Por Jandira Feghali, no Jornal do Brasil:
A proximidade de votarmos o Marco Civil da Internet nos faz tomar uma decisão: ou colocamos o Brasil na vanguarda das garantias para a gestão de nosso potencial tecnológico ou sucumbimos a interesses mesquinhos do capital.
Recentemente fomos tomados de susto ao saber pela imprensa que somos espionados pelo Estados Unidos. Não deveríamos. Deveríamos saber que, sim, somos espionados desde muito antes. O golpe de Estado que o Brasil sofreu em 1964 foi organizado com muita informação produzida pela espionagem. A repressão durante os 20 anos de governo militar também foi garantida com espionagem. As grandes indústrias sempre espionaram uns aos outros e aos concorrentes menores.
O que temos hoje é uma rede de espionagem em escala mundial. E isso não diz somente a questões pessoais, de privacidade. Tem a ver com poder tecnológico, bélico e econômico. No livro Cypherpunks, Julian Assange e colaboradores debatem o que todo hacker já sabe: todos nossos dados digitais, comunicações eletrônicas e cibernéticas são armazenadas em escala global, indiscriminadamente e por meio de sistemas de cruzamento de palavras-chaves – é como o Google funciona, sabe-se o que se quer saber em questões de minutos ou horas. Nós alimentamos essa rede.
Os dados que podem ser filtrados e usados vão de meros casos extraconjugais a dados de pesquisas científicas, como se viu com a Petrobras. Isso se torna viável, pois nosso nível de desconhecimento tecnológico é brutal e não sabemos com nos precaver, e cabe ao Estado garantir nossa segurança.
Aprovar o Marco Civil mantendo os princípios da neutralidade e privacidade é fundamental para garantir não apenas os direitos do consumidor, cidadão brasileiro na lógica de mercado, mas preservar a soberania de nossas empresas, institutos e cientistas que desenvolvem tecnologia de ponta, mas são alvo de espionagem. Mas faço um alerta: só o Marco não basta.
Temos que ir além, ir para o front da execução de políticas de fomento e salvaguarda de nossa soberania.
Para isso proponho não um debate, mas decisões firmes de nosso Governo em garantir que a liberdade do nosso país em produzir tecnologia possa nos ajudar a melhorar os serviços públicos, a educação, a saúde, o transporte, a comunicação, as artes e as ciências.
Não há a necessidade de obrigar por lei a instalação de datacenters no Brasil, erro cometido no período de 1970 a 1990 quando os militares fecharam nosso mercado. Só tivemos desenvolvimento com tecnologia ultrapassada, que reflete até hoje no desenvolvimento de nossos potenciais.
Pensar o desenvolvimento soberano do Brasil é estratégico, entendendo que software e internet, mais que acesso a entretenimento, é a logística para o desenvolvimento do país. Posso falar, com pequena margem de erro, que protagonizamos, como muito, 10% da governança de Software Livre utilizado no Brasil. Grande parte dos micro e pequenos desenvolvedores brasileiros de aplicações se baseiam em tecnologias livres e colaborativas vindas do exterior, e por lá certificadas. E grande parte disso tem sua governança nos Estados Unidos e países Europeus, onde licenciamentos de adesão, o mais conhecido é o EULA – norte-americano, estabelece que o usuário se submete a legislação daquele país.
É preciso ousar, ir além, numa espécie de PAC da TI – conhecimento livre, desenvolvimento e soberania – um programa de desenvolvimento de nosso parque tecnológico, desde a infraestrutura aos sistemas digitais, com investimento direto, desoneração e fomento baseado em tecnologias livres, colaborativas e sustentáveis. Para isso é importante avançar em três frentes: aquisição, formação, pesquisa e licenciamentos.
Quanto à aquisição, sabe-se que o maior consumidor de sistemas digitais, softwares, são os governos. O governo federal desde 2003 tem desenvolvido estudos e grupos de trabalho para discutir e estabelecer metodologias de implementação de Software Livre na administração federal. Aproveitar a assinatura do decreto que define o uso do sistema Expresso pelos órgãos federais, e como já sugerido por Gerdau em 2011, determinar que se use o Linux como plataforma prioritária, quando não obrigatória, para os sistemas digitais no governo. Os recursos que se economizarão das licenças com sistemas que nos espionam podem ser revertidos para pesquisa e desenvolvimento de um grande sistema digital nacional, auditado por nossas instituições e profissionais, em território nacional.
Para formação, criar nos Institutos Federais, Universidades Públicas e programas de capacitação dos ministérios (MTE, MCTI entre outros) cursos em tecnologia livre, com total detrimento dos sistemas proprietários. Teremos, com isso, em pouco tempo um contingente enorme de jovens capazes de contribuir com o desenvolvimento, não apenas de sistemas de cyber defesa – alinhado ao Ministério da Defesa e seus centros de defesa cibernética, mas garantir jovens capacitados nos mais diversos cantos do Brasil para assim fomentar o desenvolvimento de nossas indústrias criativas e estratégicas, que nos garantem muito mais valia que a exportação de commodities.
Para pesquisa, fomento e distribuição, partir da experiência da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação - SLTI do Ministério do Planejamento e mandar ao Congresso em caráter emergencial, um Projeto de Lei para a criação de um Instituto que se encarregue do estímulo e salvaguarda do Software Público Brasileiro, sob regime de licenças livres, colaborativas e abertas, repositório próprio e federado com as universidades públicas, e sua gestão garantida nos mesmos moldes do CGI.br.
Com isso, e com o Marco Civil aprovado como acordado em 2011 aqui na casa, os datacenters serão consequência de uma política de desenvolvimento tecnológico, pois teremos um volume de recursos e incentivos que justificarão os investimentos em nosso país.
Como parlamentar defendo que nossa soberania se baseie na lógica das tecnologias livres e colaborativas, das salvaguardas que possamos implementar como Estado e do incentivo e fomento a criatividade de nossos cidadãos, desde a escola.
* Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara.
A proximidade de votarmos o Marco Civil da Internet nos faz tomar uma decisão: ou colocamos o Brasil na vanguarda das garantias para a gestão de nosso potencial tecnológico ou sucumbimos a interesses mesquinhos do capital.
Recentemente fomos tomados de susto ao saber pela imprensa que somos espionados pelo Estados Unidos. Não deveríamos. Deveríamos saber que, sim, somos espionados desde muito antes. O golpe de Estado que o Brasil sofreu em 1964 foi organizado com muita informação produzida pela espionagem. A repressão durante os 20 anos de governo militar também foi garantida com espionagem. As grandes indústrias sempre espionaram uns aos outros e aos concorrentes menores.
O que temos hoje é uma rede de espionagem em escala mundial. E isso não diz somente a questões pessoais, de privacidade. Tem a ver com poder tecnológico, bélico e econômico. No livro Cypherpunks, Julian Assange e colaboradores debatem o que todo hacker já sabe: todos nossos dados digitais, comunicações eletrônicas e cibernéticas são armazenadas em escala global, indiscriminadamente e por meio de sistemas de cruzamento de palavras-chaves – é como o Google funciona, sabe-se o que se quer saber em questões de minutos ou horas. Nós alimentamos essa rede.
Os dados que podem ser filtrados e usados vão de meros casos extraconjugais a dados de pesquisas científicas, como se viu com a Petrobras. Isso se torna viável, pois nosso nível de desconhecimento tecnológico é brutal e não sabemos com nos precaver, e cabe ao Estado garantir nossa segurança.
Aprovar o Marco Civil mantendo os princípios da neutralidade e privacidade é fundamental para garantir não apenas os direitos do consumidor, cidadão brasileiro na lógica de mercado, mas preservar a soberania de nossas empresas, institutos e cientistas que desenvolvem tecnologia de ponta, mas são alvo de espionagem. Mas faço um alerta: só o Marco não basta.
Temos que ir além, ir para o front da execução de políticas de fomento e salvaguarda de nossa soberania.
Para isso proponho não um debate, mas decisões firmes de nosso Governo em garantir que a liberdade do nosso país em produzir tecnologia possa nos ajudar a melhorar os serviços públicos, a educação, a saúde, o transporte, a comunicação, as artes e as ciências.
Não há a necessidade de obrigar por lei a instalação de datacenters no Brasil, erro cometido no período de 1970 a 1990 quando os militares fecharam nosso mercado. Só tivemos desenvolvimento com tecnologia ultrapassada, que reflete até hoje no desenvolvimento de nossos potenciais.
Pensar o desenvolvimento soberano do Brasil é estratégico, entendendo que software e internet, mais que acesso a entretenimento, é a logística para o desenvolvimento do país. Posso falar, com pequena margem de erro, que protagonizamos, como muito, 10% da governança de Software Livre utilizado no Brasil. Grande parte dos micro e pequenos desenvolvedores brasileiros de aplicações se baseiam em tecnologias livres e colaborativas vindas do exterior, e por lá certificadas. E grande parte disso tem sua governança nos Estados Unidos e países Europeus, onde licenciamentos de adesão, o mais conhecido é o EULA – norte-americano, estabelece que o usuário se submete a legislação daquele país.
É preciso ousar, ir além, numa espécie de PAC da TI – conhecimento livre, desenvolvimento e soberania – um programa de desenvolvimento de nosso parque tecnológico, desde a infraestrutura aos sistemas digitais, com investimento direto, desoneração e fomento baseado em tecnologias livres, colaborativas e sustentáveis. Para isso é importante avançar em três frentes: aquisição, formação, pesquisa e licenciamentos.
Quanto à aquisição, sabe-se que o maior consumidor de sistemas digitais, softwares, são os governos. O governo federal desde 2003 tem desenvolvido estudos e grupos de trabalho para discutir e estabelecer metodologias de implementação de Software Livre na administração federal. Aproveitar a assinatura do decreto que define o uso do sistema Expresso pelos órgãos federais, e como já sugerido por Gerdau em 2011, determinar que se use o Linux como plataforma prioritária, quando não obrigatória, para os sistemas digitais no governo. Os recursos que se economizarão das licenças com sistemas que nos espionam podem ser revertidos para pesquisa e desenvolvimento de um grande sistema digital nacional, auditado por nossas instituições e profissionais, em território nacional.
Para formação, criar nos Institutos Federais, Universidades Públicas e programas de capacitação dos ministérios (MTE, MCTI entre outros) cursos em tecnologia livre, com total detrimento dos sistemas proprietários. Teremos, com isso, em pouco tempo um contingente enorme de jovens capazes de contribuir com o desenvolvimento, não apenas de sistemas de cyber defesa – alinhado ao Ministério da Defesa e seus centros de defesa cibernética, mas garantir jovens capacitados nos mais diversos cantos do Brasil para assim fomentar o desenvolvimento de nossas indústrias criativas e estratégicas, que nos garantem muito mais valia que a exportação de commodities.
Para pesquisa, fomento e distribuição, partir da experiência da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação - SLTI do Ministério do Planejamento e mandar ao Congresso em caráter emergencial, um Projeto de Lei para a criação de um Instituto que se encarregue do estímulo e salvaguarda do Software Público Brasileiro, sob regime de licenças livres, colaborativas e abertas, repositório próprio e federado com as universidades públicas, e sua gestão garantida nos mesmos moldes do CGI.br.
Com isso, e com o Marco Civil aprovado como acordado em 2011 aqui na casa, os datacenters serão consequência de uma política de desenvolvimento tecnológico, pois teremos um volume de recursos e incentivos que justificarão os investimentos em nosso país.
Como parlamentar defendo que nossa soberania se baseie na lógica das tecnologias livres e colaborativas, das salvaguardas que possamos implementar como Estado e do incentivo e fomento a criatividade de nossos cidadãos, desde a escola.
* Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara.
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