Por Luiz Gozanga Belluzo, na CartaCapital
Depois de arranjar a grana para salvar seus bancos, os espanhóis pagam juros mais elevados nos títulos de dívida do governo. Os mercados torcem o nariz para a forma adotada para o resgate: empréstimo de 100 bilhões de euros vai ser canalizado através de um fundo público e a economia da Ibéria escorrega para a recessão. Resultado: cresce a relação dívida/PIB, atiçando mais combustível à fogueira da desconfiança.
Na busca de uma solução a Espanha arrumou uma encrenca. Pior, a reticência dos mercados já espreita a Itália, também abalroada nos últimos dias pela subida dos rendimentos exigidos pelos investidores para adquirir os papéis do senhor Mario Monti.
Os gregos ameaçam a austeridade fracassada e cruel. Não é improvável a vitória dos inimigos da senhora Merkel nas eleições da próxima semana . Nas horas vagas, os helenos sacam a grana dos bancos locais e estocam comida. Assustados com o possível retorno do dracma e no afã de proteger o valor de suas reservas liquidas e de seu patrimônio, os investidores – cidadãos e empresas – retiram os depósitos e transferem para outras paragens as aplicações denominados na moeda única.
O alívio momentâneo proporcionado pela operação de resgate dos bancos espanhóis transmutou-se rapidamente na deterioração das expectativas. É difícil escolher o adágio que se aplica a tão dolorosa situação. Há quem prefira “a emenda é pior do que o soneto”, outros, por certo, indicarão “ o tiro saiu pela culatra”.
Os meios de comunicação insistem em batizar o calvário da Eurolândia de “crise das dívidas soberanas”. Não custa repetir aqui: essa qualificação é tão falsa quanto uma nota de 15 euros. Depois da introdução da moeda única, a competição entre os bancos alemães, franceses, suecos, austríacos, ingleses promoveu um caudaloso “movimento de capitais” que fluía do Centro para a Periferia da Europa. Eliminado o risco cambial pela adoção da mesma moeda por gregos e troianos, despencaram os spreads entre os títulos alemães e os custos incorridos na colocação de papéis públicos e privados dos países da chamada periferia. Não é preciso explicar ao leitor que a queda dos juros e a ampliação dos prazos deflagraram uma orgia de endividamento privado na Espanha, Irlanda, Portugal e quejandos.. Esses países viveram a euforia das bolhas imobiliárias e as delícias do consumo das famílias “enriquecidas” com a valorização das casas.
Fecundada nas entranhas da desregulamentação e legitimada pelas patranhas acadêmicas dos mercados eficientes, a organização da finança contemporânea gerou uma bateria de incentivos perversos. No rol de suas proezas estão a alavancagem abusiva, a obsessão pelo volume, a concorrência sem peias e as remunerações generosas para os executivos e assemelhados.
A crise europeia é uma aula sobre a privatização dos ganhos e socialização das perdas. Diante do colapso dos preços dos ativos, os bancos centrais foram compelidos a tomar medidas de provimento de liquidez e de capitalização dos bancos encalacrados em créditos irrecuperáveis. Para curar a ressaca da bebedeira imobiliária, os governos engoliram o estoque de dívida privada e expeliram uma montanha de títulos públicos.
O truque de salvar os bancos e evitar a reestruturação das dívidas soberanas não vai dar certo. Vai, sim, prolongar a agonia de espanhóis, italianos, portugueses e irlandeses açoitados pela recessão em marcha forçada e pelo desemprego em alta. Em estado de perplexidade, o cidadão medianamente informado tem o direito de indagar se a recessão e o desemprego não vão jogar mais devedores sem renda e sem trabalho na lista vermelha dos inadimplentes, aumentando o percentual de ativos podres na carteira dos bancos. Ainda sobrou muito peixe podre debaixo do angu do endividamento privado.
A Diretora-Gerente do FMI, Cristine Lagarde concedeu três meses de prazo para a Europa arrumar a casa. O presidente francês François Hollande proclamou a necessidade de uma ação monetária e fiscal construída em torno dos objetivos comuns que inspiraram a formação da União Europeia. Os apelos e advertências morreram na rejeição peremptória da senhora Merkel ao programa de “coletivização” da dívida (a substituição dos títulos soberanos de cada país por um título garantido por todos os governos ). A recusa alemã nasce de uma convicção, pelo menos duvidosa: a Alemanha é a âncora do euro e não pode sancionar as imprudências dos gastadores. Com essa visão os alemães vão lançar a Eurolândia e provavelmente o planeta numa crise sem fim. Nada mais parecido com a marcha da insensatez.
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