12 de março: 28 anos da web e as preocupações de Tim Berners-Lee, seu criador
12 de Março de 2017, 18:00 - sem comentários aindaHoje é o 28º aniversário da World Wide Web! Leia a mensagem do criador da web e nosso fundador, Sir Tim Berners-Lee, sobre como a web tem evoluído, e o que precisamos fazer para concretizar sua visão da web como uma plataforma equitativa, capaz de beneficiar toda a humanidade.
Hoje se completam 28 anos desde que submeti minha proposta original para a world wide web. Eu a imaginei como uma plataforma aberta, permitindo que qualquer um, onde quer que estivesse, pudesse compartilhar informações, acessar oportunidades e colaborar entre fronteiras geográficas e culturais. De diversas maneiras, a web conseguiu tornar esse anseio realidade, embora mantê-la aberta tenha sido uma batalha recorrente. Nos últimos 12 meses, contudo, tenho estado cada vez mais preocupado com três novas tendências, que acredito que devemos combater para que a web possa alcançar seu verdadeiro potencial como ferramenta a serviço de toda a humanidade.
1) Nós perdemos controle sobre nossos dados pessoais
O modelo vigente de negócios em muitos websites contempla oferecer conteúdo gratuito em troca de dados pessoais. Muitos de nós concordamos, embora isso frequentemente se dê ao aceitarmos aqueles longos e confusos termos de uso -, mas, em geral, nós não nos incomodamos que algumas informações sejam coletadas em troca de serviços gratuitos. Acontece que assim perdemos uma oportunidade. Quando nossos dados são armazenados em espaços particulares, longe de nosso alcance, perdemos as benesses que poderíamos ter caso tivéssemos controle direto sobre os dados e escolhêssemos quando e com quem gostaríamos de compartilhá-los. Além disso, muitas vezes não temos meios de contatar as empresas sobre os dados que não queremos compartilhar – especialmente com terceiros. Os termos e as condições de uso normalmente são tudo ou nada.
A coleta disseminada de dados por empresas também apresenta outros impactos. Em colaboração – ou coerção – com empresas, os governos passaram a observar todos os nossos movimentos online, e aprovaram leis extremas que atropelam nossos direitos à privacidade. Em regimes de repressão, é mais fácil entender o mal que pode ser causado: blogueiros podem ser detidos ou assassinados, e opositores políticos podem ser monitorados. Mas, mesmo nos países em que acreditamos que os governos trabalham em prol de seus cidadãos, vigiar todas as pessoas o tempo todo está indo longe demais. Há um efeito inibidor na liberdade de expressão que impede que a web seja usada como um espaço para lidar com assuntos relevantes, como questões de saúde, sexualidade ou religião.
2) É muito fácil difundir desinformação na web
Boa parte das pessoas atualmente acessa notícias e informações na web em um punhado de sites de mídias sociais e mecanismos de busca. Esses sites ganham dinheiro a cada clique que damos nos links que eles nos mostram. Mais ainda: eles escolhem o que irão nos mostrar com base em algoritmos que aprendem com os nossos dados pessoais – que estão constantemente colhendo. O resultado é que esses sites nos mostram conteúdo que acreditam que nós vamos querer clicar – o que significa que desinformação ou “notícias falsas” (as chamadas fake news), que têm títulos surpreendentes, chocantes, criados para apelar aos nossos preconceitos, podem se espalhar como fogo. Pelo uso da ciência de dados e de exércitos de bots, pessoas com más intenções podem jogar com o sistema para disseminar desinformação para ganhos financeiros ou políticos.
3) Propaganda política online precisa de transparência
Propaganda política online rapidamente se tornou uma sofisticada indústria. O fato é que a maioria das pessoas acessa informação em algumas poucas plataformas, e a crescente sofisticação dos algoritmos que atuam sobre ricos tanques de dados pessoais significa que campanhas políticas estão criando anúncios individuais, que miram os usuários diretamente. Uma fonte sugere que nas eleições de 2016 nos Estados Unidos, mais de 50 mil variações de anúncios foram lançadas diariamente no Facebook, uma situação quase impossível de se monitorar. E suspeita-se que alguns anúncios políticos – nos Estados Unidos e pelo mundo – estão sendo usados de maneira antiética para conduzir eleitores para sites de notícias falsas, por exemplo, ou para manter pessoas longe das pesquisas eleitorais. Anúncios direcionados permitem que uma mesma campanha lance informações diferentes e possivelmente contraditórias para grupos diferentes. Isso é democrático?
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Esses são problemas complexos, e as soluções não serão simples. Mas alguns poucos caminhos abrangentes já estão ficando claros. Precisamos trabalhar junto com empresas da web para estabelecer um equilíbrio que coloque o controle de uma quantidade considerável de dados de volta às mãos das pessoas, incluindo o desenvolvimento de novas tecnologias como “pods de dados”, se for necessário, e explorar modelos alternativos de receita, como assinaturas e micropagamentos. Precisamos lutar contra o alcance excessivo de dados por governos através de leis de vigilância, inclusive em tribunais se necessário. Precisamos nos opor às desinformações, incentivando portais como Google e Facebook a continuarem se esforçando para combater o problema, ao mesmo tempo evitando a criação de centrais que decidam o que seria “verdade” ou não. Precisamos de mais transparência nos algoritmos para entendermos como têm sido feitas as decisões importantes que afetam nossas vidas, e talvez estabelecer um conjunto de princípios comuns a se seguir. Precisamos, com urgência, fechar o “ponto cego da internet” na regulamentação das campanhas políticas.
Nossa equipe na Web Foundation vai seguir trabalhando em muitas dessas questões como parte de nossa estratégia de cinco anos, pesquisando os problemas com mais detalhes, providenciando soluções políticas proativas e aproximando pessoas e coalizões que possam tornar a web mais progressiva, com equidade de poder e oportunidades a todas e todos. Por isso, peço o seu apoio para seguirmos trabalhando – seja na divulgação de nossos textos, na pressão a empresas e governos, ou através de doações. Nós também montamos um diretório de organizações de direitos digitais pelo mundo para que você possa conhecê-las e inclusive apoiá-las.
Eu posso ter inventado a web, mas são todos vocês que ajudaram a torná-la o que é hoje. Todos os blogs, posts, tweets, fotos, vídeos, aplicativos, páginas web etc. representam contribuições de milhões de pessoas pelo mundo que, como você, constroem nossa comunidade online. Todo tipo de gente ajudou nesse processo: políticos que trabalham para manter a web aberta, organizações como a W3C, que amplia a potência, acessibilidade e segurança da tecnologia, e os manifestantes nas ruas. Ano passado, acompanhamos quando nigerianos se opuseram a uma lei de mídias sociais que dificultaria a liberdade de expressão online; comoção pública e protestos contra os cortes regionais de internet nos Camarões; e o grande apoio popular pela neutralidade da rede tanto na Índia como nos Estados Unidos.
Para construir a web que temos hoje, todos nós fomos necessários, e agora mais uma vez seremos necessários para construir a web que queremos – para todos. Se você quiser se engajar, entre na nossa mailing list, faça doações, e considere doar para e/ou fazer parte de alguma das organizações que trabalham com essas questões pelo mundo.
Sir Tim Berners-Lee
A Web Foundation está na linha de frente da luta para proteger e fazer avançar a web para todos. Acreditamos que isso é essencial para reverter as inequidades crescentes e empoderar os cidadãos. Acompanhe o nosso trabalho assinando nossa newsletter, e localize nesta lista uma organização local de direitos digitaispara apoiar. Novos nomes na lista são bem-vindos e podem ser sugeridos pelo e-mail contact@webfoundation.org
Fonte: Web Foundation
8 de março: o Dia da MULHER nasceu Vermelho
8 de Março de 2017, 9:48 - sem comentários aindaCapa da Edição publicada em 2006 por TIE-Brasil e NPC
Por NPC
A versão das 129 mulheres queimadas vivas em Nova Iorque em meados do século 19 tem sido amplamente divulgada como a origem do 8 de março. No entanto, é importante lembrar que, apesar de muitas greves de mulheres ocorridas nos Estados Unidos, a data foi fixada a partir de um episódio ocorrido na Rússia em 1917, considerado o estopim da Revolução. Logo, o 8 de março tem uma origem socialista.
Vamos entender o contexto. O início do século 20 foi marcado por inúmeras lutas das mulheres no mundo, principalmente pelo voto feminino. Quem viu o filme Sufragistas acompanhou um pouco da mobilização das mulheres inglesas por esse direito. A questão era tão importante naquele tempo que, em 1907, houve a 1ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, com a presença de importantes intelectuais marxistas como Alexandra Kollontai, Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo. Lá, elas já defendiam que todos os partidos socialistas do mundo deviam lutar pelo voto feminino. Greves passam a ocorrer no mundo todo, inclusive nos Estados Unidos. Em agosto de 1910, a 2ª Conferência Internacional da Mulher Socialista delibera que as socialistas deverão organizar, em seus países, um dia de lutas específico, mas a data não é definida. Assim, cada país escolheu o seu dia: Suécia e França optaram pelo 1º de Maio; EUA pelo 26 de fevereiro; Alemanha pelo 19 de março, e assim foi. Neste mesmo ano, em uma greve em Nova Iorque houve um incêndio, no qual morreram 146 pessoas queimadas, a maioria mulheres. Esse é provavelmente o mito da origem do 8 de março.
Foi em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no calendário russo) que estourou uma greve das tecelãs de São Petersburgo. Essa greve gera uma grande manifestação e é considerada o estopim da Revolução Russa, que explodiria naquele ano. No ano seguinte, Alexandra Kollontai lidera as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher e consagra o 8 de março como essa data, em lembrança à greve do ano anterior. A partir de 1922, o Dia Internacional das Mulheres passou a ser celebrado oficialmente neste dia.
Com o tempo, porém, essa origem socialista da data foi esquecida. Quando, na década de 1960, o movimento feminista ganhou força, principalmente nos EUA, o 8 de março voltou a ser comemorado, mas a história da greve das mulheres de Nova Iorque foi tomando força. Na década de 1970, organizações internacionais, como a ONU e a Unesco, reconheceram a data, após muita pressão e insistência do movimento feminista. Mesmo assim, a explicação escolhida para a data foi a das 129 operárias queimadas vivas, a qual, inclusive, não tem nenhum registro.
Foi para resgatar a mobilização das tecelãs russas em 1917 e o esforço das mulheres socialistas pela instituição da data que nós, do NPC, lançamos a cartilha A origem socialista do Dia da Mulher.
O plano do Facebook para dominar o mundo
5 de Março de 2017, 10:53Foram anunciadas em janeiro ideias sobre consultar agências especializadas na veracidade de notícias e restringir anúncios pagos em publicações de produtores contumazes de falsidades, até agora com poucos resultados práticos, mas faltava uma reflexão mais geral sobre o papel da rede.
Na quinta-feira 16, Mark Zuckerberg por fim a proporcionou – e o resultado é tão assustador quanto a própria ascensão da extrema-direita. Nesse manifesto de 6 mil palavras, “Construir a Comunidade Global”, exibe-se a pretensão não de aperfeiçoar um produto, mas de substituir os quatro poderes, mídia incluída, e ditar o destino do mundo. Alguns excertos:
“Nosso próximo foco será desenvolver infraestrutura social para a comunidade – para nos apoiar, para nos manter seguros, para nos informar, para o engajamento cívico e para a inclusão de todos. A história é a narrativa de como aprendemos a conviver em números cada vez maiores, de tribos a cidades e nações. Hoje estamos perto do próximo passo. O Facebook propõe-se a construir uma comunidade global. Questiona-se se podemos fazê-la funcionar para todos e se o caminho é conectar mais ou voltar para trás. Vozes temerosas pedem a construção de muralhas.
Nosso sucesso não se baseia apenas em se podemos capturar vídeos e compartilhá-los com amigos. É sobre se estamos construindo uma comunidade que ajude a nos manter seguros, que previna danos, ajude nas crises e na posterior reconstrução. Nenhuma nação pode resolver esses problemas sozinha.
Os atuais sistemas da humanidade são insuficientes. Esperei muito por organizações e iniciativas para construir ferramentas de saúde e segurança por meio da tecnologia e fiquei surpreso por quão pouco foi tentado. Há uma oportunidade real de construir uma infraestrutura de segurança global e direcionei o Facebook para investir mais recursos para atender a essa necessidade”.
O Facebook, conhecido em toda parte por se esquivar de impostos e de responsabilidades legais e morais, propõe-se a exercer em escala mundial funções típicas de um governo – se não também de uma igreja – e ainda monopolizar o acesso à informação. Se Zuckerberg tivesse anunciado abertamente a intenção de se candidatar à Presidência dos EUA, como chegou a se especular há algumas semanas, seria menos preocupante.
Ganhar bilhões com convencer as pessoas a desnudar a alma na internet e vender informações sobre elas a empresas e políticos já é ruim o suficiente. Enquanto Hillary Clinton conduziu uma campanha pela tevê difundida ao público geral, Trump baseou-se na rede social para direcionar anúncios a segmentos específicos e testar as reações a pequenas variações.
Propaganda anti-imigração, por exemplo, foi especialmente direcionada aos fãs de The Walking Dead após se constatar uma forte correlação entre xenofobia e o gosto pelo seriado e escondida de setores (latinos, por exemplo) que a consideravam antipática.
Com esse manifesto o Facebook propõe-se, porém, não apenas a catalogar identidades, opiniões, preferências, relações sociais e comunidades para lucro financeiro ou político de terceiros, mas a moldá-las e administrá-las conforme a visão da equipe de Zuckerberg, que não presta contas à democracia nem a ninguém, enquanto torna cada vez mais dependente dessa “infraestrutura” a busca de relacionamentos sociais, afetivos e profissionais e até o deslocamento no mundo real: uma viagem à Florida pode hoje depender da abertura de uma conta na rede social às autoridades dos EUA e estas ficarem satisfeitas com o que virem.
À luz dessa realidade, estes trechos soam ameaçadores: “Em campanhas recentes, dos EUA à Índia, passando pela Europa, vimos vencerem os candidatos com seguidores (no Facebook) mais numerosos e entusiasmados. Podemos estabelecer o diálogo e a prestação de contas diretamente com os líderes eleitos”. Conforme pergunta uma jornalista do Guardian, Carole Cadwalladr, como reagiríamos se Zuckerberg se chamasse Mikhail e sua empresa fosse sediada em Moscou?
Acrescente-se que, no Brasil, 55% pensam que o Facebook é a internet, assim como 58% na Índia, 61% na Indonésia e 65% na Nigéria, diz pesquisa da revista Quartz de fevereiro de 2015. A maioria dessas pessoas jamais pagará assinaturas físicas ou digitais de jornais e revistas e aceitará a informação como for apresentada na rede de Zuckerberg.
A possibilidade de descobrir outra coisa nem sequer existe para os mais de 40 milhões de usuários da internet.org, parceria de Zuckerberg com empresas de telecomunicações que oferece conexão grátis limitada ao Facebook e Wikipédia em vários países da América Latina, África e Ásia.
A seleção dessa informação tem sido baseada em grande parte em usuários dispostos a prestar serviços gratuitos como cobaias, editores e curadores. Os algoritmos sabidamente selecionam o que é apresentado em função de preferências anteriores, pois os usuários permanecem mais tempo ligados e clicam mais anúncios se não forem tirados de suas zonas de conforto.
Como também é notório, a exclusão de postagens e a suspensão ou expulsão de usuários baseiam-se em critérios ridículos, indiferentes a mentiras, mensagens de ódio e cenas de violência, impiedosos contra imagens de mamilos e nus artísticos e submissos a qualquer grupo organizado disposto a denunciar em massa quem postar mensagens – na maioria das vezes, feministas ou antirracistas – que lhes desagradem. Como será no futuro?
Zuckerberg conta com inteligências artificiais capazes de assinalar postagens “ofensivas” e capacitar os usuários a fazer sua própria censura: “Onde está seu limite para nudez, violência, imagens chocantes e obscenidades? Você decidirá suas preferências pessoais. Para quem não tomar uma decisão, a configuração predefinida será da maioria das pessoas de sua região, como em um referendo”.
Quem morar em uma região conservadora, verá apenas mensagens selecionadas por critérios conservadores. Em tese poderá decidir por outros filtros, mas, se acaso conseguir decifrar o funcionamento dos opacos algoritmos da rede, seu inconformismo logo será óbvio para os demais usuários e as autoridades.
Ao menos caiu a máscara com a qual o Facebook se apresentava como uma plataforma neutra para mensagens de responsabilidade de terceiros. Admitiu uma agenda política com o objetivo de conformar o mundo ao seu gosto e a um ideal tecnocrático que, tanto quanto o autoritarismo racista de Trump e Le Pen, fede aos anos 1930 e neles foi satirizado por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo. Cabe a quem acredita na democracia desafiá-la e buscar os meios de tirar do monopólio privado os meios de ditar a opinião e o interesse público.
Reforma da Previdência: Minuto da verdade
27 de Fevereiro de 2017, 9:28O governo Temer vem alardeando de forma manipulada dados do orçamento brasileiro e também da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para justificar a reforma da previdência. A OCDE usa dados da realidade dos 34 países, entre eles os mais industrializados e desenvolvidos do mundo, para a formulação de políticas públicas. Aqui, com realidade tão diversa, só com muita má fé ou desconhecimento do Brasil é que se justifica a perda de direitos para a maioria pobre do povo e a entrega ao mercado de parcela importante dos e das nossas trabalhadoras. É possível imaginar que podemos reformar a previdência de forma a igualar as regras de países como Canadá, Austrália, Suécia, Noruega, entre outros?
A regra de aposentadoria proposta por Temer é impiedosa. O texto prevê a contribuição obrigatória por 49 anos para alcançar o benefício integral. A idade mínima passa a ser 65 anos, para homens e mulheres igualmente e com uma contribuição mínima de 25 anos. Aplicar esta fórmula é o mesmo que negar a aposentadoria para a imensa maioria dos segurados do campo e da cidade.
No Brasil, dados oficiais mostram que a rotatividade no emprego é de 45%, fazendo com que a contribuição fique em média 6 meses por ano. Ou seja, para atingir 25 anos de contribuição, precisa trabalhar 50 anos. O problema é que 79% dos segurados que trabalham 49 anos não atingem 25 em regime. No Brasil de hoje, 37,3% da população não chega aos 65 anos, quando na OCDE este índice é menor que 20%.
Lá, os trabalhadores têm uma expectativa de duração de suas aposentadorias de 17,2 anos. Aqui, a média é de 13,4 anos. Em vários países da OCDE, os trabalhadores recebem o benefício por 21 anos. O tempo de vida saudável no Brasil é menor em 10 anos, comparado aos países da OCDE.
Só para exemplificar, vamos olhar os benefícios e observar a desumanidade da proposta. Cerca de 68% dos trabalhadores no Brasil recebem aposentadoria de 1 salário minimo. Outros 16% de 2 salários e 5% entre 3 e 4 salários. É sobre esses que a proposta de Temer reduz no cálculo do valor. As pensões por morte deixarão de ter o piso no salario minimo e não poderão acumular com nenhuma aposentadoria, mesmo que seja no piso. Também os benefícios para idosos e pessoas com deficiência foram desvinculados do salario mínimo e o alcance para os idosos passou de 65 para 70 anos. Os trabalhadores rurais, que começam a trabalhar com 13 anos de idade e que contribuem sobre a comercialização da produção, serão deslocados para as novas regras e consequentemente impedidos de acessar a aposentadoria. E o governo diz que a reforma vai atingir os ricos…
As mentiras do governo têm sido embaladas por um terrorismo publicitário aplicado em propagandas milionárias. Com o título “1 Minuto da Previdência”, a mentira oficial adentra os lares brasileiros afirmando que sem reforma, não haverá como manter os benefícios. Nada mais longe da verdade. O desgoverno Temer está gastando o seu dinheiro para retirar seus direitos. Solicitei recentemente informações sobre o valor gasto nessas propagandas, recursos que não deveriam ser utilizados para enganar a sociedade e ganhar seu apoio para a mais completa aniquilação de direitos.
A verdade é que com a chegada ao poder, sem votos e com a popularidade cada dia menor, o ilegítimo se sente apto a entregar aos planos privados o futuro dos trabalhadores. É o momento de pagar a conta do golpe às custas do povo. Está em curso o desmonte do Estado e de uma política social solidária. Na Constituição de 1988, garantimos o piso de 1 salário para todos os benefícios, o sistema de seguridade social, a inclusão dos trabalhadores rurais e a existência dos benefícios de prestação continuada.
A reforma da Previdência é um mal a ser combatido por todos nós. Em todos os cantos, diariamente. Precisamos dar as mãos neste levante para impedir que o Governo destrua uma política de alcance social enorme. Uma política que garante a dignidade e a possibilidade de continuar sonhando aos que já deram uma vida de suor para o desenvolvimento de nosso país.
* Jandira Feghali é médica e deputada federal (RJ).
Putin ordena que chefes da espionagem da Rússia encontrem os mandantes do assassinato do embaixador na Turquia
20 de Dezembro de 2016, 17:54 - sem comentários aindaLogo após o assassinato de Andrey Karlov, embaixador russo na Turquia, o presidente russo Vladimir Putin convocou uma reunião urgente de seus principais assessores de política externa e de inteligência.
O encontro aconteceu ontem, 19 de dezembro de 2016, no Kremlin, e contou com a presença de Putin, presidente russo, Seguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores, Sergey Naryshkin, chefe da SVR (Serviço de Espionagem Exterior) e Alexander Bortnikov, chefe da FSB (Serviço Federal de Segurança Nacional).
A nota publicada pelo Kremlin após a reunião dá uma idéia de qual será a resposta imediata da Rússia ao assassinato do embaixador:
Este crime é inegavelmente uma provocação destinada a desestabilizar a normalização das relações russo-turcas e o processo de paz na Síria, que é ativamente promovido pela Rússia, Turquia, Irã e outros países interessados na resolução do conflito interno na Síria.
Só pode haver uma resposta - intensificar a luta contra o terrorismo.
O Comitê de Investigação da Rússia já iniciou a investigação do assassinato e foi encarregado de formar um grupo de trabalho que irá prontamente para Ancara participar das investigações deste crime, juntamente com parceiros turcos. Devemos descobrir quem dirigiu a mão do assassino.
A segurança deve ser reforçada nas missões diplomáticas russas na Turquia, na embaixada e em outras missões. O lado turco deve fornecer garantias de segurança nos escritórios diplomáticos russos, em conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
O conteúdo da nota marca a diferença entre a maneira como os russos lidam com esses tipos de atentados terroristas e como certos países ocidentais - principalmente os EUA e Israel - o fazem.
A resposta clássica ocidental a um assassinato desse tipo é a ação militar.
Em 1982, Israel usou uma tentativa de assassinato de Shlomo Argov, o embaixador de Israel na Grã-Bretanha, como pretexto para iniciar a invasão do Líbano, onde pretendia destruir a OLP (Organização de Libertação da Palestina).
Em 1986, os EUA bombardeando a Líbia como resposta ao assassinato de dois militares norteamericanos, mortos durante um ataque à discoteca La Belle, em Berlim Ocidental.
Em 2001, os EUA responderam aos ataques terroristas de 11 de Setembro invadindo o Afeganistão e depois destruindo o Iraque.
Em novembro de 2015, a França respondeu aos ataques em Paris bombardeando Raqqa.
Em 2016, os russos tratam os ataques deste tipo como uma "provocação" destinados a desestabilizar a perseguição de seus objetivos ("a normalização das relações russo-turcas e o processo de paz na Síria").
A partir do momento em que classificam o ataque como uma "provocação", passam a ter cuidado para não serem provocados a fazer o que eles acreditam que os terroristas querem que eles façam.
Diferentemente de Angela Merkel, a chefona alemã, que se apressou em qualificar o atropelamento de uma feira natalina por um caminhão (ocorrido em Berlim na mesma data) como um atentado terrorista sem ainda ter provas para tanto, os russos abrem uma investigação do crime cometido contra seu embaixador.
Descarta-se, portanto, uma resposta militar neste primeiro momento.
Para surpresa dos analistas internacionais, a resposta do presidente Putin ao assassinato de A. Karlov não foi convocar Serguei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, nem os demais chefes militares do país. Ao contrário, se reuniu com o ministro russo da Relações Exteriores, e os chefes dos serviços de espionagem e segurança da Rússia.
Em vez de identificar o ataque como um ato de guerra (que por sinal é o que legalmente é um assassinato de um embaixador), o presidente Putin classifica como "crime" e como tal deve ser investigado.
Ao invés de culpar os turcos por permitir que isso aconteça em seu território e ameaçá-los com toda sorte de conseqüências terríveis, o presidente russo pede a criação de um "grupo de trabalho" que em conjunto com as autoridades turcas buscarão identificar e localizar os responsáveis pelo assassinato.
Desta forma, a soberania e o orgulho da Turquia são respeitados.
Além dessas medidas, Putin chamou seus chefes de segurança para reforçar a segurança dos diplomatas russos (e sem dúvida de suas famílias) na Turquia.
Embora os comentários de Putin impliquem que a investigação está sendo realizada pelo Comitê de Investigação da Rússia - uma agência policial e de aplicação da lei mais ou menos análoga ao FBI dos EUA, o fato dele se reunir com os chefes dos serviços de espionagem exterior e segurança nacional - Naryshkin e Bortnikov - mostra que, na realidade, são as agências russas de espionagem exterior e segurança nacional - a SVR e a FSB - a quem se dá a tarefa de localizar quem ordenou o assassinato.
Não descarta-se, contudo, a possibilidade do assassino ter agido sozinho.
Caso se comprove que o assassinato foi resultado de uma conspiração e que outras pessoas participaram de sua preparação e execução, não se deve excluir a possibilidade de uma brutal reação russa.
No entanto, o contraste entre a resposta imediata russa ao assassinato do embaixador e a típica resposta ocidental é impressionante.
Em situações deste tipo, as potências ocidentais (EUA e Israel em especial) usam fuzis e bombas, os russos usam as lupas dos serviços secretos...
Senso Comum: O PT é a Origem de Toda a Corrupção e Mazelas do Brasil Neste Inicio de Milênio
20 de Novembro de 2016, 16:15 - sem comentários aindaNuma conversa informal de rede social a respeito da invasão da Câmara Federal por um grupo de saudosistas do regime militar, ocorrido nesta semana, meu interlocutor lançou o seguinte argumento:
“... não acredito que todos estamos errados, enganados e manipulados. Afinal, somos a maioria que enxergamos e pensamos desta forma ... a roubalheira imposta pelo PT à Petrobrás...”
Trocando em miúdos, o que ele escreveu pode ser traduzido como: A voz do povo é a voz de Deus.
Será mesmo?
Minha resposta que em princípio pareceria simples, acabou virando textão e o textão, depois de revisado, veio parar aqui:
Quando Jesus Cristo foi condenado a cruz, não o foi por uma decisão unilateral de Pilatos. Pilatos, ciente do grave erro que poderia estar cometendo, lavou as mãos e decidiu que o próprio povo que acompanhava o julgamento deveria escolher quem se livraria da cruz. Se Jesus ou Barrabás.
Como todos já sabem, o povo escolheu crucificar Jesus, mas esta escolha não foi consciente, foi induzida pelos fariseus do Sinédrio que viam em Jesus uma ameaça a seus privilégios, principalmente, depois do quebra-quebra que Jesus e seus seguidores promoveram no Templo. Os fariseus, doutores da lei na região, tinham forte influência sobre o povão e foi fácil para eles, convencer o povão de que as ideias e ideais difundidos por Jesus eram muito mais prejudiciais a sociedade da época, do que as ideias e ideais de Barrabás, que só queria mesmo era chamar o exército romano pra briga e morrer numa luta desigual na qual ele não ele não tinha a menor chance de vitória.
Assim, o povo, influenciado e incitado pelos fariseus e seus marqueteiros, decidiu livrar Barrabás da cruz e mandar Jesus para o martírio, numa espécie do que seria um plebiscito pela redução da maioridade penal ou pela adoção da pena de morte dos nossos tempos, realizado nos tempos bíblicos.
De modo bastante similar, o mesmo vem acontecendo no Brasil desde 2003.
De 2003 até 2012, a elites dominantes, a aristocracia sem títulos formais, os especuladores do mercado financeiro, não viam seus privilégios realmente ameaçados pelas políticas social-democratas dos governos petistas, havia uma convivência mais ou menos pacifica que só se acirrava em tempos de eleições. Como foi no caso do mensalão do PT, nada mais que uma tentativa frustrada desta elite dominante, de impedir a reeleição de Lula em 2006.
Por volta de 2012, em virtude da crise internacional, o Governo Dilma precisava encontrar uma solução para recuperar o crescimento do país, optou por reduzir um pouco mais drasticamente as taxas de juros, fortalecer a participação do Brasil no BRICS e o anúncio da criação do Banco dos BRICS que se pretendia como uma alternativa ao monopólio do FMI e da moeda norte americana nas transações da economia internacional.
Apesar destas medidas terem funcionado positivamente na recuperação da economia, irritaram profundamente os especuladores do mercado financeiro que consomem por volta de 50% do Orçamento da União, sem nenhuma contra partida ou serviço prestado e também, irritou à aristocracia improdutiva e os donos dos meios de comunicação, sempre alinhados aos interesses norte-americanos, não importa quais benefícios ou prejuízos este alinhamento incondicional possa trazer ao seu próprio país.
A partir daí, estas elites econômicas, especuladores financeiros e meios de comunicação de massa romperam o pacto de conciliação com o governo social-democrata e partiram para a briga declarada e aberta contra o partido no governo.
Não por coincidência, logo depois das ações de Dilma para a recuperação da economia, explodiram as marchas de junho de 2013. Multidões tomaram as ruas com pautas dispersas muitas vezes indefinidas e que, justamente por isso, hoje dão a impressão de terem sido induzidas por alguma força oculta. É muito improvável delas terem partido de uma indignação popular de massa, simplesmente contra tudo que está aí.
Por volta do mesmo período a Operação Lava-Jato começa a tomar aparência de espetáculo com uma cobertura muito mais enfática dos envolvidos quando estes eram ligados ao partido no governo e mais amena, quase inexistente, quando os envolvidos eram ligados a outros partidos ou a oposição ao governo.
Esta estratégia de desmoralização do governo social-democrata funcionou muito bem. Nas eleições de 2014 o partido no governo perdeu considerável número de cadeiras nos legislativos do país e, principalmente, no Congresso Nacional o número de parlamentares alinhados aos interesses das elites, do mercado financeiro e dos interesses do capital internacional cresceu como nunca antes.
A estratégia só falhou num ponto bastante crucial. Apesar da crise internacional, o desempenho do governo social-democrata no ano de 2014 foi dos melhores da história, desemprego baixíssimo, excelente crescimento econômico e de desenvolvimento interno e poder de compra do trabalhador assalariado ainda em níveis muito bons. Graças a estes indicadores e contra todos os prognósticos, Dilma consegui se reeleger com dificuldades, numa disputa bastante apertada, com uma diferença histórica de apenas 3,6 milhões de votos.
Bastou apenas esta derrota eleitoral apertada para que a campanha midiática de desconstrução do PT crescesse ainda mais. A oposição e os meios de comunicação abriram mão de estratégias de propaganda de guerra contra o governo social-democrata:
- Financiaram e inflaram movimentos “populares” pelo impeachment, até então inexpressivos;
- Bombardearam os noticiários com notícias negativas, muitas delas sem nenhuma comprovação ou investigação mais aprofundada da veracidade;
- A operação Lava-Jato atingiu níveis inimagináveis de partidarismo e falta de isenção com a divulgação de escutas ilegais da Presidência da República;
- O Congresso recém empossado travou todas as pautas do executivo, tornado impossível qualquer tentativa de governabilidade da Presidência da República;
Finalmente, depois de um ano e meio de conspirações e sabotagens contra o país, conseguiram destruir a economia, a indústria pesada e naval, as maiores empresas de construção, o projeto nuclear brasileiro, a pesquisa científica, o poder de compra do salário. Conseguiram a proeza de elevar a taxa de desemprego de 5 para 13% em apenas um ano. Tudo isso para derrubar a presidente democraticamente eleita, num processo de impeachment caolho, onde sequer conseguiram provar algum crime que justificasse este impedimento. Apenas para minar o BRICS no cenário internacional, retomar o alinhamento incondicional com as politicas intervencionistas de Washington e, é claro, daqui poucos meses, eleger indiretamente um presidente tucano, completamente alinhado e comprometido com os interesses dos especuladores financeiros e do mercado internacional, para assumir a retomada das políticas entreguistas e neoliberais de modo ainda mais acelerado do que foram nos anos de FHC.
Enquanto tudo isso aconteceu e acontece nos bastidores e nas entrelinhas dos jornalões, meu interlocutor na rede social segue faceiro, acreditando mesmo que toda esta tragédia política e institucional foi causada pela roubalheira do PT, de que seu anti-petismo e anti-esquerdismo são uma decisão racional e individual. Ele nunca se dará conta de que estas opiniões foram plantadas em sua cabeça através de uma pesada campanha de marketing, financiada com muitos dólares gringos e levada a cabo por nativos entreguistas e inconsequentes.
Graças ao comportamento bovino de pessoas como este meu interlocutor, o sonho de um Brasil Nação, soberano, protagonista e independente, foi destruído enquanto alguns brasileiros que se julgam patriotas, batiam palmas e panelas a cada nova denúncia de corrupção envolvendo o PT que aparecia no Jornal Nacional.
A incrível capacidade de autodestruição do Brasil: a competência da Casagrande
13 de Novembro de 2016, 8:54 - sem comentários aindaNão espere 50 anos para saber o que os golpistas fizeram contra o Brasil e seu povo Trabalhador.
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O muro de Berlim e o Brasil pós-Dilma, por Luiz Moreira e Erivan da Silva Raposo
8 de Novembro de 2016, 14:50O muro de Berlim e o Brasil pós-Dilma
por Luiz Moreira e Erivan da Silva Raposo
“Depois da queda do muro, o mundo não voltou a ser mais seguro. Pelo contrário: o número de conflitos sociais, guerras étnicas e religiosas aumentou. Nem a ser mais justo, pois a distância entre os mais ricos e mais pobres cresceu. A sensação comum é de caos na política mundial”
(Mikhail Gorbachev, na abertura do Fórum Político Mundial, realizado na cidade de Bosco Marengo, Itália, em 2009)
No dia 09 de novembro de 2016 completar-se-ão 27 anos da queda do muro de Berlim, 155 quilômetros[1] de uma estrutura de concreto, erguida pela República Democrática Alemã (RDA) em 1961, e que se transformou num símbolo da Guerra Fria. A separação entre Alemanha Oriental e a Europa era a separação entre dois modelos de sociedade, entre dois modelos de exercício do poder, de economia e de política.
Por muito tempo, era como se esse muro dividisse não apenas países da Europa, mas todo o mundo; Osis (alemães orientais) e Wesis (alemães ocidentais) representavam coisas distintas: esquerda e direita; alinhados e não-alinhados; comunismo e capitalismo; União Soviética e Estados Unidos; o mundo polarizado fornecia certezas sobre o certo e o errado, o próspero e o atrasado, o bom e o mau, o claro e o escuro.
Em 09 de novembro de 1989, 28 anos após ter sido erguido, o muro de Berlim fora derrubado e, com ele, uma estrutura simbólica que se conjugava pela polarização, cujas categorias ajudavam a classificar as coisas, a separar as pessoas, a marcar posições, a dividir espaços e a fazer a leitura da história.
A queda do muro de Berlim representa virada na história (como a leem os ocidentais), para a qual não tardaram a decretar o fim. O fim da história[2]seria o fim de qualquer expectativa de mudanças estruturais no mundo conhecido, de qualquer modelo que não fosse decorrente do capitalismo e da narrativa liberal sobre economia e organização política. Não há nada após o capitalismo, no máximo uma nova etapa dele, que poderia significar avanço positivo da e na História.
Essa ideia de um fim da história nasceu moribunda, sendo logo desmentida pelas guerras étnicas que se multiplicaram não apenas na África, mas também na Europa. Novos movimentos foram feitos no xadrez das relações internacionais e na reorganização do poder no contexto geopolítico.
A dominação ocidental sobre o Oriente gerou violência similar ou superior à anterior, com novos conflitos instalando-se, mas dessa vez com viés religioso, utilizando categoria com a qual as anteriores divisões simbólicas passaram a conjugar os termos amigo/inimigo: o Terror.
A certeza que o Ocidente tem em relação a seus inimigos, incluindo o terror que atribui às vestes islâmicas, é inversamente proporcional à incerteza das esquerdas em relação ao modo que devem lidar com esse mundo pós muro de Berlim.
Na Europa, a pós-modernidade é a designação que filósofos[3] e certa sociologia darão à condição sociocultural e estética predominante no pós Muro de Berlim, no contextohiper-abrangente do capitalismo.
Muitas categorias e teorias, caras às esquerdas,foram problematizadas[4], quando não descartadas como insuficientes ou inadequadas para lidar com o ‘pós-moderno’. Há quem fale no fim das esquerdas e de seus projetos, ou de uma crise de tal monta que dificilmente emergiria novamente uma esquerda como se a conhecia até então.
Houve inclusive discurso que afirmava ter o político perdido seu lugar, esvaziado de sentido e de conteúdo, segundo o qual a vitória do capitalismo (e do neoliberalismo) teria nos liberado da necessidade de ‘fazer política’, vez que não há o que a política possa fazer e o tempo passaria a ser regido por tecnocratas, reduzindo o governar a mero ato de gestão.Essa gestão seria expressão de decisões técnicas (policy) e não se confundiria com deliberações políticas (politics).
Nesse movimento de supremacia da técnica sobre a política, da gestão sobre a deliberação, são conjugados tanto um movimento de descrédito intelectual, que podemos vislumbrar já em 1973, com a publicação, por Alexandre Soljenitsyne, de seu L´archipelduGoulag, e a consequente recuperação de autores como Raymond Aron, Marcel Gauchet e mesmo Tocqueville (ONFRAY, 2004), quanto a ascensão de governos regidos por imperativos de gestão, cuja expressão maior foi o neoliberalismo, com Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
A queda do Muro de Berlim seria, portanto, um marco simbólico desse movimento que se denomina neoliberalismo, que pode abranger mais que uma política econômica, tornando-se modelo de mundo e do homem, a partir da qual se vai poder declarar, sem dificuldades, como já apontado acima, o fim da história, em que intelectuais e formadores de opinião passaram a professar a inexistência de alternativas a esse movimento, restando o acatamento das diretrizes gestadas pela burocracia, que passa a substituir a disputa política pelo resultado derivado da concentração dos poderes.
Não por acaso, o discurso de fortalecimento da política, da democracia deliberativa e da política de inclusão é severamente combatido, implicando reação lenta e desarticulada dos partidos e movimentos de esquerda, cujo vazio foi parcialmente preenchido por críticas aos efeitos da modernidade e por demandas por direitos e análises sobre a redemocratização dos países antes classificados como ditaduras ou como regimes totalitários, com sua respectiva constitucionalização.
Nesse sentido, a constitucionalização representou o controle da sociedade civil pelos tribunais constitucionais, subordinando o processo de deliberação política pelo processo judicial, a política pela técnica, expurgando, praticamente, das tomadas de decisão politicamente relevante os atores políticos[5].
Com a queda do Muro de Berlim, esse ambiente de hipercriticidade perde força e colabora para a desarticulação das esquerdas. Houve inclusive a ampliação de ataques às esquerdas tradicionais, assumindo lugar uma ‘nova esquerda’, que dialoga com as ideias neoliberais e se adapta ao ambiente de fim da história, chegando mesmo a negar a importância do Estado[6]. Predominava, assim, a crítica às 'grandes narrativas', que seria uma espécie de manifesto contra outra opressão, a da teoria, a de uma certa noção de verdade que nos 'obrigava' a olhar o mundo também de uma certa maneira (uma maneira ‘certa’). Tempos críticos e de crítica em que havia um constrangimento generalizado contra o uso de categorias universalizantes ou de explicações abrangentes[7].
Embora demorem a reagir, os partidos e movimentos de esquerda se reinventaram. No entanto, muito se perde nesse caminho. Não sabemos se o termo crise existencial se aplicaria de forma abrangente, mas é significativa a quantidade daqueles que passaram a renegara política, formulando críticas ácidas, e quase sempre ressentidas - enão apenas ao marxismo, substituindo a crítica ao capitalismo por questões setoriais, desarticuladas de uma contestação do sistema das necessidades.
É nesse quadro que autores como Anthony Giddenssustentam a ideia de que a sociedade atual[8] seria extremamente complexa e que a divisão tradicional entre esquerda e direita não seria mais uma referência adequada para caracterizar o presente e nem para formular políticas adequadas ao nosso tempo.
Em 1998, Giddenssistematiza o que chama de Terceira Via, a partir de um conjunto de preceitos, por meio dos quais a social democracia conseguiria reconquistar o ‘público’ de maneira ativa e socialmente eficiente. Diferentemente da esquerda ‘clássica’, essa nova ‘esquerda-do-centro’, a da terceira via, estaria menos focada em questões macro e mais nas questões micro. O indivíduo, e não a sociedade,passaria a merecer atenção, com o consequente abandono das questões estruturais e com a respectiva adoção de temas comportamentais.
A supremacia da gestão, ínsita à terceira via e ao neoliberalismo, implicou contestação das políticas públicas que produziram o Estado de Bem-Estar social e, que até os anos 1970, resultou em queda significativa nas taxas de desigualdade. Não apenas a desigualdade voltou a ser uma característica marcante no Ocidente como um todo, como a ideologia neoliberal se imunizou ante as críticas, de modo a permitir a generalização de uma passividade prática frente ao sistema geral das desigualdades (ROSANVALLON, 2011).
Essa passividade atingiu os partidos e os movimentos de esquerda, afastando-os da possibilidade de construir com a sociedade um caminho para sua resolução.
O Brasil pós Dilma
Inevitavelmente, a queda do Muro de Berlim teve seu impacto no Brasil e gerou discussão sobre as perspectivas da esquerda no país, e isso mal havíamos formulado uma nova Constituição e iniciado uma nova fase da história da República, com o fim dos governos militares, iniciado em 1964.
Uma vez, porém, que as esquerdas ainda estavam em pleno processo de reorganização e sua última experiência de governo, com João Goulart, foi o motivo mesmo do golpemilitar, o impacto inicial foi mais teórico que prático. De todo modo, os partidos e os movimentos de esquerda foram enquadrados pelo sistema político vigente e o poder deixou de ser uma questão acessível por intermédio de revoluções, e o exercício de parte do poder deveria ser disputado nas urnas, com o acatamento das regras eleitorais.
Portanto, os partidos revolucionários cedem espaço aos partidos da ordem burguesa, na medida em que as regras do jogo eram estabelecidas pelas disputas políticas, eleitoral e parlamentar.
Nas eleições de 1982[9], apenas o PDT, como partido de esquerda, conseguiu eleger um governador[10] e o PT, apenas dois prefeitos em todo o país.
Em 1986, o PT elegerá apenas um prefeito, o que ocorreu em Fortaleza.Em 1988, porém, apenas um ano antesda queda do muro, e já sob um novo regime constitucional, esse número cresce para 38[11]. É em 1989, ano da derrubada do Muro, que os brasileiros elegerão, 25 anos depois do golpe de estado que culminou em uma ditadura militar, seu primeiro presidente da República em eleições diretas, pleito do qual participaram os partidos de esquerda existentes no país.
Se a derrubada do Muro gerou dúvidas sobre o papel das esquerdas, sobre a configuração de um projeto, provocando reflexões sériassobre sua identidade, as questões práticas a resolver, no caso brasileiro, geradas pela disputas eleitorais pelo poder, parecem ter pesado mais sobre os partidos do que as questões teóricas[12]. Aqueles partidos que, como o PCB[13] e o PCdoB, tinham maior identidade com os partidos comunistas e socialistas europeus, de matriz marxista, parecem ter tido maior dificuldade em superar os impasses surgidos em 1989.
No entanto, o sucesso eleitoral do PT não evita que se aprofunde a crise das esquerdas clássicas no país. Quando o Partido dos Trabalhadores sai vencedor do pleito presidencial em 2002, 13 anos distanciava esse feito histórico da queda do Muro de Berlim e, para muitos, já não era mais o mesmo partido idealizado no final dos anos 1970 e registrado em 1982, o que conquistara a executivo federal.
A despeito disso, os partidos de esquerda no país persistem, com alinhamentos estratégicos ocasionais, mas críticos uns dos outros. Caracterizaram as esquerdas brasileiras nos anos 1970 e 1980 as divergências, as cisões e as acusações de “aparelhamento” partidário aos que ousavam produzir análises divergentes.
O PT, por exemplo, vai ser acusado de acatar a agenda neoliberal e de fazer concessão à ordem burguesa, de pactuar com as elites. Uma das avaliações correntes é a de que o Partido dos Trabalhadores, um partido que deu unidade política a muitas concepções de esquerda, soube superar o tipo de engajamento que inevitavelmente marcou a luta contra a ditadura. Tendo surgido a partir do movimento operário e se estabelecido com um propósito não revolucionário, mas como partido da ordem e que conquistaria parcela do poder via eleições, logo, não seria marcadopor aquilo que Maria Paula Nascimento Araújo (2001) chama de “vícios da clandestinidade”.
A vitória eleitoral do PT em 2002[14]- e a sucessão de reeleições até 2014, sugere, enfim, um ambiente de normalidade democrática, além de projetar ambiente de acatamento das normas constitucionais. A despeito de a conquista do poder executivo federal, pelo PT, gerar expectativas de a democracia brasileira não mais estar sujeita a rupturas, o golpe parlamentar ocorrido em 2016 demonstra a arbitrariedade a que estávamos sujeitos, sem que o sistema tivesse sido capaz de contar com guardiões.
Assim como a queda do Muro de Berlim teve impacto duradouro sobre as esquerdas, sendo explorado competentemente, de modo a impor narrativa de que não haveria saída para além do capitalismo, igualando as propostas da esquerda a fantasias e irresponsabilidade, carimbando os partidos de esquerda de infantis e perigosos, relativizando a democracia[15] de maneira a submetê-la à burocracia estatal.
Se, por um lado, os partidos e movimentos de esquerda ainda buscam respostas para uma agenda socialista para o século XXI, as forças do capital seguem uma agenda que combina protagonismo do mercado com submissão da democracia à gestão.
Independentemente das análises sobre as manifestações ocorridas a partir de 2013, ou sobre sua instrumentalização, parece haver consenso tanto sobre a fragmentação da sociedade brasileira, quanto da incompletude de sua democracia[16] e da necessidade da definição de uma agenda nacional que combine questões estratégicas (pré-sal e novas tecnologias etc.) com uma democracia de direitos[17].
Nesse sentido, ante tais desafios, é necessário produzir novo consenso político.
Para além de uma "Conferência Democrática":
A formação de uma Frente de Esquerda
Um cenário de intensa disputa por hegemonia não pode se converter em retrato dos partidos e dos movimentos de esquerda no Brasil. É certo que, diante da crise de identidade pós queda do Muro de Berlim, as esquerdas se propuseram movimento para viabilizarem-se num mundo que busca convencer a todos de que não há espaço para ideologias e para propostas fora e contra o mercado. A admiração que os novos partidos de esquerda têm por experiências como a do Podemos espanhol parece não ser gratuita, pois, passados 27 anos desde a queda do muro de Berlim, foi uma das poucas experiências efetivamente novas, de esquerda, a surgir no horizonte. Contudo, é crítica às esquerdas tradicionais.
No pós Dilma, é necessário re-aglutinar as forças democráticas em torno de um projeto de soberania nacional, assentado na soberania popular e num ideal de sociedade inclusiva. São estes pilares dos quais não é possível nenhum partido de esquerda, nenhum democrata, discordar.
Em setembro de 1917 realizou-se, em Petrogrado (atual São Petersburgo), a Conferência Democrática de Toda a Rússia.Convocada pelo Comitê Executivo Central dos Sovietes, composto pelos mencheviques e socialistas-revolucionários, a fim de solucionar a questão do poder. Sabe-se que aquela Conferência não resolveu - muito pelo contrário, a divisão e luta entre Mencheviques e Bolcheviques, mostrando-se um verdadeiro fiasco, mas seu ideal era claro.
Havia um problema, diante da diversidade de atores, em como compor o novo governo revolucionário, o que permaneceu como um desafio.A conferência democrática, ou pré parlamento, visava preparar uma constituinte e decidir, democraticamente, como deveria ser formatado o novo governo.
O que impediu que a Conferência Democrática funcionasse foi a divisão facciosa, a incapacidade de ceder, a sede por tomar o poder e dirigir a construção de uma hegemonia. A grandeza do desafio não foi suficiente para pacificar as divisões e firmar um pacto.
É exatamente essa a chamada que se faz nesse momento. É necessário que as esquerdas[18] consigam escutar-se, para o bem do Brasil, e pautar as bases de uma frente que possa reagir à altura ao avanço conservador e apresentar-se novamente como uma alternativa para o país.
Não se trata, hoje, diante da crise civilizatória pela qual passamos, de um mero acordo entre as esquerdas, mas de produzir os termos de um novo pacto civilizatório, a fim de podermos ultrapassar, da melhor forma possível,os grandes impasses que atingem a sociedade brasileira.
Uma conferência democrática, nesses termos, e como primeiro passo na construção de uma frente de esquerdas, teria a tarefa de reunir os atores envolvidos nas questões mais relevantes na configuração de um novo Brasil, particularmente aquelas que dizem respeito a problemas persistentes que assolam as cidades e o campo, tais como mobilidade urbana, florestania, desenvolvimento nacional, pré-sal e Amazônia, matriz energética, soberania popular, democracia e direitos, SUS, aposentadoria e assistência social.
Se a queda do muro de Berlim gerou um vazio existencial nas esquerdas de todo o mundo, vazio até o momento apenas parcialmente preenchido, o que aqui denominamos de período pós Dilma a ele equivale, pois representa outro vazio, agora entre nós, na medida em que sequer arranhamos explicações relevantes para o golpe sofrido, muito menos sua superação. No entanto, esse vazio significa igualmente oportunidade.
É momento de configurar um projeto do qual toda a esquerda possa sentir-se parte. Mais uma vez, acreditamos que, ao contemplar três dimensões: soberania popular e direitos - naquilo que se convencionou chamar de democracia constitucional; mobilidade urbana e florestania; e as novas tecnologias que serão desenvolvidas com a exploração da Amazônia azul; seria possível firmar esse pacto e forjar, juntos, um novo e sólido projeto de país.
Luiz Moreira: Mestre em Filosofia e Doutor em Direito, professor na PUC-RJ;
Erivan da Silva Raposo: Mestre em Antropologia e Doutor em Ciência Política.
BIBLIOGRAFIA
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FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Record, 2014.
FUKUYAMA, Francis. The EndofHistory. InThe NationalInterest (Summer 1989, p. 3-18).
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GIDDENS, Anthony. BeyondLeftandRight: The Future of Radical Politics. Stanford: Stanford UniversityPress, 1994.
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MESQUITA, Nuno Coimbra (org.). Brasil: 25 anos de democracia: participação, sociedade civil e culturapolítica. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2016.
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PT – PARTIDO DOS TRABALHADORES. Resoluções de Encontros e Congressos, Partido dos Trabalhadores. Organização: DiretórioNacional do PT/SecretariaNacional de FormaçãoPolítica e FundaçãoPerseu Abramo/ProjetoMemória. São Paulo, EditoraFundaçãoPerseu Abramo, 1998.
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SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: ZaharEditores, 1984.
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WEBER, Max. Economia e Sociedade (volume 2). Brasília: EditoraUnB, 1999
ZIZEK, Slavoj. Crença na Utopia. 2008. Disponível em http://zizek.weebly.com/textos.html. Acesso em 22 de janeiro de 2011.
[1] Eram 43 km de fronteira fechada entre Berlim Ocidental e Oriental, no meio da cidade, e mais 112 km que cercavam Berlim Ocidental pela parte externa.
[2] O filosofo e cientista político nipo-estadunidense Francis Fukuyama publicou, ainda no verão de 1989, o artigo “The EndofHistory?”, na revista The NationalInterest (1989). Depoisestendesuasreflexões e publica o livro The End of History and the Last Man (1992).
[3]No Ocidente, Jean-François Lyotard (2008) será o primeiro, seguido bem de perto por Baudrillard, a analisar essa nova ‘fase’ da história. Ele e os que lhe seguem vão caracterizar o pós-moderno decorrente da crise das ideologias nas sociedades ocidentais no final do século XX, como dissolução da referência à razão (até então considerada como garantia de possibilidade de compreensão do mundo, por meio de esquemas totalizantes, traduzida em ‘grandes narrativas’).
[4]Hegemonia, luta de classes, universalidade, estrutura, história, ideologia, foram algumas das categorias objeto de contestação, de dissecação, de negação. Outras categorias, tomando o poder de uma perspectiva mais micro (FOUCAULT, 2014), vão ter proeminência, indicando um deslocamento da política e da luta política: identidade, local, gênero, narrativa, entre outros.
[5]Segundo SlavojZizek (2008), entram na ordem do dia: “a alienação da vida cotidiana, a 'mercadorização' do consumo, a inautenticidade de uma sociedade de massa em que 'usamos máscaras' e sofremos opressão sexual e outras etc”.
[6]Não tão recente, mas relevante para exemplificar esse espírito, é o livro de John Holloway (2002),Changethe world withouttakingpower. A tradução brasileira é de 2003: Mudar o Mundo sem tomar o poder (editora Viramundo).
[7]Já no final do século XX, instala-se uma ditadura da Globalização, na qual tudo é explicado, a favor ou contra, por esse fenômeno. Rita Laura Segato (1998, p.2) nos lembra, por exemplo, que é por conta do desgaste das noções de imperialismo e internacionalismo que se passa a chamar, de maneira eufemística, a esses processos centenários de globalização. Do mesmo modo, esvaziam-se, como já ressaltado, categorias como classe e luta de classes são substituídas por ‘grupos de pressão’, ‘coletividades’, ‘conflitos de interesse’ e exploração por ‘exclusão’.
[8]Países com ‘grau suficiente de modernidade’, segundo o sociólogo britânico (2008).
[9]Essa foi primeira eleição realizada no país após o fim do bipartidarismo imposto pelo regime militar. Ela contou com a disputa entre cinco partidos nos pleitos para os governos estaduais e para as prefeituras, para o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais.
[10]O PMDB elegeu 9 (nove) governadores, assim, com o PDT, a oposição fez 10 governos estaduais, além de totalizarem maioria na Câmara dos Deputados (embora, o PDS tenha obtido o maio número de cadeiras).
[11]30 anos depois de sua estreia no jogo eleitoral, com 2 prefeitos eleitos, o Partido dos Trabalhadores chega em 2012 ao número de 635 cidades com prefeitos eleitos pelo partido. Em 2016, o PT elegeu apenas 256 prefeitos.
[12]“As alterações na estrutura socioeconômica brasileira (com o surgimento, o rearranjo e a reacomodação de classes e grupos sociais), as reformulações do capitalismo internacional e as profundas mudanças nos países socialistas (principalmente nos países do Leste Europeu), por outro lado, obrigam o Partido dos Trabalhadores a um profundo reexame da teoria e da prática que até então vinham presidindo a luta histórica por uma humanidade livre, justa e fraterna, de modo a obter maior nitidez em sua concepção de socialismo e dos caminhos capazes de levar à transformação socialista da sociedade brasileira.” (PT, 1998, p. 428)
[13]Fundado em março de 1922, o PCB (que se denominava inicialmente Partido Comunista do Brasil) foi proscrito em julho do mesmo ano. Legalizado em janeiro de 1927, ano em que concorre à Presidência da República, não obteve registro para as eleições de 1934. Somente em 1945 o registro foi aceito para, no entanto, ser novamente suspenso em 1947. Em 1960, ainda na ilegalidade, o PCB passa a se denominar Partido Comunista Brasileiro. No dia 8 de fevereiro de 1962, ala dissidente do partido forma uma nova agremiação partidária que se denominará Partido Comunista do Brasil, adotando a sigla PCdoB. Somente em 1985, com o fim do regime militar, o PCB voltou a funcionar na legalidade. Em 1992, surge o PPS (Partido Popular Socialista) também oriundo do PCB.
[14]“A singularidade do Partido dos Trabalhadores deriva em parte de sua tentativa, no interior do processo de transição, de criar uma identidade política que rompia ao mesmo tempo com o padrão de relações que caracterizavam o período autoritário e com tradições históricas. Em outros países do Cone Sul, esse espaço organizacional foi historicamente ocupado por partidos que datavam de antes do regime militar e mantiveram um grau substancial de legitimidade entre seus eleitores. No Brasil, o problema não consistia somente em ocupar esse espaço, mas também em criá-lo.” (KECK, 2010, p. 62-63).
[15]Nesse contexto de ‘Fim da História’, não apenas o neoliberalismo se apresenta como discurso e visão única do mundo, vitória do capitalismo, mas a democracia reduz-se, porque a política perde em importância, a mero procedimento. É uma versão minimalista da minimalista concepção de Joseph Schumpeter (1984) - e de Max Weber (1999).
[16]Segundo o ranking da UIT de qualidade da democracia, o brasil piorou seu índice, subindo de 44 para 51 em 2015, indicando que o país estaria entre os países com democracias incompletas (seriam completas aquelas com índices abaixo de 8): cf.:http://migre.me/vlrOU. Segundo o Latinobarómetro, que também tem um index sobre a percepção a respeito da democracia, os brasileiros se mostram muito desencantados com sua democracia, de forma que no último relatório publicado, dentro da América Latina, o Brasil estaria em penúltimo lugar, atrás apenas da Guatemala, entre os que consideram a democracia o melhor dos regimes políticos:cf.:http://qualidadedademocracia.com.br/do-brasilians-appreciate-democracy/.
[17]O Brasil é conhecido por suas experiências de participação cidadã em nível municipal (bem como as experiências de conferências nacionais) e são reconhecidas experiências de movimentos sociais que lograram organizar-se de tal forma que os governos se veem obrigados a ouvi-los e por eles são pressionados (assim como o parlamento), mas as relações são frágeis, os mecanismos de participação são constantemente questionados e grupos minoritários ainda têm dificuldade de se fazer representar. Cf: Nuno Coimbra Mesquita, 2016.
[18]E aqui não se fala apenas dos partidos políticos, mas dos movimentos sociais e sindicais alinhados à esquerda.
Uma frente ampla para radicalizar a democracia!
7 de Novembro de 2016, 22:36 - sem comentários aindaEditorial do Informes da Abong - Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
Com as derrotas eleitorais, uma grande parte da esquerda - tanto partidária, quanto dos movimentos sociais - passou a produzir suas análises da realidade brasileira. Tarefa bastante difícil, dada a complexidade do quadro político, social e econômico de nosso país. A Abong há muito compreende que a realidade brasileira é muito complexa e sua divisão de classes sociais não pode ser explicada de forma binária, muito menos estão corretas leituras maniqueístas que a dividem de forma simplista entre bons/boas e maus/más.
A riqueza da sociedade brasileira é justamente esta diversidade, pluralidade, múltiplas identidades que se somam e se completam. As eleições são um destes momentos que melhor expressa essa complexidade, visto que um mesmo eleitorado pode, numa eleição, votar massivamente em um projeto de esquerda e, na eleição seguinte, alçar ao poder um projeto oposto. A única forma de conviver com esta complexidade é manter-se sempre bem próximo da base social, numa dinâmica de diálogo e escuta permanentes.
No processo de redemocratização brasileira ocorrido nos anos 80 e 90, o campo democrático e popular estava profundamente enraizado na base da sociedade brasileira. Este vínculo representou não só identidade política, mas legitimidade na representação de um projeto de sociedade. Com as vitórias eleitorais, no entanto, ao invés de aprofundar esta dinâmica de democratização da política, os/as representantes deste campo foram, paulatinamente, afastando-se dos processos participativos e, com isso, perdendo a aderência política com a base social. Hoje, salvo por relações históricas, há uma perda da capacidade e de representação real das novas agendas e processos de lutas em curso no País. Pior, quem ocupa este espaço, são ideologias ligadas ao pensamento conservador que usam a religiosidade popular como mote ideológico.
Mas as crises não são o fim da história. Elas representam um momento e podem ser a base para a reconstrução da trajetória popular iniciada há décadas atrás. Há um legado de conquistas sociais a ser defendido e novas agendas e lutas a serem travadas.
O importante é que este recomeço não abra espaço para os mesmos erros, em especial, o da centralização da política nos partidos. Os movimentos sociais que atuam em várias frentes de lutas e dialogam com os mais diferentes segmentos e setores vêm construindo a ideia de frentes amplas de lutas que podem, em algum momento, assumir funções de disputar o poder, assim como ocorre no Uruguai e no Chile. Um processo que possa rearticular esta pujante dinâmica de movimentos e organizações que, após estes treze anos de governos Lula e Dilma, demonstraram que têm sim capacidade de executar um projeto popular para o Brasil.
Neste sentido, as novas experiências que nasceram com a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo são um ótimo começo, embora estes processos possam ser mais horizontais, dinâmicos e democráticos. Há uma nova cultura política que nasce da crítica ao encastelamento de algumas direções. Lembramos aqui a inovação de processos mais horizontais, autogestionários e que possuem maior capacidade de aglutinação e de gerar a unidade na diversidade e pluralidade. Experiências de novos movimentos sociais que decidem de forma direta, com baixa estrutura de representação, não apostando em comandos nacionais, regionais, estaduais e municipais, pelo contrário, cada espaço possui autonomia para executar suas decisões. Com todos os seus limites, crises e problemas, há também os processos de construção dos Fóruns Sociais que, pelo menos em Porto Alegre, têm sido bastante inovadores enquanto dinâmica política, respeito às diferenças, diálogo com os partidos políticos democráticos e construção de agendas comuns de lutas.
A constituição desta frente ampla deve ter como centro a busca de uma unidade mínima para enfrentar o conservadorismo e a ofensiva da direita. Neste sentido, indo ao encontro da construção de uma nova cultura política, radicalmente democrática, a proposta da realização de um amplo processo de prévias nos parece bem interessante. Nem tanto pelo resultado que poderá produzir, mas fundamentalmente pelo processo e pelo simbolismo que isso representa. A decisão de quem irá representar o amplo e plural campo democrático e popular deve passar para além das direções partidárias.
Isso porque a ideia, independente de onde venha, da criação de uma ampla aliança nacional do campo democrático e popular voltada a discutir, primeiro um programa mínimo que produza a unidade e, segundo, uma dinâmica de projeto de poder, parece apropriada e necessária. Mas não deve, a priori, partir da definição de nomes antes da construção da própria unidade. Uma eventual candidatura unitária que represente o campo democrático e popular requer um pacto sobre programa e, principalmente, sobre as estratégias de transição do atual modelo econômico, social, ambiental e político para um outro socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Apesar das derrotas eleitorais ou talvez por causa delas, várias organizações e movimentos sociais estão mobilizados para realizar, em Porto Alegre, um Fórum Social das Resistências, de 17 a 21 de janeiro de 2017, em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, como espaço para um diálogo de todos os povos em luta e resistência, no Brasil, na América Latina e no mundo. Pretende-se realizar um evento totalmente autogestionário, inclusive do ponto de vista financeiro, ou seja, um evento sem recursos públicos, apenas com a cessão dos espaços públicos. Este poderá ser um momento privilegiado para debater estes temas - tanto da frente ampla, do balanço dos erros e acertos, do alinhamento de quais temas devem compor um possível programa mínimo, quanto da discussão sobre a pertinência de um processo nacional de prévias. Esta questão poderia ser discutida, inclusive, em diálogo com representantes da Frente Ampla Uruguaia que, como sabemos, tem larga experiência nestes processos.
A crise das derrotas eleitorais, por óbvio, atinge mais fundo aqueles segmentos que há anos vêm priorizando a militância institucional em detrimento das frentes de lutas dos movimentos sociais. Por isso, há setores mais desesperançados que outros. Muitas e muitos de nós, apesar das vitórias eleitorais, não saímos das trincheiras de lutas de 2003 até os dias de hoje. Mas, para além deste significado, o avanço do projeto neoliberal no mundo e no Brasil impacta diretamente todas as nossas agendas e lutas. Por isso, embora a derrota possa ser resultado de erros deste ou daquele campo político, as consequências nos atingem à todas e todos. Dito isso, só nos resta o caminho da unidade. E a unidade somente será eficaz e duradoura se partir do respeito às nossas diferenças, à diversidade de nossas atrizes e atores e estiver alicerçada numa metodologia radicalmente democrática. Sabemos da urgência deste novo ciclo histórico e estamos todas e todos dispostos a trilhar estes novos caminhos. Para isso, sigamos em diálogo e na luta!