Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:
A forma como o governo peessedebista de São Paulo e seu braço ideológico-comunicacional – a mídia corporativa – reagiram à greve dos metroviários evidencia, uma vez mais, a intolerância para com as manifestações reivindicatórias trabalhistas e o caráter profundamente repressor das relações entre poder, comunicação e demandas sociais no estado.
Tendo rejeitado a oportunidade, oferecida pelo sindicato da categoria, de manter o metrô funcionando, com catracas livres, enquanto se desenrolavam as negociações, o governador Geraldo Alckmin preferiu privar a população de usar tal meio de transporte, sob o pretexto de “endurecer” as tratativas, confiante de que a mídia amiga colaboraria na responsabilização dos grevistas pelos transtornos que fatalmente decorreriam de tal decisão.
Pânico em SP
Como se vê, mesmo se não levarmos em conta sua responsabilidade na penosa situação trabalhista que levou os metroviários à greve, o governo é, em larga medida, responsável pela caótica situação imposta à capital paulista. Porém, logo de manhã o governador Alckmin deu o tom do que seria o discurso das autoridades: jogar a população contra os grevistas, atacá-los pesadamente, promover a velha tática peessedebista da desqualificação das forças que se lhe opõem (chamando, no caso, os grevistas de “grupelho radical”), procurar caracterizar a greve como política e eleitoreira (no que contou os backing vocais de José Serra, logo ecoados pelas folhas amigas).
Regredimos
Porém, na anacrônica São Paulo da segunda década do século XIX – digo, XXI -, o discurso de tonalidades fascistoides proferido pelo governador ecoou durante todo o dia, repetido à exaustão nas rádios e TVs, pelo próprio e por seus ventríloquos na mídia, no partido e na militância: a culpa pelo caos na cidade era de grevistas fora da lei, manipulados por pequenos partidos de esquerda que, por sua vez [e contrariando sua atuação efetiva nas casas legislativas] estavam a serviço, naturalmente, do PT.
Jornais que ladrem
Não é preciso evocar a imaginação para projetarmos como seria a reação dessa mesma mídia se se tratasse de um governante petista, ao invés de um tucano, a enfrentar paralisações reivindicatórias no setor de transportes: com efeito, conserva-se fresca na memória da democracia brasileira a forma implacavelmente acusatória como as ex-prefeitas Luiza Erundina e Marta Suplicy foram responsabilizadas pelos locautes patronais que deixaram milhões de paulistanos sem transporte, quando o que estava em jogo era tão-somente o aumento dos lucros já exorbitantes proporcionados pela exploração, nas condições sabidas, do transporte público na cidade – e não o aumento do salário-base de trabalhadores, de aviltantes R$ 1.154 para insuficientes R$1.225, como na greve de ontem.
Gás, bomba
Graças a tal quadro, o clima que se respira hoje na maior cidade do país, no campus da Cidade Universitária ou em qualquer espaço público em que se concentrem grupos de populares – seja para reivindicações, protestos ou lazer – se assemelha demais e perigosamente àquele dos anos de ditadura, com a presença ostensiva de forças policiais e a possibilidade iminente de repressão violenta, mesmo quando o processo é pacífico e a legalidade de sua realização assegurada por decisão judicial, como se viu recentemente. Nas manifestações de ontem, uma mulher foi presa acusada de incitar o depredamento de estação e de desacato. A pergunta que fica é: não haveria outro modo de uma força policial com dezenas de profissionais lidar com uma só protestante mais exaltada?
Mediadora propôs aumento maior
Ao final do dia, evidenciando, uma vez mais, que todo o transtorno imposto à população poderia ter sido evitado com um mínimo de responsabilidade administrativa, respeito aos paulistanos e melhor equacionamento de despesas governamentais (cortando, por exemplo, os milhões que gasta comprando, sem licitação, a revista Veja ou a Folha de S. Paulo), o governo aumentou sua oferta de aumento salarial para 6,17% e de correção percentual de benefícios em índices bem menores do que os reivindicados. Mesmo estando abaixo dos 6,45% propostos, em audiência conciliatória, pela desembargadora Anélia Li Chum e muito aquém dos 14,99% de aumento real reivindicado pelos metroviários, estes, deixando claro que não são os intransigentes nem os vilões da história, fecharam um acordo e voltaram aos trabalhos.
Aguardarão agora, como não poderia deixar de ser na São Paulo atual, pelas investigações que nada menos do que três promotorias, designadas pelo Ministério Público, farão sobre a greve de um dia.
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