Por Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske, no Observatório da Imprensa
Os processos de desregulamentação, transnacionalização e oligopolização das últimas quatro décadas foram cruciais para o desenvolvimento dos conglomerados de comunicação. O fenômeno da globalização, na contramão das afirmações dos pesquisadores mais otimistas, não é uma questão resolvida nos planos da comunicação e da cultura. Ao contrário, encontra-se em plena ascensão, a partir dos novos modelos de negócio que fomentam ambientes de poucas companhias mundiais difundindo cultura para amplas audiências. Mas o atual momento apenas foi possível a partir de movimentos fundamentais, tais como a privatização, que implica a transferência de ativos detidos pelos setores públicos para investidores privados e a conversão de organizações públicas em companhias privadas; a liberalização, a partir da permissão da entrada de novas operadoras nos mercados, anteriormente monopólios ou dominados por mais de um operador; e a comercialização, que constitui no o alargamento da esfera do mercado da cultura e da comunicação.
Na microesfera destas questões encontra-se a “cultura em latas”, ou “enlatados”, no senso comum, termo que se refere aos produtos importados e exibidos na televisão. Foram muito populares durante os primeiros anos deste mercado, frente à necessidade de preenchimento das grades de programação, carência de mão-de-obra especializada e dificuldades financeiras de um mercado então em fase de organização. Mais recentemente, na segunda metade dos anos 90, começaram a ganhar fôlego os formatos transnacionais. O exemplo mais expressivo é o dos reality shows, um produto audiovisual que pretende retratar a realidade como ela é, especialmente de pessoas anônimas, como o mais comum dos telespectadores. Para isso são simuladas situações que se aproximariam do cotidiano, ou de uma construção (ilusória) da realidade. A vantagem da exibição deste tipo de produto é que possuem baixos custos e, de modo geral, bom retorno comercial e de audiência.
Trata-se de uma estratégia que não é exclusivamente implementada por emissoras comerciais brasileiras, mas também educativas e universitárias. O telespectador que sintoniza o sinal da TV Cultura de São Paulo, por exemplo, depara desde março de 2012 com a elevação dos títulos internacionais, substituindo produções brasileiras. É o caso da série Doctor Who, produção inglesa de ficção científica que deve perdurar durante seis temporadas, produzidas entre os anos de 2005 a 2011. Outra produção, Eu e Os Monstros narra a história da uma família que migrou da Austrália para o Reino Unido. Com a temática de “monstros no porão”, a produção busca tratar sobre aceitação das diferenças.
Globalização, ontem e hoje
Para além do mercado televisivo, o fenômeno pode ser compreendido como um processo histórico, sociocultural e cíclico, onde ideologias, capitais financeiros e mudanças comportamentais se reorganizaram e passaram a atuar conjuntamente. Seu desenvolvimento se iniciou de forma embrionária na Europa, entre o começo do século 15 até a metade do século 18, especialmente a partir da acentuação dos conceitos relacionados à humanidade, a teoria heliocêntrica do mundo e a difusão do calendário gregoriano.
Em um segundo momento, ainda incipiente, transcorreu também em solo europeu, entre a metade do século 18 até 1870, período em que se verificou um aumento de convenções e agências destinadas à comunicação internacional e tematização do problema do nacionalismo-internacionalismo. O terceiro momento concentra-se de 1870 até 1920, com o início de competições internacionais, a implementação da Hora Universal, a adoção quase global do Calendário Gregoriano, a Primeira Guerra Mundial e a criação da Liga das Nações. Entre 1920 e 1960 a globalização enfrenta sua quarta fase, onde se destaca a luta pela hegemonia, disputas em torno dos frágeis processos de globalização, conflitos internacionais sobre as formas de vida e surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas as incertezas se instaram durante os anos 60, auge da Guerra Fria, tempo de elevação dos movimentos sociais globais e de um maior interesse na sociedade civil.
Assim, na globalização acelerada de hoje, um dos traços são os processos de aquisições, fusões e outras fórmulas de associação dos capitais. Estas fusões e aquisições desencadeiam-se ao findar a década de 70, por motivos como a necessidade de ampliar o mercado para compensar o aumento dos custos fixos, principalmente gastos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e de aprovisionar em escala mundial certos insumos essenciais, nomeadamente de ordem científica e tecnológica. Desde a segunda metade dos anos 80, tais fenômenos têm sido ainda mais presentes na área de comunicações, por sua posição atual, de provedora de informações numa sociedade crescentemente vivenciada à distância. Revelam-se as firmas de comunicações extremamente valorizadas, com seus ativos sendo reposicionados e aumentando o ingresso de novos capitais, bem como transferências acionárias, alianças e acordos.
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