por Claudia Jardim
de Caracas para a BBC Brasil
A polêmica em torno da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de adiar indefinidamente a posse do novo mandato do presidente venezuelano, Hugo Chávez -que convalesce em Cuba – colocou em evidência uma antiga fratura na coalizão opositora venezuelana.
A Corte Constitucional determinou a “continuidade administrativa” na gestão de Chávez, que não pode comparecer, por razões de saúde, à posse oficial do novo mandato de seu governo, na quinta-feira passada. Com este parecer, legitimou a continuidade do atual gabinete, incluindo o cargo de vice-presidente e ministros, até que Chávez retorne ao país.
Já a ala radical da oposição viu na decisão do Supremo uma possibilidade de se fortalecer. O grupo é minoritário e, segundo o analista político Leopoldo Puchi, vinculado à oposição, acredita em saídas “não democráticas” para chegar ao poder. O setor opositor considerado “moderado” contestou a decisão do Supremo, porém, disse “aceitar” a interpretação da Corte Constitucional.
Para Puchi, a ala radical continua “sonhando” com saídas semelhantes à “Primavera Árabe” (onda de protestos populares em países do Oriente Médio e norte da África que resultou na derrubada de vários governos autocráticos). A seu ver, esse grupo tem recebido importante apoio dos meios de comunicação privados para promover protestos.
Na avaliação de analistas ouvidos pela BBC Brasil, a divisão em duas frentes opositoras nunca deixou de existir, porém, voltou a acentuar-se depois da derrota do ex-candidato presidencial Henrique Capriles, em outubro do ano passado.
A segmentação se agravou com o fraco desempenho da oposição nas eleições regiões de dezembro, quando o antichavismo conquistou apenas três governos dos 23 Estados do país. “A partir desse momento surgem dois grupos, uma oposição leal às regras do jogo e ao sistema democrático e outra desleal a essas regras “, afirmou o analista político Farith Fraija.
Pragmatismo
O setor “moderado” da coalizão opositora optou por um “respeito pragmático” da decisão do Supremo, de olho na disputa eleitoral pela Presidência que pode ocorrer a curto ou médio prazo caso Chávez seja afastado definitivamente da vida política.
O governador Henrique Capriles, ex-candidato presidencial, tem sido o mais cauteloso dos dirigentes políticos opositores. Caso Chávez não possa retornar à Presidência e sejam convocadas novas eleições, ele aparece como o candidato opositor capaz de desafiar o vice-presidente Nicolás Maduro, herdeiro político de Chávez.
Ao comentar a decisão do Supremo, Capriles disse não estar de acordo com o parecer, porém, afirmou que o “aceitaria”. “Não estamos aqui para convocar enfrentamentos e colocar os venezuelanos para brigar uns com outros”, disse. “A luta para 10 de janeiro (data prevista para a posse) era para que se respeitasse a Constituição, não para mudar o governo”, disse. “O presidente é Hugo Chávez”, afirmou.
Capriles estaria num setor intermediário entre as duas alas da oposição, na opinião de Farith Fraija. “A atuação de Capriles obedece a uma avaliação pragmática do momento eleitoral e da realidade política e flutua de um lado a outro, dependendo da circunstância”, afirmou.
Para Capriles e para a ala “moderada” da oposição – que têm aspirações eleitorais – não interessa voltar a incentivar a polarização com protestos nas ruas, ao menos publicamente. Ao fazê-lo, na avaliação de Puchi, correm o risco de cimentar a rejeição do “chavismo light”- público alvo da oposição para poder sonhar com a cadeira presidencial.
“Não convém à oposição parecer apressada enquanto o presidente está convalescente, porque pode ferir sensibilidades dos segmentos que ela pretende conquistar e até mesmo de seus próprios eleitores”, afirmou Leopoldo Puchi.
A oposição defendia, sob a interpretação do artigo 231 da Constituição, que o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, o número três do núcleo duro do governo, assumisse interinamente a Presidência, por até 180 dias, ao ser declarada a “ausência temporária” de Chávez.
A ala “radical” da oposição, no entanto, não acatou o parecer da Justiça e tem convocado protestos de rua contra a continuidade do governo. Liderados pela deputada opositora Maria Corina Machado e pelo dirigente Leopoldo López, do partido Voluntad Popular os “radicais” não reconhecem o atual governo – em curso desde o último dia 10 – e afirmam que Maduro e os demais ministros estão “usurpando uma autoridade que não lhes corresponde”, segundo Machado.
“Nos encontramos na terrível situação de reconhecer e assumir que na Venezuela não há governo. O governo está em Cuba e de lá decidem o que fazer com o nosso país”, afirmou Machado, no sábado, diante de uma manifestação convocada pelo grupo opositor. Ali, um grupo de manifestantes levava cartazes com as frases “Fora (Fidel) Castro” e “Maduro ilegal”.
Grupos armados
No interior do país os protestos subiram de tom. Sedes de instituições públicas no Estado de Táchira foram atacadas por grupos armados no sábado. O governo local responsabilizou estudantes vinculados à oposição pela agressão.
No mesmo dia, um vídeo governamental transmitido em cadeia nacional de rádio e TV condenou a agressão e vinculou Machado e López aos protestos. No vídeo, o governo retransmitiu a advertência feita pelo vice-presidente Nicolás Maduro, dias antes, que antecipara reações violentas à decisão do TSJ.
“Aqueles da extrema-direita que queiram marchar, gritar consignas, podem fazê-lo no marco da lei. Essa oposição que sempre cai na tentação golpista nós chamamos à reflexão”, disse Maduro, na quinta-feira, durante a manifestação pró-Chávez.
A divisão opositora preocupa seus observadores. Somente unido, consideram os especialistas, o antichavismo pode gerar condições para enfrentar um candidato governista em eventuais eleições presidenciais.
Há um mês, desde que foi submetido à quarta cirurgia para combater um câncer na região pélvica, Chavez não é visto ou ouvido em público. De acordo com o governo, ele sofre de uma “severa” infecção pulmonar.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo