Por Samantha Maia, na CartaCapital
Vistos a distância, os royalties do petróleo soam como a panaceia do desenvolvimento brasileiro para as próximas décadas. Aparentemente eles poderão resolver os déficits dos municípios ou tornarão reais as metas da educação. O debate acirrado no Congresso e as reações no Rio de Janeiro ou Espírito Santo sugerem que sim. Especialistas advertem, contudo, ser necessário ir com calma na expectativa. Não se sabe ao certo quanto representará a renda do pré-sal ou a partir de quando ela estará disponível para ser investida. Ou simplesmente gasta, conforme o desfecho das discussões em Brasília.
Até aqui os cálculos soam generosos, mas não muito confiáveis. A estimativa de bancar um aumento das verbas para a educação, até chegar aos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), estaria além do que o petróleo pode de fato render na próxima década.
O foco da discussão sobre o destino dos royalties é criticado por Ildo Sauer, professor do IEE-USP e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobras (2003-2007). “A discussão sobre o que fazer com os royalties não pode ser séria, sem antes sabermos de que volume de recursos estamos falando. É inverter a lógica.”
Na educação, provavelmente, não terá o potencial redentor sugerido pelos ânimos inflados de estados produtores e não produtores. “Será um adicional de recursos, mas não o suficiente. Precisamos saber quantas concessões serão feitas, quanto de petróleo será produzido, a partir de quando e qual será o preço”, diz Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), um dos articuladores do PNE. Mas poucas respostas exatas surgiram até o momento.
Passar dos atuais 5,8% do PIB de investimentos em educação para os 10% aprovados pelos deputados à revelia do governo federal, que defendia 7%, requer injetar cerca de 20 bilhões de reais a mais por ano no sistema educacional, até alcançar 400 bilhões de reais destinados ao ensino público em 2020, ante os cerca de 200 bilhões aplicados atualmente, um salto mais que desejável.
O PNE anterior, de 2001 a 2011, possuía 300 metas, que foram, no entanto, relegadas ao esquecimento. A razão: os parlamentares não cravaram à época um aumento de recursos necessários para arcar com o aumento das despesas. Os 7% do PIB aprovados pelo Congresso àquela altura foram vetados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Para não repetir o erro, após dois anos de discussão no Congresso, o governo de Dilma Rousseff buscou a solução no petróleo.
Após a Câmara aprovar o projeto de lei sobre os royalties sem destiná-los à educação, uma Medida Provisória editada em 30 de novembro determinou o repasse de 100% dos recursos arrecadados nas futuras concessões para as escolas, centros de pesquisas e universidades, além de 50% do Fundo Social do Petróleo, a ser formado com o pré-sal, sob a gestão da União.
Para especialistas, a conta não fecha, ao menos diante das informações disponíveis. Para ter uma ideia do montante em jogo, com a produção de 2 milhões de barris de petróleo ao dia hoje no Brasil, foram arrecadados em 2012, até novembro, 14,3 bilhões de reais em royalties, ou 0,3% do PIB. A maior parte vai para o Rio de Janeiro, Espírito Santo e seus municípios. Não à toa os estados mais descontentes com o PL aprovado na Câmara.
A estimativa da Petrobras é produzir em 2016 cerca de 2,5 milhões de barris por dia. No bolo entrarão apenas valores arrecadados por meio de contratos de concessão assinados daqui para a frente. Essa exploração começará em 2013, provavelmente, com duas licitações planejadas. Uma em maio, no regime de concessão, e outra em novembro, a primeira no modelo de partilha. “Na hipótese de entrarem na conta mais 1 milhão de barris de petróleo ao dia, a 100 dólares o barril, daria cerca de 30 bilhões de dólares por ano, ou 60 bilhões de reais, dos quais 6 bilhões iriam para a educação. Mas são necessários 20 bilhões em 2013, 40 bilhões em 2014, até chegar a 200 bilhões até 2020. Estamos perdendo tempo ao não discutir outras saídas”, afirma Otaviano Helene.
As reservas atuais somam 11 bilhões de barris, mas as reservas provadas são de até mais 12 bilhões. Na área do pré-sal pode haver de 50 bilhões a 100 bilhões de barris, calcula-se, sem entrar no mérito se a extração será viável economicamente, o que depende do comportamento do mercado internacional e dos custos de produção.
A incerteza sobre a arrecadação futura fez com que estados e municípios hoje fora da divisão dos royalties reivindicassem uma parcela dos valores arrecadados atualmente. O lobby, principalmente, municipal foi vitorioso, mas a mudança aprovada em projeto de lei na Câmara, que retirava até 3,4 bilhões do Rio de Janeiro, foi vetada pelo Palácio do Planalto.
No Congresso, os esforços se voltam para derrubar o veto. Parlamentares representantes dos 24 estados “prejudicados” conseguiram reunir votos suficientes para pedir urgência na tramitação da MP. O objetivo é retirar a destinação de 100% para a educação com a desculpa de que a medida engessaria o orçamento.
Governadores liderados por Cid Gomes (PSB), do Ceará, decidiram pressionar o presidente do Senado, José Sarney. E atuam nos bastidores para convencer as bancadas estaduais a derrubar o veto presidencial. “Os estados tinham uma expectativa de reforço do fluxo de caixa agora. Não sabemos quando serão esses contratos futuros. Só posso dizer que não é num futuro muito próximo”, disse o governador da Bahia, Jaques Wagner.
Os estados produtores correm o risco de perder recursos que lhes serviriam de compensação pela perda da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a venda do petróleo. A Constituição de 1988 mudou o recolhimento do ICMS do petróleo da origem para o destino, o que significou uma renúncia fiscal importante para o Rio de Janeiro.
Em uma lei de 1989, foi definida a forma de recolhimento dos royalties com maior parcela aos estados e municípios produtores, o que reduziu o “prejuízo” dessas regiões.
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