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3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.

Maria Onofre, uma brasileira

10 de Março de 2015, 8:21, por Desconhecido

Maria Onofre de Barros: “A construção de Belo Monte vai atrapalhar a região, pois é gente demais espalhada por ai. Tem gente morrendo”. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males
 

Dona Maria Onofre de Barros, brasileira, cearense, tem 73 anos e vive sozinha no Bairro Novo Horizonte, no município de Brasil Novo-PA. Viúva com filhos e netos espalhados pelo Brasil. Mesmo assim não perde a esperança em ter uma casa decente. Acredita que a violência na região de Altamira se deve à construção de Belo Monte, pois é “gente demais espalhada por ai” e “muita gente morrendo”.

É beneficiária de alguns programas sociais do Governo Federal e está brava com a reação da burguesia contra a presidenta Dilma Rousseff. “Pra mim ela é 10! A Dilma é minha mãe”, afirma emocionada dona Maria Onofre.

Joka Madruga está na região de Altamira para a reportagem fotográfica “Águas para a Vida”, que foi viabilizada com financiamento coletivo.

Você ainda pode colaborar acessando www.jokamadruga.com/aguas.

Por Joka Madruga
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Maternidade pública de Curitiba terá presença de doulas nos partos

9 de Março de 2015, 13:09, por Desconhecido

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

No último domingo, 08 de março, Dia Internacional da Mulher, a Prefeitura de Curitiba regulamentou o voluntariado de doulas na Maternidade Bairro Novo, referência em partos humanizados pelo SUS. Atendendo gestantes de baixo risco, a maternidade possui 43 leitos e desde 2013 realizou 4.085 partos, 75% deles de forma natural, de acordo com informações da Prefeitura.

A primeira turma de doulas foi formada em 2014, em cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde. As doulas acompanham as gestantes nas consultas, exames de pré-natal e nos primeiros cuidados das mães com os bebês.

A prefeitura é responsável pela gestão da maternidade há dois anos.

Paula Padilha, com informações da Prefeitura de Curitiba
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Categoria suspende maior greve na educação dos últimos 20 anos

9 de Março de 2015, 11:45, por Desconhecido

Mais de 10 mil educadores definem a suspensão da paralisação e consideram que atuação do Sindicato foi vitoriosa.

Foto: APP Sindicato

O estádio estava cheio e a arquibancada aplaudia fervorosamente a atuação em campo. No entanto, não se tratava de um partida de futebol, era a assembleia geral dos trabalhadores e trabalhadoras da educação pública do Paraná, reunidos na Vila Capanema, em Curitiba, para avaliar os rumos da greve nas escolas públicas estaduais.

Apesar do sentimento de desconfiança em relação ao governo estadual, a categoria decidiu, na manhã desta segunda-feira (09), pela suspensão da greve, após 29 dias de embates diretos com o governo do Estado. Com a suspensão, mantém-se o “estado de greve”, desta maneira, a mobilização continua, para garantir que os compromissos assumidos sejam cumpridos. 

Professores(as) e funcionários(as) deliberaram que é o momento de voltar às aulas, por considerarem que o desempenho do movimento possibilitou o debate e garantiu que pauta inicial da greve fosse atendida. Confira aqui a pauta inicial da greve.

Por que os(as) educadores(as) entraram em greve? - Por condições estruturais de atendimentos aos alunos e alunas e para que alguns direitos – já conquistados – não fossem arbitrariamente retirados dos(as) trabalhadores(as). A greve foi o cartão vermelho que a categoria deu ao governo para mostrar que as escolas públicas do Paraná não tinham condições dignas para o atendimento escolar. Havia atraso no pagamento dos(as) professores(as) temporários(as), uma redução drástica no número de funcionários(as), turmas fechadas, superlotação nas turmas abertas, cancelamento de programas educacionais que garantem o aperfeiçoamento dos trabalhadores(as) e ainda, o atraso nas verbas que garantem a compra de itens básicos, como material de limpeza, nas escolas.

O apito inicial que deu início à greve foi aconteceu quando o governo do Estado enviou à Assembleia Legislativa dois projetos de leis impopulares: um alterava o regime previdenciário de todo o funcionalismo público e mexia na aposentadoria de todos e todas que se aposentassem a partir da data de aprovação da medida. O segundo, tirava e alterava direitos na carreira dos educadores (restringia as promoções de carreira; retirava o direito a reajustes de benefícios como o vale-transporte; dificultava a retirada de  licenças para aperfeiçoamento, entre outros). A categoria deflagrou, então, a greve. Que começou em 9 de fevereiro com o mote: nenhum direito a menos! Essa não foi uma greve por reajustes salariais, por novos avanços e conquistas, foi uma greve de resistência para dizer ao governo: basta! 

Professores(as) e funcionários(as) foram às ruas em todo Estado e, na capital paranaense, montaram um acampamento em frente à sede do governo para mostrar a resistência física e moral às propostas autoritárias do governador. Educadores(as) usaram sua força organizativa para, pacificamente, protagonizar os protestos mais emblemáticos já vistos no Estado. Trabalhadores(as) ocuparam a assembleia, permaneceram por mais de 48 horas ocupando o plenário de votação – onde uma comissão geral havia sido instalada para aprovar, sem discussão, os projetos que feriam o funcionalismo – marcharam, distribuíram flores, mantiveram-se sob sol e chuva em luta e assim, mantiveram, durante toda a greve, a adesão da categoria e o apoio de 90% das famílias paranaenses. Para além, a greve, fez ainda despencar os índices de aprovação de um governador que, depois dessa paralisação, não teve mais como esconder a má administração pública e a postura desrespeitosa com a qual trata o funcionalismo e educação pública no seu Estado.

A luta foi intensa, o diálogo e adesão massiva forçaram o avanço no debate e a firmeza do Sindicato na condução desta greve histórica garantiram as vitórias necessárias para o retorno às aulas.

Por que os educadores(as) decidiram pelo fim da greve? A categoria avaliou, através do relato da direção estadual da APP e do Comando Estadual de greve e, assim,  votou pela suspensão da greve e pela manutenção do estado de greve (que significa que ao primeiro sinal de descumprimento da carta compromisso assinada pelo governo estadual, o sindicato poderá convocar uma assembleia para reinstaurar a greve). A categoria avaliou o resultado nas seguintes propostas:

Previdência - Projetos 06/2015 e 60/2015 retirados graças a ocupação. Vitória: governo aprovou projeto que coloca fim nas comissões gerais e se compromete oficialmente em não enviar nenhum projeto que altere a contribuição previdenciária sem o prévio debate com entidades sindicais.

Profissionais do regime PSS - Rescisões foram pagas.

1/3 de férias - Greve garantiu o recuo no parcelamento. Carta compromisso garante pagamento do direito em parcela única no ultimo dia útil. O auxílio-alimentação (R$ 103 por mês) para agentes educacionais está garantido e pagamento de parcelas em atraso quitado. Governo assumiu publicamente o compromissos de não atrasar mais os repasses que complementam os salários dos(as) educadores(as).

Pagamento das redes conveniadas - (educação especial, educação no campo) – Compromisso público do não atraso e pagamento de dívidas foram quitadas.

Salários - Este item não estava na pauta, mas em virtude dos desdobramentos das negociações, houve um debate intenso sobre o pagamento dos PSS. Será feito todo 5º dia útil de cada mês; o dos servidores e servidoras sempre o último dia útil. Compromisso no não atraso com nenhum dos segmentos.

Promoção e progressão - Debate intenso, são mais de 30 mil profissionais com direitos acumulados. O pagamento de maio para funcionários(as) e de junho de 2014 para professores(as) não havia sido efetuado e não havia diálogo sobre os atrasados. Na reunião mediada pelo desembargador Luiz Mateus de Lima, na última sexta-feira (06), o governo do Estado se comprometeu a quitar atrasados com funcionários(as) até agosto; e com professores(as) até outubro de 2015.

Desmonte e desorganização das escolas -  A Secretaria de Estado da Educação vem desorganizando as escolas desde o final do ano letivo de 2014, instaurando o caos. A ordem era “cortar despesas”, “eliminar gastos”, mesmo que para isso funcionários(as) tivessem que ser demitidos e alunos(as) fossem ‘amontoados’ em salas lotadas. O debate sobre este ponto foi um dos mais longos desta greve, com um total de mais de sete horas de duração. Sobre a superlotação de alunos(as) nas salas, governo assumiu compromisso de revisar número mínimo e máximo, e não usar o número máximo como base. Novas turmas serão abertas. Assumiram ainda o compromisso de retomar com as turmas de línguas, o Celem, com a Hora Treinamento, com o programa Mais Educação, e com os projetos tradicionais que as escolas já mantinham. Vitórias fruto da luta, das grandes caminhadas!

Concursados - Já foram nomeados(as) por decreto 463 professores e 1019 pedagogos. Agora, serão quase 6 mil novos(as) servidores(as) nas escolas públicas do Paraná.

PDE 2015 - O grupo selecionado para iniciar no mês de agosto está mantido, vitória da categoria.

Distribuição de aulas para PSSs - Compromisso de redistribuição conforme ordem de 2014.

Porte das escolas - Já enviados os critérios, conforme reivindicação, para uma nova resolução que trará os mesmo referenciais de 2014. Recontratações de funcionários e equipes pedagógicas maiores.

Licenças - Governo assume que manterá as licenças especiais para 2015 e que as licenças para mestrado e doutorado estão garantidas, conforme resolução específica.

Fundo rotativo - Atrasados quitados e garantida do depósito de duas parcelas extras para fundo rotativo para reparar prejuízos (danos, juros) causados pelos atrasos com as parcelas de 2014. Vitória!

Por que os(as) educadores(as) continuam em luta? O presidente da APP-Sindicato, professor Hermes Silva Leão, teve sua postura elogiada nesta greve pela firmeza na condução política do processo e relembra “Tivemos muitas conquistas, mas a pauta histórica da categoria tem mais de 50 itens. Ela foi formulada e aprovada desde abril do ano passado, a APP solicitou reabertura desta pauta para que este governo ou qualquer outro governo jamais ouse atacar os direitos da categoria. É uma greve de resistência considerada por este sindicato e por todo país como exemplo de mobilização”, explica o presidente.

A greve dos trabalhadores e trabalhadoras da Educação foi destaque, não só no país, mas recebeu menções e apoio internacional. Educadores(as), unidos(as) pelo Sindicato, enfrentaram um governador, uma bancada de deputados e deputadas favoráveis ao governo. Enfrentaram portões fechados na assembleia, cordões de segurança, ações na justiça, investimentos de milhões em publicidade paga pelo governo, e voltam às escolas fortalecidos, vencedores e vencedoras de uma partida histórica para a educação pública estadual.

As aulas voltarão ao normal, conforme o calendário escolar. Haverá agora, dois dias organizativos para reestruturação administrativa e pedagógica nas escolas e na quinta-feira (12) os alunos voltam as aulas com uma lição: a união  tem o incrível poder de educar e mudar os rumos da história. A primeira aula em sala de aula contará com um exemplo de cidadania de professores(as) e funcionários(as).

A suspensão da greve, marca o fim desta partida, mas a disputa continua, o estado de greve está mantido e a categoria seguirá firme dentro e fora de campo, dentro e fora das escolas. “A mobilização é para além da greve, é na escola, no nosso local de trabalho que também mostramos nossa força”, sintetiza a professora Walkíria Olegário Mazetto, secretária educacional da APP.

APP Sindicato

 



Tem veneno até na pinga, acusa Stédile, sobre o uso de agrotóxicos no Brasil

9 de Março de 2015, 10:37, por Desconhecido

Para líder do MST, o país precisa fazer um trabalho civilizatório de alerta à população sobre os perigos à saúde causados pelo agronegócio. ‘Estão tendo lucro a peso de vidas humanas’

Foto: cidadeaberta.org

Nos 30 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um de seus coordenadores nacionais, o economista João Pedro Stédile, não vê mais como prosperar, no Brasil, a luta pela reforma agrária tal como conhecida nos primórdios do MST. Ele observa que no senso comum das pessoas trata-se de repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. “E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade. Porém, os projetos de reforma agraria, feitos pelo governo com os instrumentos do Estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno”, diz.

O movimento, no entanto, avalia que a questão agrária não pode se resumir ao objetivo de proporcionar trabalho para segura as pessoas no campo. “A reforma agrária não é apenas resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade”, explica. Enfim, tem ser base de um novo modelo de desenvolvimento, que una na mesma planilha progresso industrial e sustentabilidade.

Stédile critica a permissividade com que se prolifera no Brasil o uso de agrotóxicos já proibidos em outras partes do mundo por sua agressividade ao ambiente e à saúde. Cita pesquisas que associam o veneno agrícola ao crescimento da incidência de doenças como câncer de próstata, de mama, mal de Parkinson e a problemas de infertilidade. Alerta que, no cigarro, a má fama fica com a nicotina, que só vicia – o que mata são os produtos químicos usados, sobretudo, no cultivo do fumo. E que a produção em larga escala de cana-de-açúcar levando o veneno também para a aguardente: “Pode largar mão de tomar pinga. No Brasil se bebe cachaça há 400 anos, mas antigamente não tinha veneno, e agora tem”.

Stédile vê o cenário político-institucional brasileiro dominado pelo poder econômico. E que a burguesia industrial perdeu a oportunidade de romper fazer um pacto de desenvolvimento porque prefere colocar o dinheiro na especulação financeira. “Por isso foram contra a CPFM. Porque o dinheiro deles está no banco, não na fábrica e na produção.” Diante da hegemonia do agronegócio no Legislativo e no Judiciário, e de um governo dividido pela composição de classes em seu ministério, não está otimista: “Estamos ferrados”. Ele, aposta, porém que “a médio prazo” haverá uma nova ascensão dos movimentos de massa, como foi de 1976 a 1989, empurrada pelo agravamento das contradições da política e do capitalismo brasileiro.

A quantas anda o potencial agressivo dos alimentos que a população consome?

O modelo do agronegócio é apenas um modelo de se ganhar dinheiro. Se o único objetivo é ter lucro, não importa se vão destruir a natureza, se vão usar venenos, se desempregam pessoas. Nos últimos dez anos, apesar de termos um governo progressista, o agronegócio expulsou em torno de 4 milhões de trabalhadores assalariados. O trabalho humano foi substituído por máquinas e pelo veneno. O uso do veneno, por esse modelo, não é uma necessidade agronômica. Para se produzir não precisa veneno, que é usado como uma forma de substituir a mão de obra que antes fazia as práticas agrícolas com tempo de trabalho, por exemplo a capina, um plantio mais cuidadoso. Agora, é máquina e veneno. Primeiro, para substituir a mão de obra. Segundo, como são monoculturas em larga extensão – ou só soja, ou só laranja, ou só algodão, ou só pasto – têm de matar, na lógica deles, todas as outras formas de vida vegetal ou animal. Não praticam uma agricultura. Querem produzir uma commodity. O veneno é a forma de matarem tudo que não é soja, que não é laranja, tudo que não é algodão.

E o veneno, em si, também é um negócio.

Há uma aliança de interesses. A Monsanto, por exemplo, fornece fertilizantes, veneno, e compra soja. A mesma coisa a Cutrale com a laranja. A mesma empresa ganha dinheiro com veneno e controlando o mercado, que tem origem nas fórmulas desenvolvidas pela Bayer, pela Basf, pela Du Pont, para os negócios das guerras. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial usaram muito. Depois, na Guerra do Vietnã. Quando terminaram as guerras, as fábricas de veneno pra matar gente e floresta em larga escala foram adequadas para a agricultura.

Há uma aliança permanente entre interesses – o grande proprietário, as empresas que compram a produção dele, que controlam o mercado das commodities e que ao mesmo tempo são as fabricantes de veneno. A Monsanto, por exemplo, fornece os fertilizantes, o veneno, e depois compra a soja. A mesma coisa a Cutrale com a laranja. Oferece o veneno, os adubos e, depois, compra a laranja. A mesma empresa ganha dinheiro com veneno e controlando o mercado, que têm origem nas fórmulas desenvolvidos pela Bayer, pela Basf, pela Du Pont, para os negócios das guerras. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial usaram muito. Depois, os Estados Unidos, na Guerra do Vietnã. Quando terminaram as guerras, essas empresas adequaram aquelas fábricas de veneno pra matar gente e floresta em larga escala para a agricultura.

Agora não é mais em larga escala?

São as mesmas empresas. É os efeitos são de extrema gravidade. Um punhado assim de terra (junta as mão em concha), tem mais de mil formas de vida. São aqueles bichinhos invisíveis, bactérias, que formam os nutrientes, senão a terra não produz nada. O veneno mata essas formas de vida. E contamina a água. Todas as grandes cidades do Brasil já têm água contaminada com mais de 20 princípios ativos de venenos agrícolas, inclusive em São Paulo. Essa água que a Sabesp nos fornece, que aparentemente é boa, mesmo sendo considerada potável tem mais de 20 contaminações, que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ainda considera tolerável porque está dispersa. Só que se tomar essa água todos os dias, aquele veneno, que é químico e não conseguimos ver, vai se acumulando no organismo e também nos alimentos. Está em doses mínimas, não vai matar na hora, mas vai se acumulando no organismo.

Como o consumidor de alimentos e dessa água pode imaginar alguma gravidade se ele, como diz o samba, “bebe sim, come sim, e está vivendo…”? Não seria um alarmismo falar que essa água e esse alimento são envenenados?

É uma necessidade da população saber o que tem naquele alimento. Em relação à água, que é mais problemático, os graus de contaminação, no Brasil, estão acima de qualquer país da Europa. Temos uma campanha nacional contra o uso do agrotóxico, da qual participam, inclusive, técnicos da Anvisa, para pressionar o governo a mudar a legislação e baixar os índices de toxidade a limites como os da Europa. E nos alimentos, a única coisa que a Anvisa faz é avisar. Fazem uma pesquisa a cada seis meses nos supermercados, só têm dois laboratórios no país que fazem, quando deveria haver um por cidade, e te avisam. Nós já estamos cansados de saber. Mas vamos avisar os leitores: os produtos que têm mais agrotóxico são o tomate, o pimentão, o morango e a maçã. Ultrapassam o tolerável. Se você está acostumado a, toda semana, comer maçã, é claro que você vai acumular mais veneno do que quem come banana. Se você está acostumado a sempre fazer a comida com pimentão, está frito, porque o pimentão vai transferir para o seu organismo um índice maior de veneno.

Mas se as pessoas não sentem os efeitos do veneno…

Aí vem a maior gravidade: os cientistas e médicos que trabalham no Instituto Nacional do Câncer (Inca) têm feito várias pesquisas e alertado que o veneno, quando se acumula no organismo, começa a atacar as células mais frágeis. É por isso que tem aumentado a incidência de alguns tipos câncer, que não têm mais relação com a idade das pessoas. Você pode ter câncer de próstata com 40 anos. Tem mulheres com 20, 30 anos, com câncer de mama. Por quê? Veneno. O professor Wanderlei Pignatti, da Universidade Federal do Mato Grosso, pesquisou durante dez anos mulheres de uma região do estado e encontrou resíduos de glifosato no leite materno. As mães que achavam, que estavam dando o melhor alimento do mundo, não sabiam que através do alimento que comiam concentravam também o veneno absorvido no leite; e as crianças, ainda bebês, estavam recebendo suas primeiras doses.

Esse mesmo professor fez outra pesquisa também muito interessante. Há um secante que é passado na soja, para uniformizar seu amadurecimento, porque na natureza não amadurece tudo ao mesmo tempo. Como querem usar a máquina, então têm de entrar quando todas estiverem maduras. Passam então um veneno, a base de glifosato, o chamado secante, que na verdade “mata” toda a soja. Aí vem a máquina e toda a soja está seca. Ao matar a soja, aquele veneno não é mais absorvido pelo grão. Vai para a natureza. Sobe como pó e, conforme o vento, vai para qualquer parte. Açude, horta, serra, qualquer lugar. Porém, esse professor fez uma pesquisa da maior gravidade, no Mato Grosso, onde chove muito: o veneno voltava com a chuva. De novo, a ação humana. Como no Mato Grosso chove por seis meses, no período de chuva guardam água nas cacimbas, nas cisternas. Aquela água da chuva já vinha com altas doses de glifosato. Na Europa e algumas no Brasil, estão fazendo correlações de incidência do glifosato não só com câncer, mas com outras enfermidades.

Por exemplo?

Há pesquisas científicas na Europa comprovando que pessoas que comem alimentos com índices exagerados de glifosato, que é o veneno mais disseminado, já apresentam baixa fertilidade. Os casais começam a não ter filhos e aí um a põe a culpa no outro, quando na verdade a culpa é do veneno. Também foram feitas pesquisas nos Estados Unidos em regiões onde o mal de Parkinson era mais incidente, e a relação que foi encontrada foi justamente essa. As pessoas tinham se contaminado, com os alimentos ou expostas ao veneno usado na agricultura, e desenvolveram maior propensão ao Parkinson.

Ainda assim, o uso dos agrotóxicos não incomoda as pessoas.

Essa questão me provoca, pois nós, como movimento social e como esquerda em geral, temos de fazer um trabalho civilizatório em alertar a população: é um verdadeiro crime o que está acontecendo por conta do agronegócio. Eles estão tendo lucro a peso de vidas humanas. O Inca advertiu que, a cada ano, surgem 500 mil novos casos de câncer, no Brasil. Grande parte deles vem do uso de venenos agrícolas. Mesmo as duas causas aparentes maiores, o tabaco e o álcool, no caso brasileiro: por que que tem uma incidência maior de câncer no tabaco? Porque para se produzir o tabaco, no Brasil, vão 30 tratamentos de veneno por ano. Aquele veneno vai para a folha e, depois, você aspira, da pior forma, vaporizado. É um veneno que vai direto para a sua garganta e o seu pulmão. Por isso que tem tanto câncer. A fama ruim do cigarro é a nicotina, mas a nicotina não causa câncer. Ela vicia. O veneno está no tabaco. A mesma coisa vale para a cachaça.

Mesmo na região de Salinas, por exemplo?

Sobre a região de Salinas, vou absolvê-la, porque conheço a região do norte de Minas e, de fato, a cana-de-açúcar dali, além de ser um microclima e uma variedade que só dá lá, portanto produz uma cachaça muito gostosa, lá não usam veneno, pois são tudo pequenas propriedades. Já em São Paulo, toda a cana-de-açúcar é cultivada com altas doses de veneno. Você, que é peão e está acostumado, pode largar mão de tomar cachaça. A cana tem veneno, vai para o alambique, a destilaria, quando se retira o mosto, fica a essência, transformada em álcool, junto com o veneno. Ao se tomar a pinga com frequência, vai absorvendo. Por isso que tem aparecido câncer entre os alcoólatras. Não é a cachaça o mal pior. Toma-se cachaça há 400 anos no Brasil e antigamente não tinha veneno, agora tem.

As organizações do movimento social rural, como o MST, via campesina, têm conseguido ampliar a cultura do orgânico nos assentamentos? Existe um projeto para fazer com que se cresça uma agroindústria baseada em produtos agrícolas familiares saudáveis?

Acho que é uma longa caminhada que envolve muitos fatores, por isso não é fácil de mudar do dia para a noite. Até oito anos atrás, ou até o Lula ganhar as eleições, não havia nenhuma faculdade que ensinasse agroecologia, o agrônomo não sabia como produzir com outras técnicas, na faculdade só se falava em adubo químico e veneno. De oito anos para cá, já estamos tendo cursos de agronomia baseados na agroecologia. Olha que demorado. Tem de formar os agrônomos, para que comecem a dar aulas para outros agrônomos e multiplicar o conhecimento, que é universal, das técnicas de agroecologia. Tivemos a sorte de ter aqui no Brasil a maior cientista da agroecologia de solos, que é a professora Ana Maria Primavesi, que tem 92 anos e produziu o conhecimento científico que embasa isso. Estudou profundamente a natureza do solo. Depois, tivemos de levar esse conhecimento para os agricultores e provar para eles que era possível produzir sem veneno. O terceiro campo é convencer o governo, que também é ignorante. Reflete a sociedade. Pela primeira vez, no ano passado – e teve de ser em nível da Secretaria-Geral da Presidência, porque nem o ministério da Agricultura nem o do Desenvolvimento Agrário quiseram se envolver – criamos o primeiro plano nacional de agroecologia, para fomentar o conhecimento.

Com a Embrapa, dá para contar?

Na Embrapa, eles foram muito espertos. Porém, tem duas ou três unidades da Embrapa onde se concentram os agrônomos de maior consciência, que centram as pesquisas em agroecologia. Mas de todas as pesquisas que estão fazendo na Embrapa, 80% interessa ao agronegócio e 20% à agricultura familiar. Esse é o quadro da Embrapa, e reflete um pouco na sociedade. Nosso esforço de anos recentes é fazer com que o governo tenha um olhar mais atencioso para a merenda escolar.

As compras públicas seriam um canal para estimular essa produção?

Exatamente. Agora, conseguimos estabelecer em lei que 30%, no mínimo, de toda a merenda escolar, no Brasil, que é financiado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação, e vai para as prefeituras, venha da agricultura familiar.

Só 30%, ainda sobra muito espaço para o Toddynho e o salgadinho…

Ainda sobra muito. Mas também estamos produzindo o Terrinha, que é concorrente do Toddynho, com leite e chocolate sem veneno. Então, é um esforço muito grande… Aqui mesmo, na prefeitura de São Paulo, até a entrada do Fernando Haddad, o anterior se fazia de sonso: “Como não tem agricultura familiar na cidade de São Paulo, não sou obrigado a comprar”. Mas a lei não diz que tem de ser do município. Diz que é da agricultura familiar. Agora, com vontade política da prefeitura, as mais de 3 mil escolas respeitam a lei e, no mínimo 30% da merenda sai da agricultura familiar. Outro movimento que estamos fazendo, em todo o Brasil: há uma proliferação de feiras agroecológicas. Todas as cidades do Brasil já têm. Algumas de maneira permanente, como a feira da Água Branca (São Paulo), em outras cidades fazemos em temporadas.

E fora dos grandes centros, como está o escoamento?

No Nordeste tem muitas feiras agroecológicas. O trabalho que estamos fazendo é hercúleo, mas necessário e, sobretudo, humanista. Ao produzir alimentos saudáveis, estamos salvando uma parte do povo brasileiro. No fim de semana de carnaval fui à Paraíba, por conta das celebrações do aniversário da Elizabete Teixeira, uma das grandes lideranças ainda viva das Ligas Camponesas, que fez 90 anos. Era também a comemoração dos 100 anos que faria o Francisco Julião, se estivesse vivo, e de 60 anos das Ligas. Aproveitei e andei na região de Campina Grande, visitando agricultores e experiências de agroecologia. Um agrônomo do sindicato local me disse: “Olha, há 15 anos Campina Grande e arredores tinha o maior índice de câncer da Paraíba”. De 15 anos para cá, com a assessoria da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa, programa da ONG Fase), eles treinaram agricultores e hoje, nos 20 municípios da região de Campina Grande não se usa mais veneno, porque lá é uma base só de agricultura familiar. Praticamente eliminaram o veneno. Disseram que não têm estatísticas, mas que praticamente desapareceu o câncer no meio rural, pelo que se registra nos hospitais. Isso é uma vitória fantástica. Começou salvando a vida dos agricultores, que é o primeiro a ser atingido pelo veneno, depois o consumidor, que não vai mais receber as doses diárias de veneno e só se dava conta no hospital.

Há uma perspectiva otimista de que a agricultura familiar possa crescer e disputar com o agronegócio um espaço maior, sobretudo nessas regiões em que o crescimento está se dando de maneira descentralizada?

Não tenho dúvida nenhuma. O chamado mercado dos produtos saudáveis, orgânicos ou agroecológicos, cresce em torno de 10%, ao ano. Por outro lado, a população se dá conta de que não é mais caro de se produzir na forma da agroecologia. Como é que ela está se dando conta? Porque estão surgindo mais feiras, então o preço é melhor, e isso está quebrando o monopólio dos supermercados. O que o Pão de Açúcar fazia, e ainda faz? Compra o produto orgânico dos pequenos agricultores, inclusive organizando centrais, onde o pequeno agricultor entrega e eles só lavam e colocam naquelas caixinhas padronizadas; porém, como sabe que o produto orgânico chega numa pessoa que tem mais consciência, classe média, aumenta o preço, para ter lucro máximo, em cima da disposição da classe média de pagar um pouco mais por um produto que tem o selo de garantia. Essa máscara está caindo, porque mais produtos estão chegando ao mercado, às feiras, e as pessoas começam a comparar: por que um quilo de tomate orgânico no Pão de Açúcar custa R$ 14 e na feirinha da Água Branca custa R$ 7?

As pessoas consomem orgânicos por consciência, ou estaria virando “grife”?

É perceptível em todas as regiões que aumentou a consciência da população, tanto pelos casos de saúde na família quanto pelo aumento da informação. Há muita informação que agora circula pela internet e que há dez não se tinha. O próximo passo é nós, como movimento social, nessa campanha contra os agrotóxicos, começarmos a buscar barreiras legais ao uso do veneno, coisa que a Europa já vem fazendo. Em toda a Europa é proibido usar pulverização aérea. Aqui é um festival, 60% dos venenos são passados com avião. Dois anos atrás, chegaram a “bombardear” uma escola, enquanto as crianças brincavam no pátio. Foram hospitalizadas mais de 200, porque aspiraram imediatamente. Foi em Rio Verde, Goiás. Um crime. A pulverização aérea nós temos que proibir, porque ela fica no espaço, no ar, no alimento, na água e mata tudo o quanto é ser vivo que existir. Toda a Europa já proibiu.

Essa proibição, enquanto não acontece por lei federal, não poderia ir sendo alcançada por leis municipais ou estaduais?

Nós tivemos alguns municípios que proibiram, como São Gabriel da Palha, no Espírito Santo. Havia uma grande propriedade de café, e o dono pulverizava veneno e todos os pequenos agricultores da região sofriam as consequências. Os pequenos fizeram um movimento, motivaram a Câmara, e proibiram. Nós estamos numa campanha cujo lema é “Banimento dos venenos que já foram banidos em outros países”. Porque determinados países proíbem o veneno e o que eles fazem? Trazem para cá. Se um país da Europa proibiu, é porque eles tiveram mais consciência e mais pesquisa para dizer que o veneno é mesmo perigoso. Há uma lista de mais de 20 desses venenos que ainda circulam no Brasil. O glifosato, princípio químico da maior parte dos venenos que se aplicam no Brasil, feito por uma fábrica da Monsanto no polo petroquímico de Camaçari (BA), já foi proibido na Holanda e na Bélgica.

Outra medida que é urgente: tributação. Sobre a água da Sabesp incide imposto, está lá na conta; ou se você comprar da Coca-Cola, ou da Nestlé, paga 17% de IPI. O leite paga imposto, o café paga imposto. Tudo paga. Ou IPI, ou ICMS, ou os dois. Mas os venenos estão isentos de impostos, no Brasil. Qual é a lei que determinou a isenção do ICMS para veneno agrícola? Nós fomos procurar saber. Na época do Fernando Henrique, década de 90, fizeram uma reunião de secretários estaduais da Fazenda e, como tinham hegemonia nos estados, junto com o secretário do Tesouro, fizeram uma ata renunciando à cobrança de ICMS sobre o veneno. Mais influência das multinacionais do que isso? Tem que ir lá, de estado em estado, dizer que essa lei é fajuta. Ninguém aprovou. Esses secretários não tinham mandato para isso. É preciso que as assembleias legislativas tomem para si essa responsabilidade e voltem a cobrar o ICMS dos venenos, para que pelo menos a sociedade recupere um pouco dos recursos para gastar com saúde, já que as fábricas têm um lucro fantástico.

Como acontece com tabaco e bebidas?

Quem sabe, no futuro, consigamos o que na indústria tabagista já se conseguiu, em outros países. Se se comprovar que a causa do câncer do cidadão foi o veneno agrícola, quem tem que pagar o tratamento é a Bayer, a Basf, a Monsanto, quem fez o veneno. Assim como nos Estados Unidos já fazem em relação ao tabaco. Se você comprovar que o teu câncer é por causa do tabaco, a empresa que fabricou o tabaco vai ter que pagar o seu tratamento, e não a sociedade. Mas isso seria um sonho. Espero, também, nessa mesma política, que as prefeituras nos ajudem a produzir material para esclarecer as crianças e os professores dos perigos disso, para começarmos lá na base e elas mesmas, as crianças, recusarem. Por exemplo, quando ela compra uma batata frita, ela perguntou quanto veneno tem na batata? E ela começa a comer batata frita no recreio.

Na cantina ela compra batata frita, refrigerante, suco de caixinha, coxinha…

Tudo o que é pior. Por exemplo, o abacaxi é uma das frutas que mais utiliza veneno, depois que começou a ser produzido em escala pelo agronegócio em grande propriedade. Quando era o pequeno agricultor, ele tinha meio hectare de abacaxi, porque dá muito trabalho, então ele cuidava de meio hectare. E, na medida em que ia amadurecendo, colhia. Agora não. Eles amadurecem na marra, com veneno. Vão colocando já na flor do abacaxi. O veneno cai em conta-gotas, para amadurecer tudo igual. Quando se vai comer um abacaxi, já vem a dose de veneno, que vai para o suco, e assim por diante. Além do que a maioria desses sucos de caixinha, para ele sobreviver dentro da caixinha, vai conservante. Conservante também é um veneno, porque é para matar os fungos e as bactérias. O que nós, como movimento da agricultura familiar e da agroecologia, dizemos: tem de se abandonar as embalagens de plástico e voltar para o vidro. E cadê as fábricas de vidro? Não tem, porque só duas fábricas multinacionais, no Brasil, fazem vidro, e a produção prioriza o automóvel e a construção civil. Quando a nossa cooperativinha tenta encomendar mil frascos para geleia natural, não tem.

As cooperativas todas não têm condições de criar demanda para essa indústria?

Claro que tem. Lá no Uruguai, na época do neoliberalismo, houve uma greve da única fábrica de vidro do país, uma multinacional espanhola. Na fábrica, para transformar areia em vidro, precisa de mais de mil graus de temperatura. O forno não pode desligar. E os operários fizeram a greve e desligaram o forno. O capitalista ficou puto, pegou o seu capital, voltou para a Espanha e fechou a fábrica. Os operários, que só sabiam fazer vidro, o que fizeram? Fizeram uma assembleia e religaram o forno, transformaram numa cooperativa e está lá, funcionando. Quando começamos a ter problemas, fomos comprar vidro do Uruguai. E nos perguntaram por que não montávamos uma fábrica. Então, ajudaram com um projeto e vão nos dar assessoria, tomara que o BNDES financie, para montarmos uma fábrica e começarmos a fazer vidro destinado às cooperativas que produzem alimentos. O negócio é demorado, mas esse é o caminho em todo o mundo.

A reforma agraria parou no Brasil? Continua? Está aquém do que precisa? Em termos práticos e teóricos, em que pé que está?

No senso comum das pessoas, se perguntar o que é a reforma agrária, todo mundo tem na cabeça que é repartir o latifúndio e entregar para os sem-terra. E é isso mesmo, na essência, romper com a grande propriedade, sinônimo de latifúndio. Só a (ministra da Agricultura) Kátia Abreu não sabe, porque ela estudou psicologia. Se tivesse estudado português, saberia que latifúndio é sinônimo de grande propriedade. Ela diz que não tem mais latifúndio, no Brasil, embora ela mesma tenha 3 mil hectares. É latifundiária sem saber. Porém, os projetos de reforma agraria, feitos pelo governo com os instrumentos do estado, só se viabilizaram, no passado, porque eram política combinada com um projeto de desenvolvimento nacional que objetivava desenvolver a indústria para o mercado interno.

Aquele país comunista, os Estados Unidos, começou assim.

Só viraram ricos por causa disso, com a lei de reforma agrária que fizeram em 1872, quando o norte, industrial, fez guerra contra o sul, latifundiário e escravista, e ganhou. Distribuíram terra para todo mundo, 64 hectares, nem mais, nem menos. Essa foi a sabedoria do presidente Abraham Lincoln, que escreveu a lei de reforma agrária. Toda família americana, tinha, por lei, direito a 64 hectares. E mais, era autoaplicável. Não precisava o Incra ir lá. Depois de comprovar que morava há cinco anos em cima daquela terra, para o trabalho, ia ao cartório com dois vizinhos de testemunha e o governo concedia o título. Isso foi a base para os Estados Unidos virarem a maior potência industrial do mundo. Coincidência ou não, 64 hectares é mais ou menos a escala ideal para um trator médio trabalhar. Em poucas décadas de reforma agrária, em 1920, os agricultores americanos tinham 900 mil tratores. Sabe quantos temos na agricultura brasileira? Cem anos de industrialização, no Brasil, produziram apenas 880 mil tratores. Aquela reforma agrária só se viabilizou porque foi casada com um projeto de desenvolvimento da indústria, porque transformava o camponês pobre e sem-terra em um produtor de mercadorias e consumidor da indústria.

E nunca chegamos perto disso aqui?

Aqui no Brasil, o projeto que chegou mais próximo dessa reforma agrária foi com o Celso Furtado, em 1964. Ele foi sábio. Disse “vamos desapropriar todas as propriedades acima de 500 hectares”. Com isso, estabelecia um limite. Pra que se quer 100 mil hectares, ou 300 mil, como tem o (senador) Blairo Maggi? É absurdo. Porém, não em qualquer lugar. O projeto do Celso Furtado era desapropriar essas áreas, acima de 500 hectares, ao longo das rodovias federais, 10 quilômetros de cada lado, para o camponês ficar perto do asfalto e perto das cidades. Assim, ele ia ter luz elétrica rápido e, atrás da luz elétrica, viria a geladeira, o fogão, a televisão, o ferro elétrico. Ou seja, a indústria chegaria lá. Qual foi o resultado dessa proposta do Celso Furtado? O golpe militar. Depois, na redemocratização, o José Gomes da Silva, nosso amigo, que era da equipe do Lula e pai do José Graziano, hoje presidente da FAO, tentou recuperar essa ideia e fez um projeto que previa o assentamento de 1 milhão e 400 mil famílias. Ele entregou o projeto em 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, e o Sarney o demitiu no dia 13. Durou nove dias esse projeto de reforma agrária. A pergunta subsequente é…

Por que o Lula não fez a reforma agrária?

Na generosidade dele, acredito que ele até queria. Por que a reforma agrária está bloqueada até agora? Porque falta ao Brasil um projeto de desenvolvimento nacional e industrial. Ao contrário, a indústria vem diminuindo. Na década de 80, a indústria pesava 50% do PIB, hoje é 16%. Não se pode fazer uma reforma agrária em que é só dividir a terra, sem estar casada com um projeto de desenvolvimento nacional. Como nos falta um projeto, falta também uma burguesia industrial disposta a bancar esse projeto. Os camponeses, sozinhos, 10% ou 15% da população, não têm forças políticas para impor. Não há condições políticas, atualmente, no Brasil, para fazermos aquela reforma agrária clássica. Eu fui dar palestra na Fiesp e disse: “Vocês são burros! Estamos querendo fazer parcerias com vocês para desenvolver a indústria, a agroindústria, mas vocês não querem. Querem ganhar dinheiro com juros.” Era na época em que eles faziam a campanha para acabar com a CPMF. Por que queriam acabar com a CPMF? Porque o dinheiro deles estava no banco, e não nas fábricas.

Não vale mais a pena lutar pela reforma agrária?

O que nós dissemos, depois de muitas reflexões, nos últimos anos é que agora a reforma agrária mudou de tipo. Que tipo de reforma nós temos de fazer? Um outro tipo, que nós chamamos de popular. Centrada na produção de alimentos saudáveis. A outra reforma agrária estava baseada na palavra de ordem que os camponeses gritavam, na América Latina inteira: “Terra para quem nela trabalha”, que o Zapata inventou. Hoje não tem sentido fazer uma reforma agrária só porque o camponês precisa trabalhar, até porque ele te diz que pode trabalhar de pedreiro e ganhar mais. A reforma agrária não é apenas para resolver um problema de trabalho. Tem de ser para resolver o problema do veneno, da alimentação sadia. De garantir um futuro, de fazer uma agricultura que respeite o meio ambiente, que respeite a biodiversidade. Por que está faltando água em São Paulo? É por que o Alckmin não fez investimentos e privatizou a Sabesp? É, mas não é só por isso. É porque os mananciais que abasteciam o Cantareira, lá em cima do morro, secaram. E o que faz encher um açude, em qualquer parte do Brasil, são as fontes, córregos e nascentes.

Por que secaram?

Por causa de uma agricultura predadora, baseada no monocultivo e no veneno. Olhem ao redor da Cantareira. Ou tem eucalipto, que suga 60 litros de água por dia, ou não tem nada. Ou, virou monocultivo de cana. Essa prática do agronegócio está afetando a vida das pessoas, inclusive nas cidades, seja pelo alimento contaminado, seja pelo desequilíbrio climático, por conta das práticas agrícolas. Então, temos de repartir melhor a terra para aplicar um outro modelo de agricultura, que seja em equilíbrio com a natureza, que não altere as chuvas, que não altere o clima. Que plante árvores. As árvores caem em São Paulo por causa do vento, não porque estão velhas. Uma árvore dura a vida inteira. E por que o vento, aqui, é mais forte? Porque já não encontra mais resistência nas imediações de São Paulo, então vem com um velocidade enorme e derruba. Nós temos de fazer uma reforma agrária que refloreste o país, porque a árvore é uma fonte de vida perene. Depois que se planta uma árvore, ela fica uma vida inteira. Se for uma árvore frutífera, em todo ano ela te dará alimento. O agronegócio vai reflorestar o país? Imagina…

Ninguém mais quer viver no interior, igual ao Jeca Tatu. Como se leva comodidades para o interior?

Leva com a agroecologia, que são técnicas que fazem com que se aumente a produção, com menos esforço físico. Leva com a agroindústria. Ou seja, em vez de o agricultor vender o leite in natura para a Nestlé e receber R$ 0,55, para depois ver, no supermercado, o mesmo leite, agora com água e mais conservante, a R$ 2. Como se leva esse lucro para o agricultor? Isso é possível? É. Nós temos uma cooperativa, em Paranacity, no norte do Paraná, em que 36 famílias produzem tudo coletivamente. Produzem o leite orgânico. Cuidam das vacas, com pasto sem veneno, plantam cana para as vacas comerem. Produzem todo o leite necessário para o município, e todo o dia, de manhã, pasteurizam o leite e levam aos mercados, padarias e escolas. 36 famílias alimentam 10 mil pessoas com leite, e vendem a R$ 1. Ganham o dobro, o consumidor paga a metade e percebe a diferença. Esse é o nosso novo modelo. Uma reforma agrária popular que não interessa só aos camponeses. Interessa a toda população, através dos alimentos, da pureza e da disseminação da agroindústria, pequenas agroindústrias por todo o país.

Tem espaço para isso na política? Vontade política basta para isso? Ou a mentalidade do poder econômico, no Brasil, ainda está muito atrasada? Congresso, Judiciário…

Na política atual, nós estamos ferrados. Na política atual, quem tem a hegemonia é o agronegócio, com a bancada ruralista no Congresso, com seus juízes, a maioria casados com filhas dos latifundiários, e com um governo dividido. Temos o Patrus Ananias, que é de esquerda, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, e a Katia Abreu, da direita, na Agricultura. Como é que o governo chega a uma conclusão, se tem no ministério uma composição de classes? Qual é a nossa esperança? É que os problemas vão se acumulando, na sociedade brasileira. As contradições estão aí para buscarmos as verdadeiras soluções. Por mais que a mídia falsifique a realidade, a médio prazo, temos de apostar na inteligência humana e que as pessoas vão se dar conta de onde está a verdade. Nós apostamos que, a médio prazo também, haverá uma reascensão dos movimentos de massa, no Brasil, como foi de 1976 a 1989.

É comum os líderes do agronegócio alegarem que se não fosse por eles, inclusive com a produção de “defensivos agrícolas”, não seria possível alimentar a grande massa de gente que se tem hoje, não só no Brasil como no Mundo.

No Brasil, apesar de nós termos 360 milhões de hectares de propriedade privada que são agricultáveis, e já têm dono, só se cultivam 64 milhões de hectares. O absurdo começa aí. Por que se cultiva tão pouco? Porque está monopolizado. Nesses 64 milhões de hectares que se cultiva, 15 milhões são agricultura familiar, o restante é agronegócio. O que se planta nesses 50 milhões de hectares e, portanto, que dizem salvar o Brasil? Plantam soja e milho, combinados, plantam algodão, eucalipto e cana-de-açúcar. Note se na sua mesa você cai encontrar esses produtos. Vai ter óleo de soja, uma fritura. O que mais? Ou seja, a maior parte da produção não tem nada a ver com a cesta alimentar. Vai lá na Conab (Companhia Nacional do Abastecimento). Nosso sonho é transformar a Conab em uma grande empresa estatal. A Conab está comprando hoje, produzidos nesses 15 milhões de hectares da agricultura familiar, 297 tipos diferentes de alimentos. Esses são os que alimentam o povo. Aí você encontra o arroz, o feijão, as frutas, o leite, a carne. A carne de frango é fornecida pelo frigorífico, mas quem cuida do frango? É o pequeno agricultor. A carne de porco, a mesma coisa. A agricultura familiar produz 297 alimentos. O agronegócio produz isso aí: soja, milho, algodão, eucalipto e cana, e se diz salvador da pátria. Agricultura pesa 11% no PIB, mas dizem que carregam a economia. É para isso que existe a Globo.

Mas eles reclamam que o governo dá as costas para eles.

Esses 50 milhões de hectares, que gera os 11% do PIB, são financiados, todos os anos, com algo em torno de R$ 160 bilhões. De onde vêm esses R$ 160 bilhões, já que dizem que carregam o Brasil nas costas? Sabe de onde vem? O governo obriga que 40% dos depósitos à vista sejam destinados ao agronegócio, ao financiamento da agricultura. Portanto, quem está financiando a agricultura são os correntistas de depósitos à vista, que não recebem nada. Aí o fazendeiro pega R$ 1 milhão para plantar soja. O governo ainda combina com ele. O banco diz: “Não vou emprestar para esse cara. No comércio, recebo 48% de juros. Por que vou emprestar a 12%?”. Então, o governo faz mais um acerto: pega do Tesouro e paga para o banco mais 12%. O Tesouro nacional – ou seja, todos nós – gasta todos os anos 12% sobre esses R$ 160 bilhões. Então, quem é que está carregando o Brasil?

Por Paulo Donizetti de Souza
Rede Brasil Atual 



Cidade de Brasil Novo (PA) também sofre as consequências de Belo Monte

9 de Março de 2015, 9:22, por Desconhecido

Menino atingido pela barragem de Belo Monte brinca com pipa, em um acampamento no município de Brasil Novo, no Pará. Março de 2015. Foto: Joka Madruga

Neste domingo, 08 de março, Joka Madruga visitou uma cidade chamada Brasil Novo, no Pará, pelo projeto Águas para a Vida. “O IBGE diz que ela tem 14 mil habitantes. Os moradores dizem que tem 20 mil. Mas com 14 ou 20, o triste é que a cidade não tem hospital”, relata o fotógrafo.

De acordo com relatos da população local, a Norte Energia, empresa que está construindo Belo Monte, ofereceu cerca de 3 milhões de reais para construir um hospital. “Mas a prefeita ainda não apresentou um projeto para a verba ser liberada. Uma realidade do Brasil velho”.

 



Belo Monte e a violência contra as mulheres em Altamira-PA

6 de Março de 2015, 13:43, por Desconhecido

Cerca de 100 pessoas participaram do protesto em Altamira-PA. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

Aconteceu nesta sexta-feira (06) um ato de repúdio à violência contra as mulheres em Altamira-PA. A manifestação aconteceu em frente a Delegacia de Polícia Civil, onde aproximadamente 100 pessoas se fizeram presente e o tom dos discursos era de denúncia e cobrança das autoridades.

Em Altamira os dados da violência contra as mulheres são alarmantes. Somente no ano de 2014 foram mais de 300 ocorrências, onde a mulher foi vítima de algum abuso. Em janeiro de 2015 foram assassinadas duas mulheres, segundo o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira do Campo e da Cidade. E estes números cresceram com o inicio das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Dona Raimunda: com a vinda da usina de Belo Monte sabíamos que os problemas sociais viriam. E o aumento da violência não é só contra as mulheres mas de um modo geral, inclusive no trânsito. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

A obra é em Vitória do Xingu, mas os impactos sociais vão todos para Altamira, que recebe toda a demanda que sofrem hoje. “A mobilização de hoje foi para sensibilizar as autoridades, em especial o governo do estado que tem sido ausente”, afirma dona Maria Raimunda dos Santos Lima, coordenadora do Movimento de Mulheres de Altamira.

Monica: muitos maridos dizem que se elas forem na delegacia, elas morrerão. E isto as amedrontam. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

“A Delegacia da Mulher não funciona nos finais de semana porque não tem infraestrutura e as denuncias vão para a Delegacia de Segurança Pública. Muitas mulheres gostariam de fazer a denuncia mas o fato de não verem resultados, por parte das autoridades, as intimidam” informa Monica Brito Soares do Movimento de Mulheres Negras e do Movimento de Mulheres da Transamazônica Xingu.

Lenilda: “foi um desrespeito enorme chegar de paraquedas. Isto aqui é so o começo, não foi um bom negocio para a região”. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

“A construção de Belo Monte foi a maior tragédia do Xingu. Pois Altamira e outros municípios não estavam preparados para receber esta obra. Toda a região tem capacidade para se desenvolver  sem precisar destruir o Xingu. Altamira vai sofrer a maior consequência, pois ela que receberá menos royalties e é ela que recebe todo o fluxo de pessoas sem estrutura. Para isto deveriam ter preparado a cidade com infraestrutura, as empresas não estão absorvendo todas estas pessoas que procuram emprego. Nossa região não precisava de mais uma hidrelétrica, sabemos que o Brasil precisa, mas poderiam ter procurado outra região mais compatível. E quando terminar a obra ficara pior, pois milhares de pessoas ficarão desempregadas”, relata Lenilda de Souza, funcionaria pública.

Edizângela discursa durante a mobilização pelo Dia das Mulheres. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

“Estamos aqui para denunciar a violência contra as mulheres e contra os direitos humanos devido a estes empreendimentos em nossa região. Nos últimos anos houve um aumento da exploração sexual, em especial a infantil”, denuncia Edizângela Barros, conselheira tutelar de Altamira e do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Fabiano: “é uma violência contra a mulher, mas antes de tudo é uma violência contra as pessoas que a gente ama”. Foto: Joka Madruga/Terra Sem Males

“Lutamos para que a questão da violência contra a mulher não continue sendo esta realidade feroz, que tem sido na nossa cidade. Isto tem incomodado a gente. E devido a estas relações sociais as mulheres tem sofrido com a violência doméstica, por achar que elas são apenas objetos sexuais”, declara Fabiano Vitoriano, professor e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Esta fotorreportagem faz parte do projeto “Águas para a Vida”. Acesse www.jokamadruga.com/aguas e contribua.



HSBC: Bancários querem garantia de emprego

6 de Março de 2015, 13:27, por Desconhecido

Ato realizado nesta sexta (06), no Palácio Avenida, expôs escândalos envolvendo o banco inglês.

Foto: Daniela Carvalho/SEEB Curitiba

O Sindicato dos Bancários de Curitiba e região, juntamente com a Fetec-CUT-PR e a Comissão de Organização dos Empregados (COE/HSBC), realizou, nesta sexta-feira, 06 de março, um ato em defesa do emprego dos bancários do HSBC. Diante das denúncias mundiais envolvendo o banco inglês, os dirigentes sindicais expuseram aos curitibanos os fatos que estão sendo apurados sobre os 106 mil clientes, suspeitos de sonegação de impostos, em 203 países.

“Não é justo que o HSBC se aproveite de falhas nas regras fiscais dos países para ajudar clientes dispostos a sonegar impostos e esconder dinheiro em paraísos fiscais e ainda saia impune. Queremos fiscalização por parte das autoridades e órgãos competentes”, destacou Cristiane Zacarias, coordenadora nacional da COE/HSBC.

As denúncias apontam que somente os correntistas brasileiros tinham cerca de US$ 7 bilhões, nos anos de 2006 e 2007, no banco em Genebra. Eram 6.606 contas e 8.667 clientes envolvidos. “Por isso, é fundamental que o Senado dê andamento à CPI que está proposta e que a Polícia Federal também investigue as denúncias”, destacou Marcio Kieller, vice-presidente da CUT-PR, durante o ato.

Acesse aqui a matéria completa, o vídeo sobre o ato e o panfleto distribuído à população.

Renata Ortega
SEEB Curitiba



Sem Chávez há dois anos, integração regional enfrenta desafios econômicos e políticos

6 de Março de 2015, 12:34, por Desconhecido


Wikicommons

Para discutir como ficou a América Latina após a morte do líder, Opera Mundi entrevistou três especialistas: Wagner Iglecias, Valter Pomar e Rafael Villa

Com a morte do ex-presidente Hugo Chávez, em 5 de março de 2013, a América Latina perdeu um dos mais convictos e controversos defensores da integração regional. Os principais eixos de seu discurso integracionista foram a necessidade de a região se afastar dos Estados Unidos e a mudança do caráter econômico dos processos que vinham sendo realizados. Para o venezuelano, o rumo deveria ser outro, que passasse a contemplar o desenvolvimento humano e cultural, para além do capitalismo.

Embora os países da bacia do Prata tenham feito diversos acordos no sentido de uma maior integração ainda em meados do século 20, foi somente a partir do início do novo milênio que a ideia passou a fazer parte da agenda política da região. É possível, no entanto, dizer que a morte de Chávez, há dois anos, deixou um vácuo de liderança no processo integracionista no subcontinente? Teria este movimento perdido força? Para responder a estas perguntas, Opera Mundi conversou com três especialistas na questão.

Liderança na América Latina

O doutor em Sociologia e professor do Prolam (Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP) Wagner Iglecias concorda que há um vazio de liderança a partir da morte do líder venezuelano. “Chávez desempenhou um papel fundamental na discussão sobre a importância da integração dos países latino-americanos no contexto multipolar para o qual o mundo se encaminha neste início de século”, avalia.

Ele ressalta, no entanto, que à ausência do líder venezuelano devem ser somadas também a dos ex-presidentes argentino, Néstor Kirchner, e brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Embora reconheça que a integração regional não deve ser baseada em personagens políticos, Iglecias pondera que os três ex-presidentes tiveram um papel fundamental para impulsioná-la.

Por outro lado, o professor de economia política internacional na Universidade Federal do ABC, doutor em história e ex-secretário-executivo do Foro de São Paulo Valter Pomar ressalta que Chávez não foi “o” líder da integração. Ele também nega que as atuais dificuldades na integração se devam à ausência de uma liderança. “Ao afirmar isto, aceita-se a principal tese dos setores conservadores de que a integração latino-americana é algo voluntarista, subjetivo, artificial e que depende do ativismo personalista de certos líderes”. O processo de integração teria, assim, “uma dimensão material, objetiva, econômico-social. E é nesse nível que estão ocorrendo os problemas atuais da integração”, observa.

O posicionamento é em certa medida compartilhado pelo cientista político venezuelano e professor pós-doutor do departamento de Relações Internacionais da USP Rafael Antonio Duarte Villa. Ele reconhece que Chávez foi um “grande peso impulsionador do processo de integração latino-americana”, mas, para além da morte dele, o que “preocupa é o contexto de dificuldades econômicas e políticas que vive a região”. Apesar de a ausência de Chávez ser um fator, é preciso considerar “todo o conjunto, como os problemas domésticos de Brasil e Venezuela”.

Novo impulso integracionista

Para Pomar, “o sucesso da integração depende, em boa medida, da cooperação entre Argentina, Brasil e Venezuela”. Mas, pondera, “nos três países, está em curso uma crise política que tem dois desfechos possíveis: ou o retorno da direita ou o aprofundamento das transformações e, enquanto a crise política nesses países não for resolvida, a integração marcará passo”.

Mas, para Villa, as dificuldades atravessadas pelos países são conjunturais e não devem enfraquecer o processo. “Se olhar para a história nos últimos 30 anos, os países latino-americanos passaram por diversas crises e saíram mais fortes, foram ampliando suas bases. No atual contexto, há uma retração na atuação, mas isto não significa o fim dessas iniciativas. O que ocorre é um momento de pressão e baixo perfil político”.

Iglecias, por sua vez, acrescenta que um novo impulso na integração regional depende fundamentalmente de dois fatores: vontade de articulação política e dinheiro. “Sem recursos financeiros para viabilizar iniciativas como o Banco do Sul ou a PetroCaribe, os projetos ventilados pela Unasul [União das Nações Sul-Americanas] relativos à integração física do nosso continente não sairão do papel”, avalia.

Papel do Brasil

Sobre uma possível predileção do governo brasileiro com relação aos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), em detrimento das políticas voltadas à América Latina, Villa pontua que o fato de o Brasil ter se empenhado no fortalecimento dos Brics “não o exclui o processo latino-americano”.

Entretanto, para Iglecias, “o papel do Brasil é construir uma integração que crie oportunidades para que os países menores e mais pobres possam ter acesso a oportunidades de melhoria das condições de vida de sua população. Além disso, o Brasil tem de ser um fiador da democracia, da não ingerência nos assuntos internos dos países, da promoção da paz e da construção de uma inserção mais autônoma da América do Sul no mundo”.

Este papel não seria muito diferente, na avaliação de Iglecias, do imaginado por Chávez para a Venezuela — ele próprio, ao longo de seu mandato, trabalhou ativamente para impulsionar iniciativas como a Alba e a Unasul. Desta forma, afirma Iglecias, o papel de liderança caberia a Dilma Rousseff, já que tanto o presidente venezuelano Nicolás Maduro, quanto seus homólogos de Equador, Rafael Correa, e Bolívia, Evo Morales, estão muito demandados por questões domésticas.

Já Pomar é categórico ao afirmar que, para ajudar a impulsionar a integração latino-americana, o Brasil deve aprofundar internamente o projeto de reformas sociais. “O país precisa executar o programa vitorioso nas urnas de 2014. Se fizermos isto aqui dentro, terá repercussão positiva no exterior, em favor da integração”, conclui.

Por Vanessa Martina Silva
Do Opera Mundi



Guantánamo: ex-presos falam sobre a vida no Uruguai após três meses de liberdade

6 de Março de 2015, 11:01, por Desconhecido

Ex-preso de Guantánamo mostra foto da visita que recebeu do ex-presidente Pepe Mujica (Divulgação Agência Brasil).

Sorridente, de camisa quadriculada, Abdelhadi Faraj poderia se passar por turista, em férias no Uruguai. No computador da antiga casa de Montevidéu, ele mostra as fotos da viagem à cidade histórica de Colônia, a convite de um empresário local. O sírio, de 34 anos, aparece junto com seus companheiros em uma fazenda, na piscina, compartilhando um churrasco e sobrevoando, em um jatinho particular, o país que o acolheu. Nem parece que Abdelhadi vive em liberdade há apenas três meses, depois de passar um terço da vida em Guantánamo – a prisão militar norte-americana em Cuba, para onde foram levados centenas de suspeitos de terrorismo, depois do ataque de 11 de setembro de 2001 às torres do World Trade Center, em Nova York.

Detido em 2002, enquanto tentava cruzar a fronteira do Afeganistão com o Paquistão, ele poderia ter saído de Guantánamo em 2009, quando o governo americano – apos reexaminar seu processo – determinou a transferência. “No entanto, permaneci outros cinco anos nessa prisão, desesperado ao ver que meu próprio país – a Síria – mergulhava em uma sangrenta guerra civil, tornando a minha repatriação impossível”, conta Abdelhadi, em carta de agradecimento que publicou no jornal El Pais, assim que desembarcou em Montevidéu em dezembro. “Se não fosse pelo Uruguai, eu ainda estaria naquele buraco negro em Cuba.”

Abdelhadi é um dos seis prisioneiros de Guantánamo, libertados pelos Estados Unidos e acolhidos pelo governo uruguaio como refugiados. “Nem consigo acreditar que estou aqui”, disse, em entrevista à Agência Brasil. Três meses em liberdade foram o suficiente para que ele se atualizasse: abriu conta no Facebook, aprendeu a dirigir com um amigo e instalou no computador um programa gratuito para aprender espanhol. Ele quer trabalhar como açougueiro – profissão que exercia antes de ser preso. Mas a inserção na sociedade leva tempo – especialmente em um país estranho, longe da família.

“Eu sei cortar a carne de acordo com o rito muçulmano, que é diferente do jeito que fazem aqui”, explica Abdelhadi. “E ainda não me recuperei do tempo que passei em Guantánamo: tenho dor de estômago, asma e me sinto cansado”, diz.

Nesta semana e na outra, os seis ex-prisioneiros – quatro sírios, um tunisiano e um palestino – serão examinados no Hospital Militar (o mesmo para onde foram levados assim que chegaram a Montevidéu). O próximo passo será reacomodá-los: até agora, o grupo estava sendo acompanhado pela central sindical uruguaia PIT-CNT, que emprestou um antigo casarão para alojá-los. Mas o espaço era pequeno e dois deles foram levados a um hotel, até que o Serviço Ecumênico para a Dignidade Humana (Sedhu) – uma organização dedicada a refugiados – assuma o caso deles e encontre um apartamento para cada um.

O sírio Jihad Diyab tem outras preocupações, além da saúde e de sua instalação no país. É o único do grupo que é casado. Um de seus filhos morreu há pouco mais de um ano, quando ele ainda estava em Guantánamo. Os outros três e a mulher fugiram da guerra na Síria para a Turquia, mas acabam de ser devolvidos a seu país e, segundo Diyab, correm risco de morrer. Ele pediu permissão para trazê-los ao Uruguai, mas ainda espera a resposta da Cruz Vermelha e a resolução de trâmites internacionais.

No mês passado, Diyab viajou de improviso a Buenos Aires, onde vestiu o uniforme laranja dos prisioneiros de Guantánamo para falar a um pequeno grupo de jornalistas de meios alternativos argentinos. Ele contou que foi torturado, que fez greve de fome e que processou o governo norte-americano, depois que os carcereiros enfiaram um tubo no seu nariz para alimentá-lo à força. Diyab (cuja mãe é argentina) pediu a Argentina que siga o exemplo do Uruguai e se ofereça para acolher os prisioneiros que continuam em Guantánamo – apesar da promessa de campanha do presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, de que iriá fechar a prisão em Cuba.

Tanto Diyab quanto o tunisiano Abdul Ourgi consideram que – apesar das boas intenções – a situação dos prisioneiros em Guantánamo é pior com Obama do que com seu antecessor, George Bush. “Antes, estavam começando a libertar muitos de uma só vez, mas com Obama estão liberando prisioneiros a conta-gotas”, disse Ourgi, durante a entrevista à Agência Brasil.

De todos os ex-prisioneiros no Uruguai, Ourgi seria o mais perigoso, na avaliação do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Ele é citado como um “expert em explosivos”, que teria conhecido Osama Bin Laden e recebido, com antecedência, informações sobre seus planos para atacar as torres do World Trade Center. Ourgi sorri quando vê o documento: diz que perdeu um pedaço do polegar e tem cicatrizes no corpo, porque estava nas montanha afegãs, bombardeadas pelos norte-americanos, que queriam destruir o quartel-general do grupo terrorista Al Qaeda. “Mas o resto do que contam não é verdade”, garante. “A prova é que o próprio [ex-presidente do Uruguai] Jose Pepe Mujica contou que recebeu um documento do governo dos Estados Unidos, assegurando que nenhum dos ex-prisioneiros no Uruguai é terrorista ou representa ameaça.”

Mujica fez uma visita de surpresa à casa do PIT-CNT, poucas semanas antes de concluir seu mandato presidencial, no dia 1º de março. “Ele nos contou que foi guerrilheiro tupamaro, que esteve preso 13 anos e que passou dez deles isolado em um poço”, conta Ourgi. O tunisiano, de 49 anos, assistiu pela televisão à cerimônia de posse do sucessor de Mujica, Tabaré Vázquez. “Vi um presidente entregando o poder a outro, sem problemas. Não é como nos países árabes, onde quem chega ao poder acaba ficando dez, 20, 30 ou até 40 anos.”

Ourgui esteve no Brasil por algumas horas. Foi durante uma recente excursão a Chuí, uma cidade uruguaia na fronteira. “Cruzamos a rua para o Brasil, mas não fomos longe – ainda assim deu para perceber que [a vida no] Brasil é mais barata que no Uruguai”, disse.

Ter como se sustentar é o que preocupa Ourgi agora. “Durante 13 anos, eu só pensava em sair de Guantánamo – agora, tenho que me preocupar com a comida, a roupa, as contas, em um país caro”. Ele gostaria de trabalhar de cozinheiro – e quem sabe, no futuro, abrir um restaurante árabe. “Mas não é tão fácil quanto parece – 90 dias são pouco tempo para se acostumar à liberdade, se recuperar de Guantánamo e buscar emprego”, disse. “Mas não podemos ficar sem trabalhar, porque recebemos 15 mil pesos uruguaios [R$ 1,7 mil], o que é pouco em relação ao custo de vida uruguaio”, disse. Se tudo der certo, Ourgi quer trazer ao Uruguai a mãe – que não vê há 25 anos.

Monica Yanakiew
Correspondente da Agência Brasil/EBC



Movimentos e sociedade civil condenam projeto sobre recursos genéticos

6 de Março de 2015, 10:18, por Desconhecido

Segundo as organizações, a proposta legaliza a biopirataria realizada indústria farmacêutica, de cosméticos e do agronegócio.

Fotos: MST

Um conjunto inédito de 80 movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil de todo Brasil, entre eles o ISA, divulgou, na sexta (27/2), uma carta condenando duramente o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 02/2015 e a atuação do governo federal nas negociações sobre a proposta.

Aprovado na Câmara no dia 10/2, o PLC tramita no Senado em regime de urgência e pretende facilitar o acesso de pesquisadores e indústrias aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade.

A carta foi entregue ao secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Francisco Gaetani. Representantes de agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais exigiram que sejam ouvidos sobre o PL, que ele seja modificado e que seja retirado o regime de urgência.

“Denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares”, afirma o texto entregue ao MMA (leia o documento).

Assinam o documento o ISA, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação Nacional Quilombola (Conaq), o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina e Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS). No dia 20/2, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também publicou uma nota em que critica o PL.

“Nós fomos alijados do processo. Ao pretender regulamentar o acesso ao patrimônio genético, a proposta acaba por legalizar a biopirataria”, criticou Marciano Toledo da Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

“Ou o governo nos respeita enquanto povos, enquanto essa diversidade que o Brasil tem, ou nós paramos o Brasil em defesa dos nossos direitos. Esse governo não terá paz enquanto nossos direitos não forem respeitados”, advertiu Puyr Tembé, da Apib.

Bastidores

Na reunião, Gaetani voltou a admitir que o projeto tem problemas e que, em sua discussão, não houve participação de representantes de agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais “na intensidade demandada”. Ele avaliou que houve desrespeito aos trâmites normais do projeto na Câmara – não foi criada uma comissão para analisá-lo nem designado oficialmente um relator – e atribuiu a isso a redução do espaço de debate sobre a proposta. Gaetani informou que o regime de urgência foi imposto pelo Palácio do Planalto, e não pelo MMA, a partir de uma “demanda do setor privado”.

A reunião foi a última de uma série realizada pelo MMA, ao longo da semana, com os representantes dessas populações sob a justificativa de ouvi-las sobre a regulamentação do PL.

Nos bastidores, o governo trabalha para aprová-lo o mais rápido possível e sem alterações, conforme pedido feito pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também na semana passada. Se for aprovado sem mudanças, o projeto segue diretamente à sanção presidencial. Caso sejam feitas modificações, ele volta à Câmara.

Na reunião na sexta, Gaetani negou a articulação e comentou que haveria espaço para “aprimoramentos” na proposta. “Os senadores têm toda a liberdade para discutir alterações”, disse. O secretário reconheceu fragilidades na articulação política do governo na tramitação na Câmara e que o Planalto ainda não definiu uma estratégia política de atuação no Senado. “Ainda não sabemos como abordar os parlamentares”, afirmou.

Protocolo de Nagoya

Dois pontos principais do texto preocupam o MMA: a possibilidade de que o Ministério da Agricultura e não apenas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) tenha poder fiscalizatório sobre o patrimônio genético; e a possível incompatibilidade do PL com o Protocolo de Nagoya, tratado internacional que rege o assunto ainda não ratificado pelo Brasil.

Numa coletiva no final da tarde de sexta, Gaetani sugeriu que um dispositivo do projeto de fato pode contradizer o protocolo. De acordo com a redação aprovada na Câmara, empresas que desenvolveram produtos com base no patrimônio genético antes da entrada em vigor da nova lei estariam isentas da repartição de benefícios prevista em acordos internacionais dos quais o Brasil seja parte. Na interpretação do MMA, essa isenção deveria valer apenas para produtos da agricultura e alimentação.

O Brasil foi um dos principais apoiadores do Protocolo. Aprovar uma lei que o contradiz significaria ampliar o constrangimento diplomático já existente sobre o tema.

Esse ponto transformou-se numa bandeira dos ruralistas na Câmara sob a justificativa de evitar que produtores rurais fossem obrigados à pagar royaltie sobre variedades de soja e milho, por exemplo, desenvolvidos em outros países. Com o forte lobby da indústria farmacêutica e de cosméticos, no entanto, a redação final acabou mantendo essa isenção para o uso de todo tipo de conhecimento tradicional.

Por Oswaldo Braga de Souza
Do Instituto Socioambiental

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