Ir para o conteúdo

Polaco Doido

Voltar a Blog
Tela cheia Sugerir um artigo

Mirem-se no exemplo que vem do Uruguai

16 de Dezembro de 2013, 16:52 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
Visualizado 51 vezes

Mais uma vez as deliberações do parlamento uruguaio ocupam as manchetes do noticiário tupiniquim.

A bola da vez é a liberação do consumo, comércio e plantio de maconha no país vizinho e que por estas bandas vem recebendo pesadas críticas. Estas críticas, se jogadas num liquidificador, resultam num discurso único que pode ser personificado através do comentário de Rachel Sherazade, do jornal do SBT que, em sua análise tendenciosa e superficial, tenta ligar a descriminalização da maconha uruguaia com uma suposta sociedade do governo Mujica com o tráfico internacional de drogas e ainda, afirma que o mesmo vai na contra-mão de países europeus que pretendem revisar suas leis de liberalização na tentativa de reverter o turismo de drogas.

É má fé da jornalista que criou fama tecendo críticas pesadas a maior festa popular do mundo, o carnaval?

Não, longe disso. A jornalista faz o mesmo que muito de seus pares na grande imprensa. Abre mão das verdades factuais e utiliza seu espaço como palanque ideológico panfletário e, neste caso específico, o verdadeiro alvo da crítica não é a liberação da maconha no Uruguai, ou mesmo, o problema do consumo de drogas em todo mundo.

O verdadeiro alvo de Sherazade e de muitos de seus pares, é o governo progressista do Uruguai, desde 2010 é comandado pelo ex-guerrilheiro de esquerda, José Mujica.

O sensacionalismo do discurso serve apenas para fomentar ainda mais, a radicalização das posições entre esquerda e direita, para evitar o debate e as negociações entre os representantes destas ideologias, para transformar o conflito ideológico num conflito de fato.

Mas que interesses se escondem por trás do estímulo a este tipo de conflito?

Fosse diferente e houvesse mesmo alguma preocupação real com o problema das drogas, o caso do helicóptero da fazenda de um deputado de Minas, filho de um senador da república, apreendido com quase meia tonelada de pasta base de cocaína, mereceria tanta atenção quanto a liberação da maconha no Uruguai. Coisa que não aconteceu. Permanece o revelador silêncio da grande impressa televisiva sobre este caso do helicóptero mineiro.

Então, por que de tanta preocupação com o que acontece no vizinho Uruguai?

Ora, o Uruguai é um país soberano, independente desde 1825. Talvez seja o país com o histórico mais progressista dentro de toda a América Latina. É laico desde sua independência, foi dos primeiros países do mundo a adotar o casamento civil, o fim da escravidão, a legalização do divórcio, a jornada de trabalho de oito horas diárias, o voto feminino e lá, o ensino religioso nas escolas foi banido em 1909.

Na onda de privatizações dos anos noventa, foi o único país do mundo que derrotou as privatizações via consulta popular: No plebiscito de fins de 92, 72% dos uruguaios decidiram que os serviços essenciais continuariam sendo públicos.

Nos dias de hoje se mantém na vanguarda com legislações que tratam de temas muito delicados, sem, no entanto, partir para os enfrentamentos ideológicos e fundamentalistas nos debates que levaram a criação destas legislações.

Foi assim no enfrentamento do grave problema gerado pelos abortos clandestinos. Um debate lúcido e livre de preconceitos propiciou a criação de uma lei que permite a prática legalizada em casos específicos.

Foi assim com a legislação que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Também com a descriminalização da maconha. Que não é o oba-oba que tentam nos fazer acreditar. O consumo será controlado e regulado pelo estado, proibido aos menores de idade, limitado a 40 gramas mensais e não será permitida a venda para estrangeiros não residentes no país.

Ainda, para os próximos meses, está em andamento uma proposta de reforma agrária que pretende limitar o tamanho das propriedades rurais de todos os proprietários estrangeiros. A parte da área que estiver acima dos limites estabelecidos será reapropriada pelo estado e na sequência será utilizada no processo de reforma agrária.

Claro que esse viés progressista do vizinho Uruguai não se deve exclusivamente ao comando de José Mujica, nem da Frente Ampla (formada por socialistas, comunistas, tupamaros, ex-comunistas, social-democratas e outros) que comandam o país desde 2004. O país tem um histórico laico e progressista.

Veja bem, não fossem estas iniciativas progressistas isoladas, é muito provável que a escravidão ainda fosse natural e corriqueira nos dias atuais, que a mulheres ainda não tivessem o direito de votar, que o casamento ainda fosse uma instituição sagrada e indissolúvel e tantas outras conquistas dos últimos 150 anos.

Claro também que não se trata de um paraíso na terra, o Uruguai também tem seus problemas. É um país pequeno, com área total de 176 mil Km2 e população estimada em 3,5 milhões de habitantes (o Paraná tem área de 199 mil Km2 e população de 10,9 milhões). Porém, de maneira nenhuma estas novas medidas e leis adotadas pelo governo tendem a aumentar os problemas do país e, caso isso aconteça, basta revogar a lei problemática e pronto, tudo volta ao normal.

Salvo as devidas proporções, este tipo de atitude do governo uruguaio seria quase impensável aqui no Brasil. Por um motivo bem simples:

Lá, como aqui, também existem progressistas e conservadores, esquerdistas e direitistas, cerca de 90% da população declaram ter fé em um deus e seguem alguma religião (45% católicos, 11% protestantes e outros). A diferença é que lá, 70% da população aprovam a separação entre a religião e o estado. Deste modo, a discussão de temas delicados como drogas, aborto e casamento gay seguem uma linha muito mais prática e racional do que aquela que estamos acostumados por aqui. Movidas principalmente por dogmas e enfrentamentos viscerais entre os defensores de suas causas e seus pontos de vista.

Infelizmente, a laicidade do estado uruguaio começa a ser ameaçada por um fenômeno endêmico em toda a América Latina, o crescimento das igrejas evangélicas, principalmente filiais de grandes grupos brasileiros como a Universal e a da Graça. Nos últimos 20 anos a proporção de evangélicos saltou de 6% para 11%. Por enquanto isso não é um problema, o Uruguai possui partidos políticos seculares e muito consistentes internamente, dificilmente se deixariam instrumentalizar por um discurso meramente religioso e tampouco facilitariam o surgimento de um partido ligado a uma ou outra corrente evangélica (Felipe Arocena para a Revista Época)

O Brasil também não viu ameaça há vinte anos quando a participação de fundamentalistas no processo democrático era quase inexistente ou, inexpressiva. Hoje, a bancada evangélica na Câmara Federal conta com 77 deputados, 14,5% dos representantes daquela casa. Além disso, dos 30 partidos políticos, formalmente estabelecidos no Brasil, nada menos que seis tem fortes ligações com agremiações religiosas e destes, o PRB e o PEN, são nada mais que sucursais políticas de mega-empreendimentos religiosos. E ainda, os representantes religiosos que abundam em quase todas legendas estabelecidas, salvo as mais radicais de esquerda.

A tendência é da bancada evangélica e dos conservadores crescer cada vez mais a cada nova eleição. O alto custo das campanhas não deixa espaço para o voto de opinião, como o dos candidatos com perfil mais progressista. Os conservadores votam em função da orientação religiosa e os candidatos alinhados a este perfil têm mais de acesso a esse financiamento (Antônio Augusto Queiroz para O Correio Brasiliense)

Não demora muito e os conservadores e evangélicos serão ampla maioria no congresso federal. Antes disso, tenho quase certeza de que o sucessor de Dilma, não importa se em 2014 ou 2018, será o representante de alguma agremiação religiosa.

Então, toda e qualquer pauta progressista no Brasil será sumariamente esquecida e engavetada. Já temos um vislumbre desta situação com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara tomada por extremistas religiosos. A PEC que permite que instituições religiosas possam contestar constitucionalidade de lei no STF, também já foi aprovada.

Dificilmente o Brasil seguirá o exemplo uruguaio, o mais provável é que muito em breve estejamos vivendo por aqui um novo modelo democrático, uma jesuscracia.Se para o bem ou para o mal, apenas o tempo dirá.

Polaco Doido


Fonte: http://www.skora.com.br/?p=5425

0sem comentários ainda

    Enviar um comentário

    Os campos realçados são obrigatórios.

    Se você é um usuário registrado, pode se identificar e ser reconhecido automaticamente.

    Cancelar