuste fiscal, setores do PMDB parecem estar se aproximando do PSDB, há um aumento em curso do desemprego, o governo só tem sinalizado o aumento dos juros. De imediato, parece ter se construído um armistício entre o governo e a Câmara, depois que o nome do Eduardo Cunha apareceu nas denúncias da Lava Jato. Diferentemente de 2005/2006, o PT não tem a mesma base no Congresso, parece haver certo distanciamento do PT de Rui Falcão e de Lula em relação ao governo Dilma, o que pode aprofundar o isolamento político da presidente; os partidos médios e nanicos cresceram e só garantem apoio ao governo se receberem cargos e recursos para as emendas parlamentares, pois funcionam com verdadeiros partidos de patronagem, voltados à pilhagem dos recursos públicos.
Massificação dos protestos
Além disso, as mobilizações recentes organizadas pela oposição de direita contra o governo adquiriram muito mais força. Em 2005, a soma das manifestações organizadas pela oposição de direita, pela oposição de esquerda e pelas forças alinhadas ao governo não atingiram o grau de participação das manifestações atuais. A palavra impeachment tem se difundido com muito mais força. Em 2005, falava-se que “Lula sabia”, em alusão ao envolvimento de seus companheiros de partido e de governo em casos de corrupção, mas nenhuma força política relevante falava em impeachment.
Banalização do impeachment
Depois de aprovadas as contas de campanha do PT, resta à grande mídia ligada ao rentismo investir na questão das “pedaladas fiscais” para acusar a presidente Dilma de ter cometido crime de responsabilidade. É curioso notar como a mídia vem contabilizando o número de parlamentares que aprovariam o impeachment de Dilma. A Folha apresentou um número, o Valor Econômico outro e por aí vai. Isso não se configurou na crise do mensalão, nem mesmo no processo inicial de crise do governo Collor. Ocorre que a aprovação do impeachment não é fácil de ser levada a cabo. Precisa de condições jurídicas e, fundamentalmente, políticas. Sem o preenchimento mínimo dessas condições, a adesão ao impeachment pode fortalecer o governo por ser entendida como uma tentativa de golpe contra a democracia. Mais do que isso, pode fortalecer a figura de Lula. A oposição de direita teme isso e teme também a politização das massas, inclinadas a derrotar o ajuste fiscal e a lutar por reformas populares.
Sinais de esgotamento de um modelo
É sempre bom lembrar que, em junho de 2013, o movimento popular organizado pautou a redução das tarifas de ônibus, exigiu Educação e Saúde “padrão Fifa”, e, desde então, tem realizado vários protestos e greves em todo o país em defesa dos direitos sociais e trabalhistas. Como se diz aqui no Sul: “não tá morto, quem peleia” e setores das classes dominantes estão cientes disto. Com a política social-liberal, os governos Lula e Dilma conseguiram ampliar relativamente o consumo das massas e elevar o número de beneficiários das políticas compensatórias de transferência de renda. Isso contribuiu para neutralizar certas contradições e tensões, mas parece dar sinais de esgotamento na presente conjuntura. Resta lembrar que a adesão do PT ao social-liberalismo foi feita às custas do completo abandono do programa democrático-popular defendido por este partido até 1989 e jogado às traças nos anos seguintes.
Silêncio da grande burguesia interna
Muitas vezes quando se fala em impeachment, muitos se apressam em afirmar que existe um “golpe das elites”. Essa ideia não é nova. Já havia sido formulada em 2005 no contexto da crise de “mensalão”. Ocorre que já conseguimos observar que não existe uma elite homogênea. Parte considerável das classes dominantes deram suporte aos governos Lula, inclusive na crise de 2005, e poderão adotar o mesmo comportamento em relação ao governo Dilma. Não vejo, no cenário atual, representantes da chamada grande burguesia interna defendendo abertamente a derrubada da presidente. Na verdade, os representantes desta fração de classe aproveitarão a crise política para chantagear o governo e garantir assim a execução de políticas que lhes são favoráveis.
Impasse das forças progressistas
Há algum tempo, as forças progressistas estão enredadas num impasse. No campo dos setores mais alinhados ao governo, observamos forças que estão totalmente ou quase totalmente entregues ao “taticismo”. Abandonaram ou não querem nem saber de política de médio e longo prazos. São afeitas ao “curtoprazismo” e ao pragmatismo. Não possuem projeto de nação, muito menos almejam construir uma sociedade socialista. No campo dos setores mais ligados à perspectiva anticapitalista, prevalece o “estrategismo”. São setores afeitos à retórica revolucionária, como se a revolução estivesse logo ali na esquina nos esperando. Não possuem claramente um programa de reformas no capitalismo por considerarem que isso só contribui para a manutenção da ordem. Encontram-se distantes de exercer influência sobre o movimento de massas. Nesse sentido, creio que as forças progressistas terão alguma chance de superar esse impasse, se conseguirem se livrar do taticismo e do estrategismo e buscarem constituir uma linha política que articule as dimensões tática e estratégica.
Perspectivas diferenciadas
Na crise atual, há um setor muito minoritário das esquerdas que vem defendo a “derrubada” ou o “basta” Dilma. Esse setor é inexpressivo politicamente e tende ao isolamento. Nos demais setores progressistas, há aqueles que se reúnem em torno do Grupo Brasil e que tem como objetivo precípuo defender a democracia contra o golpe. Pressionam para que Dilma ponha logo fim ao ajuste fiscal para que tudo volte ao “normal”. No fundo, esse setor deposita todas as suas fichas na criação de uma burguesia nacional no país. Provavelmente, ficarão esperando Godot. Sem estarem totalmente conscientes disto, acabam agindo como funcionários da grande burguesia interna que, por sua vez, encara os direitos sociais e trabalhistas como entraves à competividade. De uma perspectiva de esquerda, o movimento mais interessante da conjuntura atual, que tem conseguido articular, na prática, tática e estratégica, e que possui base social, é o que vem sendo capitaneado pelo MTST. A frente de esquerda dirigida pelo MTST tem apostado claramente na luta contra o ajuste fiscal, no Fora Cunha, na defesa da democracia e das reformas populares. São essas demandas que estão aparecendo na organização do ato do próximo dia 20 de agosto. Vejo na luta do MTST algo de promissor para as forças progressistas no Brasil.
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