Por Izaías Almada
Junho, mês do quentão e das quadrilhas, que no Brasil abundam. Algumas, mais ao norte do continente, foram imortalizadas por Hollywood, como as de Jesse James e Al Capone. Hoje, modernizadas e informatizadas costumam agir por detrás dos guichês dos bancos e das repartições públicas. A estrutura administrativa do estado moderno, as grandes corporações e o volumoso capital sem controle advindo do narcotráfico, do contrabando de armas e que tais tornam o mundo um circo, onde a platéia observa atenta e embevecida o picadeiro, acompanhando o movimento de palhaços e equilibristas da ética.
Grécia, Portugal e Espanha dão o tom desafinado da desfaçatez neoliberal de uma Europa comunitária às vésperas de crise sem precedentes. Ao se tentar criar os Estados Unidos da Europa, pois na verdade era essa a intenção primeira dos países europeus que inventaram a CEE, atraindo para um centro de decisões políticas e econômicas países como a Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e posteriormente antigos países da Europa comunista, o capitalismo internacional descuidou de manter as rédeas curtas para os banqueiros e os especuladores financeiros. Estado mínimo e todo poder ao mercado. Para muitos o resultado já era esperado.
Nesse cenário, está cada vez mais difícil para o conglomerado midiático internacional caracterizar as várias manifestações anticrise pelo mundo como sendo insufladas pela esquerda. Assim, o jeito é tentar adjetivar os manifestantes como bandidos, terroristas, selvagens, vagabundos e outras bobagens do gênero. Parece que muitos já não acreditam nessas parvoíces.
Contudo, é curioso notar nesse exercício de descarada hipocrisia midiática um notável silêncio sobre as verdadeiras causas da crise e de seus principais causadores. Aí, sim, talvez não fosse difícil identificar a bandidagem. Um olhar cuidadoso no documentário cinematográfico “Inside Job”, por exemplo, vencedor do Oscar da categoria em 2010, ilustra na medida certa essa minha afirmativa.
Já não é segredo para ninguém, e os exemplos têm aumentado com o passar dos anos, que há no mundo contemporâneo – onde o capital especulativo financeiro tomou as rédeas da economia – já não é segredo, repito, a simbiose entre políticos e empresários corruptos, entre a administração pública e o crime organizado.
O capitalismo precisa dessas parcerias para a sua sobrevivência. Um sistema econômico que degrada e explora o trabalho e destrói a natureza não poderá esticar indefinidamente a sua sobrevida se não usar de todos os recursos legais e ilegais para legitimar-se… E prolongar-se.
No Brasil não é diferente, mesmo que em nossa defesa possamos – nesse momento – nos orgulharmos de estar fora do olho do furacão. Mas também aqui, o capitalismo está sempre a botar suas manguinhas de fora. E como!
Haja vista a CPMI (mais uma) instalada há poucas semanas em Brasília, que confrontada com a tentativa da mídia cabocla de jogar areia nos olhos da sociedade, ainda assim não esclarece como deve ser o sangramento do criminoso conluio de políticos, empresários e jornalistas para assaltarem o patrimônio público e defenderem o sistema que os beneficia. E a CPI da Privataria tucana, convenientemente engavetada?
Entre incrédulos, alienados e os indefectíveis defensores do capitalismo selvagem, por mais incrédulos, alienados e indefectíveis que sejam, cresce também alguma dúvida e a incerteza.
1% da humanidade continua rindo a bandeiras despregadas. Os outros 99% disputam a cotoveladas os bolsões de progresso e condições mínimas de sobrevivência e o que resta de sadio humanismo. E nessa guerra vale tudo: da traição ao uso da chantagem nuclear; da malandragem ao autoritarismo; da bravata à impunidade; da imposição de uma falsa democracia ao fascismo dissimulado; das lutas sociais sem rumo à manipulação das consciências; da mentira e da desinformação à arrogância academicista; do crime organizado à justiça desorganizada; da mercantilização da fé ao genocídio de hereges.
Jesse James e Al Capone não fariam melhor.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros “Teatro de Arena, uma estética de resistência”, da Boitempo Editorial e “Venezuela, povo e Forças Armadas”, Editora Caros Amigos.
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