Por Fernanda Estima
Derrotados, então, na desigual luta militar, mas vitoriosos no horizonte das ideias e dos ideais. Uma vitória cara, sem dúvida, escrita com o sangue de mulheres e homens que combateram uma ditadura brutal, mas justificada ao longo do tempo. Esta reflexão surgiu da entrevista de dois ex-presos políticos do regime militar, os escritores Hamilton Pereira e Emiliano José, durante o lançamento da revista Perseu Especial, na última quinta-feira, 13, em São Paulo.
Emiliano José, Luciana Mandelli e Hamilton Pereira (esq. para dir.)
Parte de uma série de eventos agendados pela Fundação com o objetivo de debater os anos de chumbo pós o golpe civil-militar, a revista Perseu 1964-2014: Cinquentenário do Golpe traz artigos, pesquisas e documentos do DEOPS-SP sobre o então nascente Partido dos Trabalhadores. Membros do Conselho Curador da FPA, Emiliano e Hamilton colaboraram com artigos na seção Memórias, além de relembrarem suas experiências em entrevista à diretora Luciana Mandelli.
Passados exatos 50 anos do comício pelas reformas, quando no dia 13 de março de 1964, o presidente João Goulart discursou para uma multidão na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Emiliano e Hamilton, também conhecido como Pedro Tierra, discutiram sua atuação na luta armada e na resistência democrática, fazendo um balanço da esquerda e das forças progressistas em ação no país de então e de hoje.
Tortura sistemática
“O motivo das escolhas que a juventude militante fez na época foi o anseio pela liberdade. Por sofrer a tirania, lutava-se contra ela”, contou Hamilton, que completou citando Mao Tsé-tung, “a revolução é um drama passional”. Quanto à violência, ele, que foi preso em Goiás e levado a São Paulo, afirmou que um dos pilares da ditadura era a tortura sistemática. “Era a lógica do seu exercício de poder. O objetivo era o aniquilamento dos adversários.”
Emiliano, preso na Bahia, também levado a São Paulo, relembra a tortura, já narrada em seu livro Galeria F. “Decidi ali, na tortura, que não contaria nada. Apanhei, fui para o pau de arara, me deram choques. Após tudo isso eu só pensava ‘não tenho mais medo, podem me matar’”. Ainda que fale abertamente sobre o tema, o jornalista contou que, ao escrever sobre o assunto, pela primeira vez, e ver, no papel o resultado, sentiu-se mal durante vários dias.
Hamilton fez coro ao companheiro: "quem conhece o próprio corpo por meio da dor fica marcado para sempre. Fomos derrotados política e militarmente, mas não derrotaram nossa humanidade. Somos da raça dos sonhadores".
Abertura e o PT
Emiliano lembrou ainda a cumplicidade da imprensa com a ditadura, o apoio e treinamento repassados entre as ditaduras da região. Para ele, a "revista Perseu e as atividades programadas servem também para levar a história aos jovens de hoje e mostrar que o PT é o desdobramento da história da esquerda no Brasil". Hamilton também falou da importância da criação dos Partidos dos Trabalhadores naquele momento de distensão da ditadura.
Para Hamilton, “o 10 de fevereiro de 1980 [data de fundação do PT] marca o reencontro da esquerda depois da derrota da luta armada. Foi um pacto político do que havia de mais representativo na política de esquerda, um ponto de encontro entre diferentes experiências”. Ele encerrou o debate com a leitura de um poema. Para conhecer mais de seu trabalho, confira a obra Poemas do Povo da Noite, publicado pela FPA.
Na mesma data entrou no ar o hotsite 50 Anos do Golpe de 1964 (fpabramo.org.br/golpe50anos). Nele é possível ter acesso a conteúdos sobre o período, fotos e imagens do acervo do Centro Sérgio Buarque de Holanda e depoimentos de homens e mulheres que lutaram contra a repressão, além de acompanhar a programação de eventos e lançamentos.
Foto: Sérgio Silva/FPA
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