Em 1977, Gilberto Gil teve ‘um sonho‘: discursava sobre a importância da tecnologia para o progresso do Brasil e apontava os malefícios da poesia. Ao acordar, assustado, viu que trabalhadores e estudantes aclamavam nas ruas o “índio do Xingu”. Hoje, 35 anos após Gil lançar a música ‘Um sonho’, o velho antagonismo entre o progresso tecnológico e as culturas tradicionais – e os direitos humanos – ali simbolizado veste roupas novas no conflito em torno da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, no Pará.
O discurso a favor da usina passa pela segurança energética que sua construção permitiria, “necessária para o crescimento e desenvolvimento do País”, segundo o BNDES, financiador do projeto orçado em R$ 26,5 bilhões. Por outro lado, os impactos socioambientais e as falhas na aprovação e implantação do projeto têm gerado denúncias de violação de direitos humanos na construção da hidrelétrica. Estão previstos o alagamento perene de 640 km2, a desocupação de 486 hectares no perímetro urbano da cidade de Altamira, a inundação de cerca de mil imóveis rurais, a vazão drasticamente diminuída em 100 km do rio Xingu, e muitos outros impactos socioambientais. O número de atingidos pelas obras de Belo Monte e suas consequências pode chegar a 40 mil, além das 24 etnias indígenas que habitam a bacia do Xingu.
Xingu+23
Para fortalecer as vozes dos grupos contrários à usina, o Movimento Xingu Vivo para Sempre – uma das maiores frentes de oposição a Belo Monte – realizará um encontro de entidades, movimentos sociais, ribeirinhos, pescadores, acadêmicos, ambientalistas e trabalhadores rurais e urbanos, entre 13 e 17 de junho. O encontro foi batizado de Xingu+23, em referência ao 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, que marcou o início da resistência a Belo Monte. O cenário será a comunidade Santo Antônio (a 50km de Altamira), que já está parcialmente desocupada pelas obras da usina.
Não à toa, portanto, ‘Um sonho’, de Gilberto Gil, é o hino do Xingu+23. Por essa canção, o Xingu Vivo e os cidadãos contrários a Belo Monte tomam uma posição clara: ao lado do “índio do Xingu”, do “espaço cultural da poesia”, do estudantes e dos proletários; oposta à “pujança econômica baseada na tônica da tecnologia” e “dos polos industriais”.
“Queremos mostrar a noção de que Belo Monte não é um fato consumado”, explicou por telefone a jornalista Verena Glass, do Xingu Vivo, à redação da Cúpula. “Há problemas na Norte Energia [consórcio que detém direitos de construção e operação de Belo Monte] que, se passarem pelos processos jurídicos pertinentes, impedem a construção da usina”, acrescenta. Um desses problemas, segundo Glass, é a demora em apresentar um relatório de cumprimento de condicionantes ao Ibama.
Programação
No dia 13 de junho, o primeiro do Xingu+23, está programada uma recepção aos participantes e a missa tradicional de Santo Antônio. “Essa missa tem um peso simbólico, porque é a última que acontecerá na comunidade, já em boa parte desapropriada. É uma retomada simbólica do território”, afirma Glass.
No dia seguinte, 14 de junho, será realizada a assembleia dos atingidos por Belo Monte. Nesse espaço, todos os grupos afetados pela construção da usina levantarão as questões que consideram mais pertinentes: pescadores, pequenos agricultores, moradores das cidades atingidas etc. “As populações precisam ter uma noção mais consistente dos seus direitos e onde eles estão sendo violados”, diz Flass.
Já no dia 15, o Xingu+23 promoverá uma marcha pela cidade de Altamira, em mais uma manifestação contra Belo Monte. E, no dia 17, os participantes do encontro se reunirão para planejar as próximas ações e posicionamentos na luta contra a usina.
Resistência a Belo Monte e influência internacional
Frente às críticas de que o Xingu Vivo e os movimentos contrários a Belo Monte são intervenções de atores internacionais na soberania do Brasil, Glass rebate: “Essa crítica não faz sentido. Em relação a violação de direitos humanos, qualquer ser humano de qualquer parte do mundo tem o direito de criticar. Se nós nos manifestamos em relação à intervenção norte-americana no Iraque, estamos atentando contra a soberania dos EUA? Não, estamos apenas dando nossa opinião de que é um absurdo.”
Por isso, para a realização do Xingu+23, o Xingu Vivo criou um sistema de financiamento coletivo (uma “vaquinha” virtual) e pede constribuições. Para participar do encontro, qualquer interessado pode se inscrever ou organizar um comitê de mobilização em sua cidade.
Xingu na Cúpula dos Povos
Além do Xingu+23, no Pará, o movimento Xingu Vivo organizará duas atividades na Cúpula dos Povos. A primeira será no dia 19 (terça-feira), com o objetivo de debater as usinas hidrelétricas como falsa solução para a crise ambiental do planeta. Já no dia 21 (quinta-feira), a entidade realizará um encontro de trabalho para organizar ações locais, estaduais e internacionais contra Belo Monte.
Assista ao vídeo de divulgação do Xingu+23 e ouça o “hino” da campanha – a música ‘Um sonho’, de Gilberto Gil
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