Claudia Jardim, da BBC, de Caracas
Diferentemente do Brasil, que ainda debate se aprova ou não o projeto de lei que regulamenta a terceirização, na Venezuela, a contratação de terceirizados passa a ser definitivamente ilegal a partir desta quinta-feira. É quando termina o prazo para que empresas públicas e privadas incorporem à folha de pagamento todos os empregados vinculados a prestadoras de serviços.
Em 2012, o então presidente do país, Hugo Chávez, proibiu a terceirização do trabalho, com a aprovação da Lei Orgânica do Trabalho (LOT), que estabeleceu um limite de três anos para que funcionários terceirizados fossem absorvidos pelas contratantes.
No entanto, às vésperas do prazo final para a aplicação da lei, muitos venezuelanos que atuam como terceirizados continuam em dúvida sobre seu futuro.
A recepcionista Marina (nome fictício) é uma delas. Ela espera a chegada desta quinta-feira há pelo menos três meses, quando soube que estava grávida do primeiro filho.
“Minha única esperança era ser contratada pela empresa (multinacional em que trabalha) para passar a ter os benefícios dos demais empregados e garantir certa tranquilidade com os gastos da maternidade”, afirmou à BBC Brasil.
O convênio médico local ao qual Marina tem acesso é um dos mais precários e cobre somente 15% das despesas do parto.
“Se há uma lei que considero justa é essa, porque o que as empresas terceirizadas fazem é explorar o trabalhador e a empresa grande se livra de muitas coisas (encargos trabalhistas)”, critica a recepcionista, que se diz anti-chavista.
No entanto, assim como milhares de venezuelanos, Marina não sabe qual será seu futuro. A grande maioria ainda não conta com os benefícios básicos previstos na LOT, que, de acordo com Chávez, morto em 2013, deveria pôr fim à terceirização, qualificada por ele como a “escravidão do século 21″.
“Não conseguimos a meta de eliminar a terceirização para este 7 de maio, o processo está atrasado”, afirmou à BBC Brasil Carlos López, coordenador da Central Bolivariana de Trabalhadores Socialistas (CBTS). “Ainda estamos em condições de terceirização e de precarização também.”
Atraso
O número de trabalhadores terceirizados no país é impreciso. A Conindustria (Confederação Venezuelana de Indústrias) afirma que 80% dos trabalhadores terceirizados estão vinculados ao Estado ─ principal empregador no país petroleiro.
O setor da educação está entre os principais grupos que esperam a aplicação da lei. De acordo com a CBTS, ainda faltam ser contratados 27 mil dos 230 mil profissionais ligados ao ramo. A situação é similar nas áreas de telecomunicações, siderurgia e petróleo.
O atraso no cumprimento da lei ─ vista pelos trabalhadores como um dos legados de Chávez ─ entra uma vez mais no pacote de dívidas de seu herdeiro político Nicolás Maduro, que enfrenta dificuldades econômicas e políticas para manter o ritmo de governo impresso por seu antecessor.
Durante discurso no 1º de maio, Dia do Trabalhador, Maduro admitiu que há atraso no cumprimento dos contratos coletivos que devem ser assinados pelas empresas estatais.
“(Os contratos coletivos) serão assinados neste ano. (…) Com o petróleo a 40 (dólares por barril) ou a zero, os direitos dos trabalhadores serão garantidos”, afirmou Maduro, em referência à crise econômica que assola o país, entre outros fatores estruturais, devido a queda dos preços do petróleo.
“Parece um paradoxo, mas as empresas privadas vêm eliminando isso (os terceirizados), principalmente as grandes empresas”, afirma Carlos López, da CBTS.
Demissões
O fantasma das demissões aparece entre as médias e pequenas empresas. Empresários argumentam que podem ser obrigados a declarar falência diante da impossibilidade de arcar com a carga trabalhista de um número importante de funcionários. “Nossos sindicatos estão em alerta porque a aplicação (da norma que proíbe a terceirização) pode gerar uma onda de demissões”, afirmou López.
Se a empresa declarar falência, de acordo com a legislação venezuelana, os trabalhadores podem ocupá-la temporariamente para dar continuidade à produção e garantir os salários.
A LOT considera a terceirização uma “fraude” aplicada por empresários com o propósito de “desconhecer ou impedir” a aplicação da legislação trabalhista.
Ao proibir a terceirização, o governo pretende coibir a prática de empresários locais que abrem diferentes empresas relacionadas entre si (pequenas e médias) com o intuito de diferenciar os benefícios entre os trabalhadores e negociar separadamente os contratos coletivos, reduzindo assim a folha de pagamento.
Desconhecimento
Proibir terceirização representa dilema para Maduro em ano eleitoral, dizem especialistas.
“O problema é que ainda há muito desconhecimento tanto entre os trabalhadores como entre empresários sobre como a lei deve ser executada”, afirmou à BBC Brasil o advogado trabalhista Eligio Rodríguez, que há meses realiza palestras para os empresários venezuelanos sobre como atuar frente à aplicação da lei.
Apesar do prazo de três anos para que as empresas incorporassem os terceirizados, Rodriguez afirma que muitos patrões desconhecem o alcance da lei e estão acuados. “Os empresários estão cercados. Ou fecham as empresas ou espero que venham os processos judiciais (por não cumprir a lei)”.
Para Eduardo Garmendia, presidente da Conindustria (Confederação Nacional de Indústrias), a dificuldade dos empresários não é pagar o salário dos trabalhadores incorporados, mas sim arcar com os encargos sociais em meio à crise econômica.
“Se tenho o risco de não ter matéria-prima, se tenho as dificuldades para manter esse nível de produtividade, tomar a decisão de absorver todos os terceirizados é assunto complexo”, afirmou Garmendia à imprensa local.
Outro elemento que favorece os trabalhadores terceirizados é o decreto vigente desde 2000 que proíbe demissões no país. O trabalhador que for demitido sem justificativa grave – abandono de emprego por exemplo – pode recorrer ao Tribunal do Trabalho e processar a empresa. Na maioria dos casos, os patrões são obrigados a indenizar os empregados e em alguns casos, recontratá-los.
A recepcionista Marina diz que prefere continuar trabalhando a ter de recorrer à Justiça em busca de uma indenização. “Não quero passar o resto da minha gravidez nessa situação”, diz.
“Imagina ficar sem trabalho estando grávida; significa que não vou conseguir emprego nos próximos dois anos, quem vai me contratar?”
A LOT prevê ainda licença maternidade antes do parto e de 20 semanas no pós-natal.
“Ganho 300 vezes menos do que meus colegas contratados e não tenho acesso a vários benefícios”, afirma Marina, que trabalha há cinco anos na multinacional.
A Central Socialista de Trabalhadores estima que até o final do primeiro semestre os trabalhadores vinculados a empresas estatais deverão ser incorporados.
Dilema
Em um ano eleitoral, quando será decidida a nova composição do Parlamento venezuelano, especialistas veem dois caminhos possíveis: ou Estado pressiona o setor privado no próximo trimestre e aperta a fiscalização mais apertada para exigir o cumprimento da lei ─ correndo o risco de agravar a crise no setor produtivo ─ ou adia a aplicação da norma, o que pode dar novo alívio econômico ao governo, mas o o deixa em situação delicada com as centrais sindicais e sua base de apoio.
Marina diz estar otimista. “Estou preocupada, é difícil não saber o que vai acontecer amanhã, mas sei que a lei está a meu favor.”
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