Por Sérgio Luís Bertoni *
Um desafio está colocado para nós, brasileiros, neste início da era do capitalismo informacional: aceitar a condição de consumidores de tecnologias e informação alheia ou nos transformarmos em produtores autônomos e soberanos das mesmas.
No capitalismo informacional, a produção material está assumindo um papel secundário nos processos produtivos, sendo apenas uma consequência da aplicação de tecnologias e conhecimentos.
A chamada produção imaterial ou de bens intangíveis (tecnologia e conhecimento) vai asumindo um papel predominante e quem dominá-los, dominará todo o processo econômico e social. Prova disso é o valor de mercado e o poder de compra de uma empresa de tecnologia como o Google, muitas vezes superior ao valor de mercado da maior montadora de automovéis, que é um exemplo clássico da era industrial. Além disso a saúde financeira das empresas de tecnologia e informação fariam o combalido sistema financeiro internacional passar vergonha, se a tivesse...
Se no obscurantismo da idade média, as catedrais estavam no centro de toda a organização social, política e econômica, assim como na era industrial estavam as industrias e no capitalismo financeiro os bancos, no capitalismo informacional tudo vai se organizando em torno dos produtores de conhecimento, tecnologia e informação.
Portanto, se nos contentarmos com a condição de meros consumidores de tecnologia e conhecimento, nos contentaremos com a indigna posição de dominados e agravaremos ainda mais as mazelas nacionais. À exclusão social e econômica, estaremos adicionando a exclusão digital e do conhecimento.
Para superar esta condição, antes mesmo que ela esteja consolidada, precisamos romper com o complexo de viralatas que ainda reina em nossas mentes e corações.
Precisamos ser ousados e passar à condição de produtores de tecnologias e provedores de serviços tecnológicos e informacionais.
Precisamos criar infraestruturas tecnológicas nacionais públicas e abertas que garantam o acesso de todas as camadas da população aos novos serviços proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico e informacional.
Precisamos, inclusive, ter servidores e repositórios públicos nacionais para armazenamento seguro de toda a informação, conhecimento e tecnologia produzidos no país. Aliás, a segurança de nossos dados pessoais e coletivos, das tecnologias que produzimos, assim como a sua integridade, são questões tanto de segurança nacional, como de preservação cultural, de nossas crenças e sabedorais autóctonas.
Note-se que falamos de infraestrutura pública e não estatal, porque entendemos que esta mudança de condição, este deixar de ser consumidor de tecnologia e conhecimento para tornar-se produtor dos mesmos, só é efetivamente possível e inclusivo se houver ampla colaboração entre comunidades, governos, sociedade civil, sindicatos, movimentos sociais, empresas públicas e privadas. Esta colaboração só pode existir em um ambiente livre e colaborativo, onde todos os que participam do mesmo, preservadas suas especialidades e capacidades, igualmente são tratados como sujeitos do processo de desenvolvimento.
A condição de igualdade e protagonismo dos agentes a qual nos referimos no parágrafo anterior não existe no mundo da propriedade intelectual privada, no mundo do copyright como ele é atualmente concebido. No mundo da propriedade intelectual privada, quem a detém, quem detém uma patente, está num patamar superior aos demais e, conforme legislação em vigor, possui determinados direitos reservados que lhe permite, inclusive, indisponibilizar o uso da mesma.
Para sobreviver nesta nova selva do capitalismo informacional precisamos de um projeto de desenvolvimento tecnológico nacional que junte iniciativas e evite a concorrência danosa entre irmãos, ou seja, aquela concorrência que leva a dispersão de energias e de trabalho. Não se propõe aqui reinventar rodas, mas sim juntar as partes que hoje se desenvolvem em separado e criar sinergias que possibilitem o desenvolvimento conjunto delas. E isso, mais uma vez, só é possível em um ambiente de colaboração.
Um exemplo bem prático do que estamos falando é o Blogoosfero, a plataforma livre e colaborativa desenvolvida em parceria pela Blogosfera Progressista e o Movimento do Software Livre.
De um lado, @s chamad@s Blogueir@s "Suj@s" realizavam seu trabalho de produção de informação e em defesa da Liberdade de Expressão usando as ferramentas disponíveis. Porém, começaram a sofrer ataques cibernéticos e, o mais grave, a sofrer censura. Posts e blogs foram retirados do ar, muitas vezes de forma arbitrária e completamente sem sentido. Sentiram, então, a necessidade de ter uma blogosfera "blindada" que pudesse protegê-l@s contra estes tipos de ataques.
De outro lado, o Movimento do Software Livre, mais especificamente a Colivre - Cooperativa de Tecnologias Livres da Bahia, desenvolvia o Noosfero, uma ferramenta livre e segura para administração de blogs e redes sociais, testada em ambientes de produção críticos tais como campanhas eleitorais e fóruns de software livre.
Se @s blogueir@s tentassem desenvolver algo do zero, reinventando a roda, levariam anos para conseguir produzir uma ferramenta própria que já poderia estar ultrapassada quando de seu lançamento. Porém, ao estabelecer a colaboração com o Movimento do Software Livre, trocar informações e experiências, foi possível criar o Blogoosfero em apenas 4 meses de trabalho de desenvolvimento e disponibilizá-lo ao público em maio de 2012. no 3º Encontro Nacional de Blogueir@s, realizado em Salvador, BA.
Esta colaboração entre Blogosfera Progressista e Movimento do Software Livre tem ajudado às duas comunidades a entender as demandas e ensejos alheios e a apoiar-se mutuamente nas demandas de cada movimento, assim como criar sinergias no desenvolvimento de novas funcionalidades da plataforma. Ou seja, antes mer@s usuári@s de tecnologias para blogs, @s blogueir@s podem hoje também participar do desenvolvimento de uma tecnologia nacional!!!
Muitos são os entes da República Federativa do Brasil (públicos e privados) que planejam desenvolver algo parecido com o já feito pelo Blogoosfero. Mas infelizmente o fazem de forma isolada, sem colaboração. Além de atrasar os processos de desenvolvimento, isso gera um gasto desnecessário de trabalho e inteligência. Somos um país pobre que não pode se dar ao luxo de desperdiçar os parcos recursos que tem.
Se tais iniciativas passarem a colaborar e trabalhar em conjunto juntando as boas práticas e experiências já estabelecidas, podemos dar um salto tecnológico incrível em pouquíssimo tempo.
A resposta para o desafio colocado no início deste artigo está no desenvolvimento de tecnologias nacionais livres e colaborativas, juntando as boas práticas, iniciativas e experiências já existentes e criando sinergias que potencializem os resultados do trabalho e da inteligência nacional. Ou, em uma palavra, Colaboração!
* Sérgio Luís Bertoni é Mestre em Filosofia pela Universidade Estatal de Moscou M.V. Lomonossov, Coordenador de TIE-Brasil, Blogueiro "Sujo" e Progressista, Ativista Digital e Presidente da Fundação Blogoosfero.
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